I CONGRESSO PORTUGUÊS DE SOCIOLOGIA ECONÓMICA

 

DESEMPREGO PERSISTENTE E DUALIZAÇÃO SOCIAL: CONTRIBUIÇÃO PARA A DEFINIÇÃO DUM CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO SOCIALMENTE SUSTENTÁVEL


1 - INTRODUÇÃO

O prémio Nobel de economia Maurice Allais afirmou, em Março de 1996, no Fórum de Epinal sobre o emprego, que era este, precisamente, o seu combate principal, pois os elevados níveis de desemprego ameaçariam a nossa sociedade liberal e humanista com a desagregação do tecido social (Allais, 1996, p 14). Ao afirmá-lo reconhecia que o desemprego não constitui apenas um desperdício de recursos, uma das principais fontes dos défices dos sistemas de protecção social ou ainda um elemento depressivo da procura global, representa também uma brecha no cimento social

No seio desta sociedade os indivíduos exprimem um desejo constante de enriquecimento material, o que se compreende pois à medida que vão satisfazendo as suas necessidades vão também descobrindo outras por satisfazer, porventura nem sequer imaginadas anteriormente. Como dizia G. Bachelard, o Homem é uma criatura do desejo e não uma criatura da necessidade (citado em Braudel, 1992, p 156). Este desejo de acumulação de riqueza, com o propósito de, entre outras finalidades, a trocar por bens e serviços, beneficia, aliás, de particular destaque no seio do paradigma de desenvolvimento dominante, que assenta, precisamente, no crescimento económico e na mercantilização da economia.

Por um lado, é ainda através do trabalho que a maioria desses indivíduos obtém os rendimentos que a satisfação das suas infinitas necessidades requer, o mesmo é dizer que fazer parte da sociedade - da sociedade de consumo sublinhe-se - enquanto consumidor, exige um emprego ou qualquer outra forma de actividade económica. Por outro lado, a lógica da economia, que sacraliza a remuneração de uma pena ou de uma acção positiva e a obrigação de pagar por um prazer ou por uma acção negativa, não deixaria de atribuir ao trabalho um papel decisivo no seu código moral. Não existem almoços gratuitos como gostam de repetir os anglo-saxões.

B.Perret sublinha que qualquer encarregado de educação a quem uma criança pede uma mesada sabe instintivamente que é perigoso dissociar o dinheiro do trabalho (Perret, 1995, p 106). Esta atitude faz parte dos valores que é suposto transmitirmos de geração em geração, o que leva F. Zellner a interrogar-se sobre os valores que os pais transmitem aos seus filhos quando passam temporadas, mais ou menos longas, de inactividade, sobrevivendo à custa de todo o tipo de subsídios. Mesmo nas sociedades ditas primitivas, a ausência de trocas mercantis (ou no mínimo o seu carácter secundário) não implica a obtenção do necessário sem a reclamação de uma qualquer contrapartida.

Na nossa sociedade a contrapartida que a moral económica exige dos indivíduos para a satisfação das suas necessidades é o fornecimento de uma determinada quantidade de trabalho ou de actividade socialmente útil, excepto nos casos de incapacidade motivada por manifesto infortúnio. A moral económica assenta assim na obrigação de trabalhar. Ora, por definição, o acesso a um regime obrigatório não pode ser vedado a quem manifeste claramente a intenção de a ele aderir, do mesmo modo, diria, que não se pode negar um seguro obrigatório a ninguém, como é o caso do seguro de responsabilidade civil do ramo automóvel, ou impedir a inscrição de um aluno em idade de escolaridade obrigatória.

É também esta a ideia de H. Hude (1994) quando enuncia que a sociedade livre, estaria assente num pacto social cuja componente económica exige a realização de três condições, o direito de viver (ou seja de ter acesso aos bens necessários), o dever de trabalhar (sob pena de ser socialmente irresponsável) e o direito de ganhar a vida (o direito de trabalhar). Para ele o combate ao desemprego assume desde logo um carácter prioritário, porque se trata de preservar a sociedade livre, e acrescenta que se for impossível respeitar este direito ao trabalho no quadro dum dado sistema de regras económicas, então torna-se necessário enriquecer este sistema e modificar as suas regras.

