As crises econômicas a partir dos anos 70
representam para o capital um grande desafio.
O fracasso do Estado no controle da economia fez ressurgir a
crença no poder do mercado sobre a alocação ótima dos
recursos escassos. Na visão dos liberais, a crise econômica em
si não existe. O que existem são desajustes temporários
causados por fatores externos à economia, como a ação estatal,
que deve, portanto, ser restringida.
A abertura da economia ao mercado externo, a desregulamentação
e a privatização de empresas públicas é a solução defendida
pelos tomadores de decisão nos rumos da economia e da sociedade.
No nível microeconômico, as empresas se reorganizam para
adaptar-se ao modelo de desenvolvimento voltado para fora e à
produção flexível.
Como resultado da crise, as empresas passaram a exercer uma
redução forçada da utilização de equipamentos e insumos, o
que reduz as margens de lucro, devido à manutenção de custos
fixos de produção. Diante das perdas, o capital promove uma
reestruturação das empresas, reduzindo ao mínimo necessário
todos os coeficientes técnicos de produção.
No nível macroeconômico, com a abertura do comércio
internacional, observa-se o que J.Katz, inspirado em Schumpeter,
chama de "criação destrutiva" ( :115), pela qual
empresas individuais e ramos da indústria perdem terreno
relativo, enquanto outras ganham terreno. Como num jogo onde há
perdedores e ganhadores, as empresas perdedoras são fechadas ou
incorporadas; as ganhadoras promovem aquisições e fusões.
Empresas industriais nacionais, firmas estrangeiras e bancos
internacionais integram suas atividades nos mercados mundiais,
promovendo uma maior centralização e concentração da
economia.
A reestruturação da economia e a superação de impasses
econômicos tornaram-se possíveis com o desenvolvimento e uso de
novas tecnologias de produção e de gestão do trabalho. O
advento da microeletrônica permitiu mudanças na base
técnico-social das empresas, a flexibilização da produção,
dos custos (variáveis e fixos), da organização e das
relações de trabalho. Estas mudanças objetivam aumentar a
produtividade e garantir posição de competitividade no mercado.
A reestruturação da economia (macro e micro) desmonta velhos e
conhecidos paradigmas; formas de organização do trabalho e a
segurança do salário são postas em xeque. A competição do
capital se acirra; a sua internacionalização se combina com a
formação de blocos regionais (Mercosul, Nafta, União
Européia). Empresas transnacionais integram suas operações com
empresas locais, num processo de geração de complementaridade,
racionalizando etapas de produção, tendo como objetivo a
redução de custos, de desperdícios e de insumos. Ou seja,
fatores objetivos e subjetivos do trabalho são economizados,
enquanto a produtividade aumenta.
A globalização comercial e produtiva torna possível o
aproveitamento das vantagens de cada país e cada região, com a
especialização na produção de partes e subconjuntos do
produto global. A globalização da produção e do comércio
permite/requer a integração das economias, preservando uma
hierarquia de poder a nível internacional e macroeconômico,
enquanto reduz ou elimina a verticalização no nível
microeconômico. Grandes, médias e pequenas empresas formam uma
rede heterogênea de demandantes e ofertantes de bens e
serviços, com diferenças de poder econômico e de posição
estratégica de mercado.
Postos de trabalho são eliminados enquanto outros são criados;
a horizontalização da produção e da gestão elimina
hierarquias, equipamentos, qualificações etc. O mercado de
trabalho se reestrutura, com novas demandas quantitativas e
qualitativas de qualificação, de gênero, idade e etnia.
A integração da produção e de mercados, com novas formas de
organização como a terceirização, o "kan-ban" e
"just-in-time", onde a produção tem consumo
garantido, aproxima-se de um planejamento global ideal, que poria
fim à anarquia da produção capitalista. O desenvolvimento das
forças produtivas cada vez mais adquire condições de eliminar
a escassez e aponta para as possibilidades de se produzir riqueza
suficiente para o suprimento das necessidades reais e
imaginárias da maioria da população.
A classe trabalhadora organizada tem, portanto, o dever de
discutir e encontrar formas de participar dos frutos produzidos
pela reorganização econômica internacional.
