I CONGRESSO PORTUGUÊS DE SOCIOLOGIA ECONÓMICA

 

Estado e mercado na teoria do desenvolvimento económico. Uma releitura a partir da discussão mais recente



O papel do estado e a sua relação com o mercado constitui um dos temas centrais e controversos em toda a literatura sobre o desenvolvimento económico. Por razões de ordem metodológica considerarei três momentos essenciais na literatura: o período que vai do pós-guerra aos anos 60, período de construção da Economia do Desenvolvimento e de afirmação do pensamento estruturalista; os anos 70 e 80, marcados por duas vagas de ataque neoclássico - (Shapiro e Taylor 1990; Taylor 1993), que revelam o ascendente da abordagem neoclássica do desenvolvimento económico; os anos 90, em que diferentes reconsiderações acerca do papel do estado permitem evidenciar alguns sinais de convergência mas, sobretudo, uma reinterpretação da ideia da intervenção do estado no processo de desenvolvimento.
Desde os anos 40, a literatura económica sobre o desenvolvimento foi marcada pela crítica ao mecanismo neoclássico dos preços (que vinha dos anos 30) e pela revolução keynesiana pelo que a perspectiva da corrente principal (estruturalista) sobre a governação económica se construiu à volta do problema dos fracassos de mercado e do modo como a intervenção do estado permite ultrapassar as distorções e os bloqueamentos que tais fracassos originam. Instrumentos analíticos mais recentes, tais como o modelo ínput-output e a análise custo-benefício permitiram desenvolver a análise estrutural e integrar a viabilidade da planificação dos investimentos públicos. Criou-se, assim, entre os economistas do desenvolvimento, um consenso intelectual sobre o poder da mão visível do estado na promoção e na regulação do processo de desenvolvimento.
A crítica ao activismo estatal, iniciada nos anos 70 e desenvolvida nos anos 80, esteve desde logo, associada ao ressurgimento do pensamento neoclássico e à sua participação no debate sobre as questões do desenvolvimento. Começa por ser uma crítica à ineficiência da intervenção do estado, com incidência especial no proteccionismo e na industrialização por substituição de importações, destacando-se os trabalhos de Little, Balassa e Krueger. Estes autores estavam, sobretudo, influenciados pelo sucesso das economias orientadas para a exportação. como as da Coreia do Sul ou Taiwan, então considerados como exemplos de estados não-intervencionistas. O rápido crescimento dessas economias poderia fornecer urna validação empírica para a ideia de que os ganhos de comércio obtidos através do comércio livre constituem factores dinâmicos do crescimento e do desenvolvimento. Contrariamente, o insucesso dos países que tinham optado por estratégias de substituição de importações revelava todo o fracasso das políticas intervencionistas.
Nos anos 80, esta crítica à ineficiência da acção do estado acaba por se transformar numa posição verdadeiramente anti-intervencionista. A hipótese da imperfeição dos mercados assumida pelos economistas do desenvolvimento deu, então, lugar à assunção da imperfeição do estado como elemento central da análise. Por exemplo, Deepak Lal (1983) faz uma crítica violenta ao que chama de "dogma dirigista" dos economistas do desenvolvimento; Anne Krueger (1974, 1984, 1990) analisa as consequências negativas que a intervenção do estado tem para o funcionamento dos mercados, salientando o comportamento de "procura de renda" (rent-seeking), a dinâmica dos grupos de pressão e a burocratização crescente; Jagdish Baghwati (1982) desenvolve o conceito de "actividades directamente improdutivas de procura de lucro" (directly unproductive profit-seeking activities - DUP), procurando explicar como o activismo estatal gera um processo cumulativo de ineficiências que retardam o desenvolvimento económico; James Buchanan (1980) e a escola da escolha pública elevam a procura de renda induzida pelo intervencionismo do estado a um terrível mal social (Tavlor, 1993).
A nova Economia Política Neoclássica trouxe uma contribuição importante para a análise do papel do estado através do conceito de fracasso do estado. No entanto, a tendência para considerar que os fracassos do estado são comuns enquanto que os fracassos do mercado são raros e excepcionais teve dupla consequência: a) transformar a intervenção do estado na causa principal da ineficiência e do atraso no desenvolvimento económico; b) fazer do objectivo dos "preços correctos" o aspecto central das propostas de políticas de desenvolvimento. Para Shapiro e Taylor (1990), esta abordagem dos mercados é "míope", já que não vê os mercados concretos e acaba por substitui-los pela "reificação do mercado neoclássico" abstracto.
Os anos 90 têm revelado um conjunto de reconsiderações acerca do papel do estado na economia. O objectivo principal da comunicação é fazer uma leitura dessas reconsiderações, em particular os trabalhos do Banco Mundial, as discussões sobre o activismo estatal nas economias asiáticas e as análises neo-estruturalistas, procurando observar as eventuais convergências e, sobretudo, tipificar a reinterpretação do papel do estado no processo de desenvolvimento económico.

João Estêvão

 

  Voltar ao topo