O trabalho é, ainda, um dos mais importantes vectores de aprendizagem e de interiorização dos códigos sociais, como o respeito pelos contratos e pelos horários ou o sentido da propriedade (Perret, 1995, p 108). O trabalho seria, assim, um possante instrumento de socialização do indivíduo sem a qual a economia, e particularmente a economia de mercado, não poderia funcionar. B. Bürgenmeier (1994) acredita neste papel de cimento social atribuído ao trabalho mas autores como D. Méda (1995) ou A. Gorz (1993) acham, no entanto, que este protagonismo do trabalho está sobrevalorizado.

Contudo, o inverso, ou seja a dessocialização, revela-se, em certos casos concretos, impeditiva da inserção no mercado de trabalho. Com efeito, técnicos ligados ao emprego e à segurança social afirmaram em várias ocasiões (Branco, Covas, 1997) que uma das causas de não inserção na vida activa é, justamente, o não respeito pelos contratos ou pelos horários de trabalho por parte de uma franja importante dos desempregados de longa duração do Alentejo. Esta constatação, inspirada na observação quotidiana, não permite provar que os referidos códigos sociais sejam apenas transmitidos pelo trabalho regular, mas parece indicar, no entanto, que o afastamento regular da prática do trabalho contribui pelo menos para o seu abandono.

Assim, poder-se-ia legitimamente pensar que, para a economia, o fornecimento de emprego a todos aqueles que o desejem e que estejam em condições de trabalhar seria assumido, simultaneamente, como um dever e como uma necessidade. Contudo, de acordo com a sua lógica, a economia não tem como objectivo a criação de empregos, mas sim a mais eficaz afectação possível dos factores de produção, isto é criar um máximo de riqueza com um mínimo de recursos. Ora, um desses recursos é, precisamente, o trabalho, ou melhor dizendo o recurso humano (Gorz, 1993a, p 85). Ao considerar o ser humano como um recurso entre outros, é natural que a economia pretenda poupá-lo, o que significa tão somente utilizá-lo o menos possível.

No quadro do paradigma de desenvolvimento dominante, é esta a noção de eficácia do sistema, que se traduz em termos concretos pelo aumento da produtividade dos factores. Os automóveis gastam menos gasolina, os electrodomésticos gastam menos electricidade, as comunicações gastam menos tempo e a actividade económica gasta menos pessoas. Assim se entende o sentido geral do progresso.

Do ponto de vista individual, a busca incessante de enriquecimento exige também o aumento da produtividade do trabalho, pelo menos se não se tiver em consideração uma qualquer redistribuição do rendimento e do património. Este aumento da produtividade do trabalho, por seu turno, não poderá ser prosseguido sem um certo grau de substituição do trabalho pelo capital, ou seja sem uma perda de empregos. No longo prazo, no entanto, o crescimento do rendimento induzido pelo aumento da produtividade é suposto conduzir a um incremento da procura que por sua vez suscitaria uma expansão da produção ou o aparecimento de outras actividades, que, juntos, se encarregariam de absorver os empregos perdidos numa primeira fase. Esta é a profissão de fé do paradigma de desenvolvimento dominante. O nível do emprego dependeria, então, do nível do crescimento económico, e durante largo tempo a componente económica do pacto social enunciado por H. Hude foi respeitada graças ao ritmo elevado, e constante, do crescimento económico.

Mas que acontece quando este já não gera emprego ou pior quando cria desempregados. Dudley Seers num artigo famoso já afirmava "As questões a pôr sobre o desenvolvimento de um país são então as seguintes: qual tem sido a evolução 1) da pobreza, 2) do desemprego, 3) das desigualdades de rendimento" (Seers, 1979, p 952). Assim, não poderíamos chamar desenvolvimento a um crescimento económico que não contribuísse para a resolução destes problemas e muito menos que fosse acompanhado de uma sua degradação. A economia, com efeito, não é a-social e os códigos sociais de que se falou são tão importantes para o funcionamento da sociedade como para o da economia. O desemprego actual evidenciaria, então, com uma agudez inédita, o conflito latente entre a eficácia económica e o direito ao trabalho.