O propósito deste artigo é justamente contribuir para a
discussão sobre os novos desafios que o trabalho enfrenta no
limiar do novo milênio e sobre as possibilidades de
transformação social objetivamente criadas pelo próprio
processo de desenvolvimento e crise do capital.
O Capital une o Centro e a Periferia
A exportação de capital dos países industrializados foi
condição de expansão e sobrevivência do sistema capitalista.
A industrialização de países como o Brasil já se deu como
parte do processo de acumulação monopolista a nível
internacional.
Centros secundários de acumulação se desenvolveram nas malhas
do sistema financeiro internacional. Nos anos 70, países da
América Latina, o Brasil especialmente, aproveitando-se do
excesso de liquidez (petrodólares), tiveram acesso ao crédito
internacional, que facilitou um esquema de acumulação baseado,
contudo, na produção de setores tradicionais, com tecnologia
ultrapassada, para um pequeno, porém dinâmico mercado interno.(
:80)
Nos anos 80, a elevação da taxa de juros a nível internacional
cria, para os países devedores dominados, o problema até hoje
insolúvel da dívida externa.
Segundo Brunhoff, ( :16) nos anos 1981-82 a saída da crise
deu-se por um acordo financeiro sob a vigilância do FMI, que
impôs condições aos países endividados para pagamento das
dívidas via "desinflação".
O combate à inflação se deu com políticas recessivas que,
levando ao fechamento de empresas débeis e a políticas de
contenção de custos naquelas que lideram o mercado, resultou em
mudanças nas relações de trabalho, com a emergência de novos
tipos de trabalhadores assalariados ou não e no aumento do
número de desempregados, tanto nos países industrializados
quanto na periferia do sistema
No Brasil a recessão, o relativo fechamento da economia e o
baixo nível de investimento condicionaram a falta de inovação
técnica no parque industrial. O desenvolvimento sustentado em
empréstimos no mercado financeiro internacional atrelou a
economia e a sociedade ao pagamento da dívida. Assim, sob o peso
dos juros a pagar, as políticas econômicas adotadas
esforçam-se por excedentes comerciais às custas dos
trabalhadores
As empresas transnacionais que já dominavam o mercado tiveram um
comportamento passivo. Embora aumentassem suas exportações,
não investiram de forma a aumentar a produtividade. ( :565) Ao
contrário, mantiveram baixos níveis de investimento e o
relativo atraso tecnológico. Nos setores de alumínio, celulose
e siderurgia, por exemplo, as transnacionais participaram para a
ampliação relativa da produção, sobretudo da sua
exportação. (cf.5:564)
As mesmas empresas que lideraram a economia nos anos 80 continuam
a liderá-la nos anos 90. No setor automotriz, por exemplo,
Volkswagen, Ford, Fiat, General Motors, etc continuam a dominar;
nos sistemas de telecomunicações despontam: Siemens/Equitel,
Ericson, NEC, etc. Na informática as líderes são também
transnacionais: Xerox, IBM, Unysis. (idem)
O processo econômico subordinado aos ditames do imperialismo
condiciona a crise fiscal do Estado, para cuja solução se apela
para a contenção das despesas públicas, do crédito e da
demanda. O resultado social desta política econômica é que a
milhões de desempregados, de sem-terra, sem-teto, sem-emprego e
famintos somam-se milhões de trabalhadores com salários que mal
lhes garante a sobrevivência.
O Estado intervém na economia através da contenção de
salários e da subvenção do capital, demonstrando a existência
de um novo estatismo, com nítida preferência pela rentabilidade
capitalista, à diferença do Estado de bem-estar baseado na
intervenção keynesiana.
Em relação aos salários vale salientar resultados de pesquisas
do DIEESE: "entre 1986 e 1990, a perda dos rendimentos dos
10% mais pobres superou 45%, enquanto os rendimentos mais altos
tiveram perdas significativas, mas nitidamente menores".(
:30)
Em 1990 ainda 21,6% dos trabalhadores recebiam até 1 salário
minimo. O percentual caiu em relação a 1985, quando era de
29,1% mas, mesmo assim, continua alto. No nordeste do país, o
percentual caiu em igual período de 44,4% para 37,6%.( ) Deve-se
salientar que o salário mínimo tem o valor atual de R$120,00 ou
US$108,10.
De acordo com os princípios do neo-liberalismo, o estado
brasileiro reduz sua intervenção no serviço público, como
saúde e educação, enquanto aloca recursos para garantir a
lucratividade do setor privado. Assim, enquanto em 1995 foram
destinados 26 bilhões de dólares para o pagamento das dívidas
externa e interna, apenas 6 bilhões foram gastos com saúde e
educação. ( :28-29)
Em 1996, 13 bilhões de reais foram destinados ao salvamento de
bancos privados através do PROER (Programa Especial de
Recuperação do Sistema Financeiro) com a justificativa da
necessidade de preservação da estabilidade do sistema
financeiro. (cf. :20)
Enquanto a estatização de parte da dívida externa privada
aumentou os gastos públicos, o ajuste recessivo da economia nos
anos 80 reduziu a arrecadação tributária.
A redução dos investimentos públicos ainda se reflete na queda
das inversões privadas, dado o caráter complementar entre
ambas. ( :169)
O Estado brasileiro, que nos anos 50-70 acolheu o capital
monopolista internacional oferecendo-lhe infra-estrutura,
subsídios, isenções e incentivos, nos anos 90 participa das
novas bases de acumulação, alienando o patrimônio público
através de privatização.
A mudança na estrutura de acumulação dos países imperialistas
como forma de superação de crises redefine o padrão de
acumulação dos países do circuito dominado. A renúncia à
proteção da produção e do mercado brasileiros contra o
capital externo foi uma imposição objetiva da necessidade
sentida pelo capital internacional de queimar etapas de
produção, especializar-se nas atividades-fim e reorganizar-se
de forma a reduzir todos os custos de produção.
Neste processo, as burguesias dos estados dominados seguem a
determinação da política neoliberal ditada pelo FMI e pelo
Banco Mundial: abrem seus mercados à concorrência internacional
e reduzem os gastos com serviços públicos. FMI, Banco Mundial e
outras instituições similares não são neutras, mas são
dominadas pelas burguesias dos países imperialistas e
representam, portanto, interesses de classes, inclusive os das
burguesias latinoamericanas.
A inserção da economia brasileira na globalização pode ser
observada através do aumento do coeficiente de exportação de
commodities. Este passa de 5,5% em 1980 para 22,1% em 1992. Este
comportamento da economia deve-se muito às transnacionais que
dominam a produção local e, nos anos 90, tendem a preservar e
modernizar o parque industrial.(cf.5:544)
Por outro lado, a política cambial contribuiu para o pouco
desempenho das exportações. O crescimento das importações nos
anos 90 faz parte do complexo causal da redução do emprego e da
falência de muitas empresa locais. O saldo das transações de
bens e serviços com exterior, inclusive o pagamento de juros,
provocou crescimento expressivo do déficit em conta corrente
que, na estimativa do DIEESE, deve ter superado a casa dos US$ 20
bilhões em 1996. ( :4) Já o déficit da balança comercial
(exportações menos importações) foi contabilizado em UU$5,53
bilhões em 1996. (idem)
De acordo com Tavares e Gomes, com o aumento das importações o
emprego cresceu apenas 0,4% de setembro de 1994 a maio de 1995. (
:33) No setor automotriz, entre 1989 e 1995, 30.000 postos de
trabalho foram suprimidos, enquanto a produção física aumentou
de 1,2 milhão para 1,7 milhão de unidades por ano. A
produtividade passou de 9,5 para 15,7 veículos por
trabalhador/ano. ( :10-11)
Com a política de estabilização da moeda iniciada em julho de
1994, a captação de recursos financeiros no exterior para
aumentar as reservas nacionais aumenta a dívida pública e
inviabiliza a redução do déficit. O capital internacional
busca as vantagens de juros altos oferecidos no Brasil, mas pouco
se interessa por sua inversão no sistema produtivo.
A concentração do capital internacional se agudiza, com a
fusão de empresas monopolistas dos setores produtivo,
financeiro, comercial e de serviços. As empresas que dominam o
mercado/a produção de determinados produtos reservam para si as
fases decisivas da produção, como o controle da tecnologia. No
Brasil, as empresas sucumbem ao poder monopolista internacional e
se submetem a parcerias subordinadas.