O desemprego, mais do que um prejuízo, constitui, assim, uma aberração, quiçá uma contradição, do sistema económico, dado que a busca da eficácia pura poderá estar a corroer as fundações sobre as quais a economia se apoia. O combate ao desemprego é, por isso, um combate pela sobrevivência do sistema económico. Assim se compreendem as palavras de Maurice Allais transcritas no início deste trabalho. No entanto, e é esta a questão que será colocada insistentemente nas páginas seguintes, até que ponto os remédios encontrados até agora para lutar contra o desemprego não estarão a provocar estragos no tecido social tão importantes como aqueles que têm por origem o próprio desemprego? O mesmo será dizer que o problema não reside tanto nos instrumentos de luta contra o desemprego mas na definição do desemprego, ou melhor da taxa de desemprego, como alvo desta luta. Assim, a resolução do problema passaria pela troca de alvo e não pela constante busca de novas armas.


2 - DO DESEMPREGO, DAS POLÍTICAS DE EMPREGO E DAS SUAS CONSEQUÊNCIAS

Voluntariamente, não se pretende, aqui, nem aprofundar a questão da origem e da persistência dos elevados níveis de desemprego, nem descrever de modo exaustivo todas as políticas postas em prática para tentar reduzir o desemprego. Contentar-nos-emos com os argumentos mais habituais, tentando, na medida do possível, não emitir qualquer julgamento sobre os seus poderes explicativo e curativo.

Apesar da heterogeneidade das contribuições e aceitando correr o risco de uma simplificação excessiva, podem-se classificar as explicações do desemprego em dois grandes grupos. O primeiro reúne aqueles que atribuem a origem do desemprego ao funcionamento imperfeito do mercado de trabalho, optando então por uma abordagem essencialmente micro-económica e o segundo aqueles que estabelecem uma ligação decisiva entre o desemprego e variáveis como o ritmo do crescimento económico ou a taxa de câmbio, optando por seu turno por uma abordagem macro-económica.

Esta compartimentação não obriga, no entanto, a que estas abordagens se excluam mutuamente. É perfeitamente possível, tal como o demonstra o Livro Branco sobre o Crescimento, a Competitividade e o Emprego (Comissão Europeia, 1994), recorrer a ambas as abordagens para tentar compreender o desemprego e sobre ele actuar. Por comodidade apenas, as duas abordagens serão analisadas separadamente.

No quadro da abordagem do desemprego pelo mercado de trabalho, as diversas argumentações insistem quase sempre sobre os obstáculos colocados ao restabelecimento do equilíbrio através da flexibilidade do preço do trabalho. Fenómenos, tais como a existência de subsídios de desemprego (ou melhor a elevada relação entre estes subsídios e o último salário auferido), os efeitos insider/outsider, o mismatch entre a oferta e a procura de emprego e uma regulamentação excessiva, seriam responsáveis do pouco afinco dos empregadores em procurar empregar e dos desempregados em procurar empregar-se.

Grosso modo, as políticas propostas para, no quadro desta abordagem, combater o desemprego, dizem respeito a acções no âmbito da formação profissional, suposta contrariar a desvalorização dos desempregados após longos períodos sem emprego e reduzir as possibilidades de mismatch, a reduções nos subsídios de desemprego (não tanto no seu montante mas sobretudo no tempo durante o qual poderão ser recebidos) e à desregulamentação do mercado de trabalho. Sobre esta abordagem existe uma abundante literatura destacando-se aqui as obras de S. Smith (1994), V. Symes (1995) e H. Zajdela (1994) pelo panorâmica que oferecem do conjunto dos trabalhos.

A abordagem macro-económica por seu turno explica o desemprego pelas políticas deflacionistas levadas a cabo desde os anos setenta e particularmente pela sua persistência apesar da constatação actual de taxas de inflação historicamente baixas, o que leva J. P. Fitoussi (1996, p 89) a afirmar que qual Dom Quixote estaríamos a mobilizar as nossas energias, isto é a política económica, contra um inimigo imaginário. O essencial das políticas de combate ao desemprego reside, segundo esta abordagem, na activação dos instrumentos de política económica no sentido de aumentar o crescimento do Produto.

Alguns dos seguidores desta abordagem argumentam que as taxas de crescimento actuais são demasiado baixas para criar emprego e até para travar o aumento do número de desempregados (Fitoussi, 1996, p 94), outros que seria necessário enriquecer o conteúdo em empregos do crescimento, já que não se espera uma aceleração do crescimento a breve prazo (Germain, 1996). Este último argumento não repousa inteiramente sobre o crescimento, recupera aliás alguns elementos da visão anterior, mas não deixa de considerar o crescimento como a variável fundamental no processo de combate ao desemprego.

Basear a criação de emprego num maior crescimento económico pode, no entanto, revelar-se contraproducente pois o crescimento está fortemente determinado pelo investimento, que por sua vez se relaciona intimamente com o progresso técnico. Ora, este último implica geralmente uma poupança do factor trabalho no processo de produção, o que significa a criação de desemprego.

Deveremos nós, por isso, renunciar ao progresso técnico? Segundo J. Ellul a técnica constitui o meio indiscutível da modernidade como a floresta o foi para o homem do neolítico, renunciar à técnica seria, então, equivalente, para o homem primitivo, a deitar fogo à floresta (citado em Latouche, 1995, p 215). O progresso técnico resulta da inteligência e da criatividade humanas em permanente busca de aperfeiçoamento, pô-lo em causa consistiria em recusar a própria ideia de desenvolvimento. Sismondi nos seus Princípios de Economia Política dizia que "Toda a invenção nas artes que tenha multiplicado a capacidade de trabalho do homem desde o arado à máquina a vapor é útil (…) não é culpa do progresso da ciência mecânica, mas da ordem social, se o trabalhador que adquire a capacidade de produzir em duas horas o que lhe levaria antes doze, não se encontra mais rico" (citado em Denis, 1976).

Por analogia diríamos, hoje, que não é da culpa do progresso técnico se ele cria mais desempregados, mas sim do modo de desenvolvimento. A isto poder-se-ía retorquir que o progresso técnico consubstanciado na máquina é indissociável do sistema económico e social hoje dominante, no entanto, P. Dockès e B. Rosier (1988) sustentam que a máquina, nos primórdios da revolução industrial, não pressupunha obrigatoriamente a grande fábrica e logo o capitalismo. Outra formas de organização do trabalho teriam sido tentadas e o seu progressivo desaparecimento dever-se-ia mais a uma relação de forças desfavorável do que a uma menor eficácia produtiva. Teoricamente, é ,então, possível admitir a existência de progresso técnico sem que este seja acompanhado de uma tão marcada tendência para a substituição do trabalho por capital.

É difícil comparar a eficácia dos dois tipos de política já que no essencial a abordagem micro-económica dominou as intervenções no domínio da criação de emprego em quase todos os países da Europa e da América do Norte, nos últimos anos. As diferenças incidem sobretudo no grau de flexibilidade que se tem introduzido no mercado de trabalho ou nas cedências feitas pelo Estado Providência no tratamento dos desempregados. Assim, as políticas em favor de uma maior flexibilidade do mercado de trabalho e de uma menor protecção social são as que terão tido maior sucesso na criação de empregos. Assim, no período entre 1970 e 1992 o crescimento total em termos de produção e de emprego foi, por exemplo, para a França, respectivamente de 77% e de 6% enquanto que nos Estados Unidos foi de 70% e de 49% (Comissão Europeia, 1994, p 149).

Este diferencial tem estado na origem de muitas conclusões sobre a superioridade do modelo mais liberal, porventura um pouco precipitadas, pois a comparabilidade dos dados americanos com os europeus deve ser encarada com alguma prudência. Contudo, quando se pretende reflectir sobre a relação entre o emprego e o desenvolvimento, mais do que debater o nível da taxa de desemprego, independentemente do modo como ela é calculada, importa discutir sobretudo os efeitos que as políticas de combate ao desemprego têm sobre alguns dos pilares do modelo de desenvolvimento. Já se disse que a existência de desemprego abre uma brecha importante nas fundações desse modelo, resta saber se a resolução, ou a mitigação, deste problema, não abre outras.

Assim, os melhores resultados obtidos pelos Estados Unidos no combate ao desemprego, foram acompanhados por uma degradação do nível de vida de uma parte cada vez mais importante da população e por um aumento da desigualdade na distribuição do Rendimento Nacional. Com efeito, o salário médio americano terá caído até ao seu nível dos anos cinquenta (Fitoussi, 1996, p 88) e o rendimento dos 20% dos americanos mais pobres, segundo o US News and World Report desceu aproximadamente em 19% entre1978 e 1993 enquanto que o rendimento dos 20% mais ricos subiu em 18% (citado em Julien, 1995). Pobreza e desigualdade seriam então o reverso da medalha do sucesso da luta contra o desemprego.