Para enfrentar a concentração do capital internacional,
empresas nacionais também se agrupam, como forma de garantir sua
sobrevivência e relativa indepedência dos juros do sistema
financeiro. (cf.10:175)
Pesquisa realizada pelo IE/UNICAMP observou que, no caso
brasileiro, em lugar das empresas investirem em novas capacidades
de produção que lhes permitam manter a competitividade, no
geral elas buscam redução de custos e melhoramento de qualidade
por meio de alianças estratégicas com grandes empresas
externas. A reestruturação produtiva à brasileira tem sido
caracterizada pela estratégia de associação com grupos
internacionais e também pela terceirização de parte de suas
atividades para o mercado informal, onde a evasão fiscal e a
prática de degradação das condições de trabalho garantem a
manutenção de margens de lucro. (cf.10:187)
No Brasil, em lugar de mudanças na base técnica de produção
das empresas, predominam as mudanças organizacionais. Em
relação à reestruturação produtiva da indústria brasileira
assim argumentou Vicente Paulo da Silva, presidente nacional da
Central Única dos Trabalhadores (CUT):
"a marca mais característica da reestruturação produtiva
no país é a predominância das inovações organizacionais e
gerenciais. Ainda é pouco expressiva a incorporação das novas
máquinas e equipamentos de base microeletrônica. Na maioria dos
casos de reestrutração, as empresas alteram a organização da
produção e do trabalho mantendo as mesmas máquinas e
equipamentos." ( :14)
De acordo com Bielschwosky e Stumpo, técnicas de
racionalização de gestão vêem sendo aplicadas em passos
rápidos, tais como o controle de qualidade e a ISO 9000. As
empresas transnacionais não têm insistido muito em mudanças na
base técnica de produção devido à recessão, mas estão
aumentando a produtividade. Só no período 1991-93, o aumento
foi de 30%. (cf.5:566) A tecnologia de automação rígida
introduzida nos anos 70 vem sendo preservada nos anos 90,
permitindo a sobrevivência das empresas.
Para enfrentarem a competição externa, na maior parte das
empresas nacionais a preocupação maior é com a liquidez e com
a capacidade de autofinanciamento, às custas da debilidade
tecnológica em relação às transnacionais.
Não obstante o cenário recessivo geral da economia, em alguns
estados do Brasil muitas empresas estão conseguindo manter-se no
mercado através de mudanças técnicas e organizacionais.
Empresas do estado de Santa Catarina, por exemplo, estão
buscando adaptar-se melhor às oscilações do mercado através
de maior flexibilidade do volume de produção e de inovações.
Citemos o DIEESE: "Algumas empresas já estão ligadas por
computador ao comércio, o que resulta em um melhor fluxo de
fornecimento de produtos, evita perdas e desperdícios e reduz a
formação de estoques naquele setor".( :21)
Segundo Miranda, a tônica das empresas nacionais está numa
maior aquisição externa de partes e menores esforços de
engenharia de fábrica. Esta estratégia tende à concretização
de um modelo organizacional de montagem de componentes
importados, no lugar da fabricação doméstica integrada.
(cf.10:123)
A pesquisa citada do IE/UNICAMP afirma, em relação à
indústria eletrônica, que esta passou a sofrer com a
competição externa e viu-se forçada a associar-se com empresas
estrangeiras através de "joint-ventures". A Itautec,
por exemplo, foi levada a racionalizar sua produção
associando-se à IBM, Microsoft, INTEL e Canon. (apud 10:184)
A posição subordinada da economia brasileira no processo de
globalização manifesta-se no "abandono das linhas de maior
nível tecnológico em favor dos produtos mais
padronizados". (apud 10:185)
A reestruturação produtiva internacional do capital no processo
de globalização é necessariamente heterogênea e desigual.
Enquanto a produção nos países imperialistas tende à
flexibilização da base técnica, no Brasil persistem as fases
de padronização baseadas em velhas tecnologias rígidas, mas
necessárias à produção global/mundial. Na divisão
internacional da produção, o Brasil se insere como importador
de partes, peças e componentes para a montagem do produto final.
(cf.10) As fases de pesquisa e desenvolvimento da tecnologia
ficam à cargo das economias industrializadas.