A desigualdade, enquanto princípio, não pode ser considerada obrigatoriamente um malefício. Para muitos, como Adam Smith, constitui até um estímulo ao esforço individual ou ainda um meio de gerar poupança (Hunt, 1989), ambos contribuindo de modo decisivo para o processo de desenvolvimento. Por outro lado, a desigualdade por si só não informa sobre a evolução do nível e da qualidade de vida da população que aufere os mais baixos rendimentos. Um aumento da desigualdade é perfeitamente compatível com uma melhoria do nível e da qualidade de vida desta população. A desigualdade é mais dificilmente justificável quando, pelo contrário, se faz acompanhar dum aumento da pobreza. Um dos princípios da justiça em Rawls sustenta, justamente, que as desigualdades sociais e económicas são aceitáveis apenas se contribuirem para para a melhoria do destino de todos (Combee, Norton, 1991).

É certo que a desigualdade económica não pode ser reduzida à simples distribuição dos rendimentos e que a situação perante o emprego constitui também uma importante desigualdade, como sublinha A. Sen (1997). Poderíamos então dizer que nos Estados Unidos, a desigualdade económica, consubstanciada pela desigual distribuição dos rendimentos, seria compensada pela mais forte criação de emprego. Parece, no entanto, muito constrangedor aceitar, não só que uma desigualdade se possa tratar à custa da instauração de outra desigualdade, como também que se deva obrigatoriamente operar uma escolha entre elas. Pode-se suportar uma melhor que a outra, tanto do ponto de vista individual como do ponto de vista colectivo, o que em economia constitui uma informação preciosa pois pode-se traduzir numa preferência, mas que, em termos da construção do que alguns chamariam uma sociedade mais justa, pouco ou nada vem acrescentar.

Mais inquietante é o aumento da pobreza, e não apenas nos grupos tradicionalmente mais afectados, como os desempregados ou os idosos, mas também, e sobretudo, no seio da população empregada. No caso dos Estados Unidos a proporção da população a trabalhar a tempo inteiro que vive abaixo do limiar da pobreza passou de 12% para 18% entre 1979 e 1990 (Krugman, P, 1994). Este fenómeno dos trabalhadores pobres torna-se ainda mais agudo se incluírmos muitos daqueles que apenas trabalham a tempo parcial, apesar de procurarem um emprego a tempo inteiro. Estar-se-ía, assim, perante uma crescente dualização do mercado de trabalho, e consequentemente da própria sociedade, em que o topo da escala seria constituído por um número mais ou menos importante de trabalhadores qualificados, bem remunerados e beneficiando duma relativa segurança no emprego e, no extremo oposto, um número crescente de trabalhadores pouco, ou nada, qualificados, progressivamente pior remunerados, e tendo apenas acesso, entre duas estadias no desemprego, a empregos cada vez mais precários. O Livro Branco sobre o Crescimento, a Competitividade e o Emprego, atribui, aliás, a responsabilidade deste dualismo à introdução de maior flexibilidade em certos mercados de trabalho (Comissão Europeia, 1994, p153).

Qual a resposta da outra interpretação do problema do desemprego? O progresso técnico associado ao crescimento económico, pode estar, como já foi dito, na origem de certas destruições de emprego. Este fenómeno está, aliás, historicamente comprovado, o desenvolvimento da agricultura, por exemplo, foi acompanhado duma diminuição da população que nela trabalhava, de modo a que o excedente de mão de obra pudesse ser transferido para outros sectores. Num primeiro momento criam-se efectivamente desempregados, mas este facto, só por si, não basta para classificar o processo como, negativo. Esta redução dos efectivos empregados constitui, aliás, um momento fundamental do processo de desenvolvimento (Clark, 1988) que, hoje em dia, nenhum economista põe em causa. A questões que, devem, então, ser colocadas são, em primeiro lugar, para que actividades serão transferidos os empregos perdidos no sector secundário e, sobretudo, no sector terciário, em virtude do progresso técnico, mais concretamente em consequência da chamada revolução informacional, e em segundo lugar quanto tempo demorará esta transferência.

Alguns, como D. Apter (1988), vêm neste processo o advento do homem supérfluo ou, numa versão mais optimista, mas no limite da utopia, a chegada da era do lazer, outros acreditam que novos empregos surgirão, embora manifestem algumas dúvidas sobre a capacidade que estes empregos irão revelar de substituir plenamente aqueles que entretanto forem perdidos. B. Perret pertence a este último grupo e é de opinião que a revolução informacional não será mais destruidora de empregos que as precedentes revoluções tecnológicas (Perret 1995, p 114). Sublinha, no entanto, que se nesta revolução o trabalho, em média, tornar-se-á mais qualificado, uma parte importante, talvez até crescente, de empregos será dedicada a tarefas relativamente ingratas e pouco qualificadas, incorporando pouco ou nenhum progresso técnico. Este tipo de empregos beneficiaria, contudo, duma grande capacidade de resistência, pois, em virtude do fraco progresso técnico estariam submetidos a uma menor substituição de trabalho por capital, e, dificilmente deslocalizáveis, estariam protegidos da concorrência internacional.

Mas de que tarefas se tratam? O próprio B. Perret (1995, p 113) adianta algumas hipóteses, "tarefas de manutenção e de limpeza, substituir um vidro partido, limpar os escritórios durante a noite, ajudar a lavar os idosos impotentes, passar a ferro os colarinhos das camisas, mudar os lençois nos quartos de hotel, retirar os graffitis dos muros, libertar os passeios das dejecções caninas, limpar as praias poluídas". Dada a natureza destas tarefas, por vezes intituladas novas jazidas de emprego, é legítimo interrogar-se sobre a coerência desta tendência com o lugar que o paradigma de desenvolvimento geralmente atribui à qualificação dos recursos humanos.

A este propósito F. Perroux afirmava que o desenvolvimento, na ordem económica, podia ser apreendido em três níveis, o último dos quais estipulava que "os recursos humanos, sob todas as suas formas, têm sérias hipóteses de melhorar em eficácia e em qualidade no seio de estruturações evolutivas.O aparelho económico e social tornando-se mais possante e mais complexo fornece produtos económicos e intelectuais em maior número e mais requintados. Para os obter são necessários agentes mais capazes e mais competentes. Por outro lado os utentes e os clientes mostram-se mais exigentes em relação ao volume e à qualidade. Segue-se um arrastamento do homem pelo aparelho e do aparelho pelo homem num processo cumulativo" (Perroux, 1981, p51). Tudo leva a crer, porém, que o requinte alcançado pela sociedade informacional apenas dirá respeito a uma parte da população, sendo a outra remetida para o que Perret chama de zonas de sombra dos sistemas mais competitivos. O próprio Perroux sublinha que, no processo de arrastamento, se trata apenas de uma hipótese, pois é possível que o referido processo se concentre, se condense e se feche sobre uma parte apenas da população (Perroux, 1981, p 51).

Por outro lado, em virtude da fraca produtividade que se pode esperar duma actividade que pouco ou nada beneficia do progresso técnico, intui-se que as remunerações ligadas a estas actividades não poderão acompanhar o ritmo de crescimento das remunerações ligadas aos sectores mais competitivos, o que contribuiria para acentuar a desigualdade na distribuição dos rendimentos. Este hiato é, aliás, necessário à sobrevivência destes empregos de serviços pois se uma hora da maioria destes trabalhos pouco qualificados - e logo ao alcance de qualquer um - fosse pago ao mesmo preço do que um trabalho qualificado não haveria qualquer razão para que fizesse a sua entrada na esfera mercantil. É neste sentido que A. Gorz (1993) fala dos novos criados da sociedade salarial. Para evitar o aumento das desigualdades poderíamos ser tentados a indexar as remunerações destas actividades ao crescimento dos rendimentos nos sectores competitivos, mas isso teria como consequência a criação de um hiato entre o crescimento da produtividade global e a evolução geral dos rendimentos, responsável de tensões inflacionistas como sublinha J. Gautié (1993, p 189).

O resultado lógico deste processo é a dualização do mercado de trabalho e da sociedade, que também era o corolário da introdução de maior flexibilidade no mercado de trabalho. Um outro espectro paira, ainda, sobre as sociedades desenvolvidas, o do desperdício de recursos humanos qualificados e a consequente frustração de projectos individuais e colectivos. Com efeito, o sistema educativo deverá continuar, certamente, a entregar ao mercado de trabalho indivíduos cada vez mais qualificados que, em virtude duma exacerbação do desencontro entre a oferta e a procura no mercado de trabalho, serão obrigados a permanecer desempregados ou aceitar tarefas para as quais serão manifestamente sobrequalificados. Este desperdício e esta frustração contribuirão sem dúvida para acelerar o processo de corrosão do edifício social que o desemprego se encarregara de iniciar (ver reportagem de Catarina Féria no Público de 16 de Fevereiro de 1998).