Globalização e o Futuro do Trabalho
O padrão de acumulação do capital internacional até os anos
70 permitia a incorporação da classe operária dos países
dominantes ao mercado consumidor. Com a reestruturação da
economia, as lutas por aumentos salariais passaram a ceder
espaços a concessões de diversos tipos, com objetivo de
manutenção do emprego e do salário.
A microeletrônica revoluciona o sistema produtivo e as
relações de produção, impedindo gradativamente a reprodução
do trabalho assalariado. O mercado de trabalho se reduz e, para
garantir a sobrevivência, nos países dominados, como o Brasil,
o trabalho retoma formas não-capitalistas de produção, com o
crescimento do que se convencionou chamar de "trabalho
informal". No "mercado informal de trabalho"
coexistem trabalho assalariado ilegal, isto é, precário, sem
direitos trabalhistas, e trabalho "independente"
não-assalariado.
De 1985 a 1995, os índices de trabalho assalariado formal/legal
tiveram o seguinte comportamento, tendo o ano de 1985 como base,
de acordo com dados do DIEESE ( ):
Ano 1985 1990 1991 1992 1995
Ïndice 100 121,2 114,9 112 108,8
Observa-se que de 1985 para 1990 há um aumento no emprego com
Carteira de Trabalho assinada mas, a partir de 1991, o índice
tende a cair. Por outro lado, os dados da mesma fonte indicam que
o emprego sem carteira assinada (informal ou ilegal) também
cresce. No mesmo período o crescimento é da ordem de 75,2%.
Em 1995, o trabalho assalariado sem proteção legal é maior do
que o com proteção. Em janeiro de 1996, o trabalho
informal/ilegal ou precário já tinha um índice de 177,
enquanto o trabalho legal/formal tinha índice de 109,4,
considerando-se o ano de 1985 como ano-base.
As Possibilidades contidas nas Contradições
As contradições objetivas do sistema capitalista estão cada
vez mais visíveis. O trabalho morto toma o lugar do trabalho
vivo, aumentando o contingente de desempregados, o que é hoje
discutido como " processo de exclusão social". Esta
contradição entre trabalho vivo e trabalho morto é um problema
para o próprio capital, na medida em que a redução de
salários e a concentração da renda impõem barreiras ao
mercado consumidor, restringindo a possibilidade de realização
da mercadoria. Contudo, já foi dito que o homem não se coloca
problemas que não saiba resolver. A substituição do homem pela
máquina restringe a possibilidade de extração da mais-valia e
de produção de valor, acirrando a contradição entre valor e
valor de uso. O capital cria, portanto, o seu próprio limite.
Objetivamente, considerando-se o estágio de desenvolvimento das
forças produtivas, estão dadas as condições de redução da
jornada de trabalho, de supressão do trabalho assalariado, das
misérias e necessidades. O aproveitamento dos incrementos de
produtividade em prol da maioria torna-se possível.
Com o final das guerras de liberação nacional nos anos 70, e
com a dissolução da URSS, posteriormente, os teóricos e
ativistas de esquerda deixaram o imperialismo enquanto conceito
econômico e sociológico à deriva. Nos anos 90, a vitória
parcial do neoliberalismo faz emergir a discussão sobre a
globalização descontextualizada da problemática das relações
de classe. Hoje o motor da história se apresenta como um
emaranhado de homens, mulheres e crianças numa luta desigual,
sem saberem contra quem, para manterem a sua sobrevivência.
As transformações sociais neste final de século são
complexas. Com o crescente processo de exclusão dos
trabalhadores do mercado de trabalho e do direito à reprodução
de suas vidas em condições compatíveis com o nível de
desenvolvimento das forças produtivas, a luta pela cidadania
ofusca a questão de classe. As classes sociais ainda existem?
A cidadania diz respeito aos direitos e deveres que devem ser
obedecidos para a manutenção da ordem na sociedade. Conforme
afirma Gennari, "direitos de cidadão, são as palavras de
ordem que unem empresários, presidentes, ministros e
representantes de todos os movimentos organizados da sociedade
civil".( :22)
A cidadania engloba numa única categoria indivíduos e grupos
pertencentes a classes sociais distintas e que, portanto, gozam
diferentes condições de vida e de trabalho. Portanto, devido
às transformações ocorridas na estrutura social causadas pela
reestruturação produtiva e seus impactos no mundo do trabalho,
os cientistas sociais precisam atentar para as diferenças de
classe e de interesses nos setores da sociedade afetados por
estas transformações.
Apesar de não se poder negar a importância dos movimentos
sociais dentro do quadro da luta geral dos trabalhadores, não se
deve também perder de vista que a sociedade tem por base
relações sociais mantidas entre capitalistas e trabalhadores,
ambos cidadãos, e que ocupam posições bem definidas de
exploradores e explorados. Os movimentos pela cidadania, ao
enfatizarem a parceria e a solidariedade entre as classes
sociais, dificultam na classe trabalhadora o desenvolvimento da
consciência política. A este respeito vale a pena citar
Gennari:
"Ao aceitar a cidadania como objetivo último de sua ação,
os sindicatos e uma parcela significativa da esquerda brasileira,
mais uma vez, deixam de fortalecer através da solidariedade a
construção da identidade e do projeto das classes trabalhadoras
e colocam em segundo plano o ataque aos mecanismos de
exploração dos quais são vítimas no quotidiano das relações
sociais. Pior, ao enfocar trabalhadores e capitalistas como
simples cidadãos, como vontades e consciências cívicas livres
e iguais perante a lei, contribuem para fazer desaparecer as
marcas da dominação". (16)
A revolução no mundo do trabalho está acompanhada por uma
maior fragmentação da classe trabalhadora, a nível
internacional inclusive, contrariando a formação de um
movimento operário internacional. Mesmo no interior da classe
trabalhadora os diversos segmentos e grupos experimentam
distintas condições de produção e reprodução material de
suas vidas. A unidade de classe fica inclusive prejudicada pelas
diferenças de gênero, de raça, de religião e de ideologia. (
:457)
Com a redução de postos de trabalho no mercado formal, os
trabalhadores competem entre si para a garantia individual de
emprego e renda. No setor privado, trabalhadores e sindicatos
aceitam redução salarial para permanecerem no trabalho.
Contudo, a propalada cooperação entre capital e trabalho
fatalmente tem provocado a desvalorização da força de trabalho
e o desemprego, às custas de maior fragmentação da classe
trabalhadora.
Mesmo nas empresas que têm tido sucesso com o processo de
reestruturação, à exemplo da indústria catarinense, os
sindicatos têm sido mantidos alijados do processo. O DIEESE
afirma: "Não foi detectada nenhuma organização sindical
por local de trabalho onde as mudanças estão ocorrendo. A
ação patronal nitidamente tem sido a de aproveitar o processo
de reestruturação para esvaziar a ação sindical dos
trabalhadores". (15:25)
Inclusive no setor público, a flexibilização das relações de
trabalho tem produzido tensão na relação trabalho-trabalho.
Nas universidades federais, por exemplo, servidores
tecnico-administrativos e professores, desde o início dos anos
90 estão sendo divididos em temporários e permanentes. Os
servidores temporários sofrem condições de trabalho inseguras
e não recebem apoio dos permanentes para iniciarem a luta por
melhores condições de trabalho. ( )
Enquanto os trabalhadores se dividem, o capital aumenta a sua
solidariedade. A burguesia dependente, outrora dita nacional,
está aliada ao capital internacional, na defesa de seu
patrimônio e de seus interesses contra os trabalhadores.
À globalização da economia e à flexibilização do mercado de
trabalho, lideranças sindicais e partidárias têm reagido com
propostas de flexibilização de salários e direitos
trabalhistas, ou seja, com concessões ao capital, na tentativa
da preservação do emprego para os que ainda estão empregados.
O impacto das mudanças no mundo do trabalho tem sido pouco
compreendido e a resistência por parte dos trabalhadores
individuais e organizados é fraca. Parte da explicação se
encontra no fato de que o desemprego e a informalização das
relações de trabalho reduzem as fileiras do movimento sindical,
deixando pouco protegidos os trabalhadores empregados e sem
nenhuma proteção os desempregados. ( ) Parte da explicação
está também nas concessões diferenciadas ao trabalho feitas
individualmente pelas empresas de ponta às diversas categorias,
dificultando a solidariedade entre seus segmentos. (cf.23)
Vários estudiosos (Sader, 1996; Oliveira, 1996;1997) têm
analisado a fragmentação social que ocorre no mundo do trabalho
e que dificulta a organização da resistência por parte da
sociedade e do movimento sindical em particular.