3 - UMA REFLEXÃO SOBRE O PARADIGMA

A primeira reflexão sugerida pela dificuldade que a economia parece evidenciar em criar emprego sem gerar em contrapartida uma dualização da sociedade, poderá incidir sobre o próprio paradigma. Com efeito, é admissível que o referido dilema, que obriga a escolher entre o emprego e a dualização da sociedade, decorra, não de uma agressão ao sistema, mas do seu próprio aperfeiçoamento, colocando desde logo a questão do possível esgotamento, ou insustentabilidade, do modelo de desenvolvimento, assente ,como já se defendeu, no pacto social enunciado por H. Hude.

A crítica ecológica foi das primeiras a colocar claramente a questão da insustentabilidade do modelo de desenvolvimento. Assim, os ritmos do consumo de recursos naturais não renováveis e da produção de resíduos não assimiláveis pelo meio ambiente provavam a existência, não só de limites à universalização deste modelo, mas também de horizontes nítidos à sua durabilidade. Esta constatação provocou várias reacções cujos extremos pessimista e optimista, defendiam, para o primeiro, que se deveria travar o crescimento e logo pôr em causa o processo global de desenvolvimento, e, para o segundo, que era necessário ter confiança no sistema pois, como sempre, a seu tempo, seria encontrada uma solução. A ideia de desenvolvimento sustentável nasceu, assim, duma espécie de compromisso, teórico e político, que defendia ser possível continuar o processo de desenvolvimento, e logo o crescimento, adoptando em contrapartida medidas de protecção ambiental que se assumiam, apesar de tudo, como uma clara restrição ao modelo de desenvovlimento tradicional. Com a progressiva tomada de consciência da ameaça à sobrevivência da sociedade, mais do que à da espécie humana, esta restrição, ou conjunto de restrições, deixou de ser entendida apenas como tal e entrou de corpo inteiro para o seio do paradigma, mesmo se, na prática, a maioria dos agentes económicos ainda não a tenham incorporado no seu comportamento.

Assim, se os ecologistas alertam para o esgotamento do modelo de desenvolvimento quando invocam a depauperação dos recursos naturais e a irreversibilidade de certos prejuízos causados ao meio ambiente, o dualismo social, que promovem, tanto o desemprego estrutural como as principais tentativas ensaiadas para o resolver, faz o mesmo, alertando para a fragilização do pacto social e para a desagregação social. Por seu turno, existência de desemprego põe claramente em causa duas das condições do pacto social, como são a obrigação de trabalhar e o direito ao trabalho.

Alguns admitem que o alargamento do conceito de trabalho ao de actividade socialmente útil, o mesmo é dizer que trabalhar não significaria apenas a ocupação dum emprego remunerado, constitui, simultâneamente, uma solução ao problema do desemprego e um novo tipo de relação económica. A economia não mercantil, assente sobretudo no voluntariado, que ocupa já hoje muita gente, teria, assim, uma grande margem de progressão, autorizando, então, algum optimismo quanto à sua capacidade de absorver desempregados. Esta recuperação da esfera não mercantil no seio duma economia cada vez mais mercantil nos seus segmentos mais dinâmicos não constitui, no entanto, nenhuma inovação, significa sobretudo a possibilidade para a economia de vir a beneficiar de serviços gratuitos, o que constitui, isso sim, um aprofundamento da lógica tradicional, isto é a busca da produção dum máximo de riqueza com um mínimo de custos.

O aumento da pobreza relativa e absoluta que subjaz ao dualismo social, põe em causa outra condição do pacto social, o direito de viver, isto é o acesso aos bens necessários. J. P. Fitoussi afirmou em Lisboa no Seminário sobre a Europa Social que decorreu em Maio de 1997 que, a manter-se o actual esquema de evolução da economia, a Europa só poderia continuar a enriquecer se uma parte não negligenciável da sua população consentisse em continuar a empobrecer. Ora uma sociedade democrática não tardará, certamente, em recusar um modelo de desenvolvimento que se apresente com este rosto.