No que diz respeito ao movimento sindical, os dados confirmam que
nos anos 90 as greves são mais curtas e envolvem um número
menor de trabalhadores. Segundo Pastore e Dallari,( :14) de 1989
a 1992, embora o número de desempregados da Grande São Paulo
tenha triplicado, a quantidade de horas paradas em consequencia
de greves reduziu-se em 10%.
De acordo com o DIEESE ( ) em 1995 também reduziu-se o número
de paralizações. As categorias mais mobilizadas foram a dos
servidores públicos. Os professores estaduais de São Paulo
foram os que, com 180.000 grevistas, mobilizaram o maior número
de grevistas do ano. 28% das greves tiveram o pagamento de
salários atrasados como principal reivindicação.
Conforme argumenta Klein, a relativamente pouca mobilização
grevista pós-94 é também explicada pelo fato de, sendo baixos
os índices salariais reivindicados, devido à estabilização
monetária, "é difícil sustentar greves longas já que o
desconto dos salários pelos dias parados acabaria devorando
possíveis ganhos". ( :3)
Parece evidente para muitos críticos que as lutas sindicais e
economicistas hoje estão se mostrando cada vez mais ineficazes (
:21) e que as lideranças têm priorizado a via institucional e
projetos reformistas, deixando em segundo plano a organização
da luta dos trabalhadores.
Não obstante a crise no movimento sindical e popular, ( ) não
se pode ignorar as manifestações de desempregados do campo e da
cidade, dos sem-terra e dos sem-teto, de professores e outras
categorias de funcionários públicos. Estas manifestações,
muitas inclusive espontâneas, poderão, com a ajuda de
lideranças conscientes e determinadas, ser transformadas num
amplo movimento popular que lute por transformações na
sociedade. Assim, a longo prazo, os diversos movimentos sociais,
junto com partidos políticos e sindicatos, num movimento
contraditório, precisam questionar o próprio mercado de
trabalho enquanto momento de compra e venda da força de trabalho
e instituição de alocação e redistribuição de renda. Isto
é necessário porque a força de trabalho e seu dono, o cidadão
trabalhador, somente terá chances de desenvolver-se plenamente
fora da condição de mercadoria.
As lideranças intelectual, sindical e partidária que se
preocupam com o destino dos trabalhadores precisam rever e
elaborar teorias ou paradigmas teóricos capazes de indicar rumos
à sociedade. Se a globalização da economia tem a capacidade de
reduzir custos e aumentar a eficiência da produção a nível
internacional, se a flexibilização, de par com a automação,
consegue reduzir o contingente de trabalhadores necessários
àprodução, será que a contradição entre forças produtivas
e relações sociais de produção não deixa vislumbrar nenhuma
possibilidade de que a maioria da sociedade possa se beneficiar
de todo este processo? Será que o aumento do desemprego, um
problema que atinge todo o mundo capitalista, só pode ser
resolvido com a expansão do mercado de trabalho? Por que lutar
por mercado (de trabalho) em lugar de lutar para acabar com a
exploração do trabalho assalariado? Por que na~o lutar para se
conseguir o desenvolvimento pleno do trabalhador e de sua força
de trabalho fora da condição de mercadoria (fictícia)?
A história de erros cometidos nos países onde se tentou, em
nome dos trabalhadores, construir uma sociedade sem exploração
e opressão, deve ser por nós estudada, para delas tirarmos
lições positivas.
Responder estas indagações é tarefa das lideranças que querem
encontrar soluções para o equacionamento dos problemas sociais
que afligem a sociedade, em particular os trabalhadores, nesta
virada do século.
As soluções, com certeza, serão encontradas, não para os
trabalhadores, mas junto com eles, na árdua tarefa de formação
política, que envolve a luta diária contra a corrente
neoliberal e contra as receitas políticas que desconsideram
situações históricas específicas.
Graziela Oliveira