Na sombra deste debate esconde-se provavelmente a questão, mais profunda, da finalidade do acto económico em geral, e do desenvolvimento económico em particular, assim como do papel que o homem deve desempenhar nesse processo. Para R. Passet a economia teria, justamente, evacuado do seu domínio o problema do seu fim (1979, p 229) o que a teria levado a confundir os meios e os fins. Os meios, o mercado, o crescimento, teriam, então, paulatinamente ascendido ao estatuto de finalidades. O objectivo de melhoria da qualidade de vida das populações, por intermédio do crescimento económico, que é suposto colocar à disposição dos indivíduos uma maior quantidade e uma maior diversidade de bens e serviços, seria abandonado em prol de objectivos como determinada taxa de crescimento ou determinado grau de liberdade das forças do mercado, independentemente da qualidade de vida das pessoas, considerada como um resultado entre outros.

Não se trata, contudo, de suprimir o crescimento económico, ou de reprimir a liberdade do mercado, mas tão só de estipular para que servem, a quem devem servir e em que condições devem ter lugar. O paradigma dificilmente responde a estas questões. É que confundindo os meios e os fins, a economia, aqui a economia de mercado, ganha autonomia em relação à sociedade e acaba por lhe submeter os seus objectivos próprios. Já não compete, portanto, à economia de mercado servir os interesses da sociedade, mas sim o inverso. É esse o entendimento de K. Polanyi (1983, p 88) quando afirma que "uma vez que a economia se organiza em instituições separadas, fundadas em móbeis determinados e conferindo um estatuto especial, a sociedade deve tomar uma forma tal que permita a este sistema funcionar segundo as suas próprias leis". Neste processo o desenvolvimento perde o seu sentido, a sua razão de ser, pois, como diria Sismondi, de novo, "uma ciência que diz respeito somente aos meios para aumentar a riqueza sem estudar o propósito de tal riqueza é uma ciência falsa" (Denis, 1976).

A ideia de desenvolvimento sustentável pretende, pelo contrário, impor ao sistema económico e ao desenvolvimento as leis da vida, contrariando a visão habitual de que existe obrigatoriamente um preço elevado a pagar pelo progresso e cuja determinação escaparia à vontade humana. Uma vez mais, não se trata, de obrigar ao abandono da lógica da economia, mas de delimitar a esfera de acção das suas leis e das suas instituições. Esta delimitação, por outro lado, apoiar-se-ia numa escolha de sociedade, numa escolha política, afinal, não querendo com isso dizer que deva obrigatoriamente ser sufragada em processos de consulta popular.

A dualização da sociedade, que o desemprego e o seu tratamento promovem, levanta uma questão semelhante. Admitindo que assim é, dever-se-á, então, delimitar a esfera de acção das leis e das instituições económicas no seu tratamento do recurso humano, tal como o desenvolvimento sustentável o faz no que concerne ao seu tratamento do recurso natural e construir, assim, um conceito de desenvolvimento socialmente sustentável, no qual a lógica económica pode, e deve, ser a expressão do primado da escolha de sociedade, isto é do primado da política. Seria talvez um pouco prematuro descortinar no recente movimento social dos desempregados franceses e alemães, assim como no apoio que parecem encontrar junto da maioria da população, os sinais da legitimação política de uma restrição social ao modelo de desenvolvimento, mas não deixa de ser mais um testemunho de uma interrogação profunda sobre o papel da economia, que já transparecia no sucesso editorial de V. Forrester (1996), o ensaio com o título ilustrativo de "O Horror Económico". G. Sorman (1987) defendeu que o sub-desenvolvimento se caracterizava sobretudo pela prioridade dada ao político em relação ao económico, um conceito de desenvolvimento socialmente sustentável, pelo contrário, pretenderá recuperar o carácter fundamentalmente político do processo de desenvolvimento.


4 - DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL AO DESENVOLVIMENTO SOCIALMENTE SUSTENTÁVEL, QUE TEORIA E QUE INSTRUMENTOS?

O princípio director da ideia de desenvolvimento sustentável, tanto do ponto de vista ambiental como do ponto de vista social, não é o de pôr em causa o desenvolvimento mas sim o de garantir a sua durabilidade, isto é de preservar, simultaneamente, o crescimento económico, a qualidade ambiental e o pacto social. Enquanto existirem populações que estimem não ter ainda satisfeito todas as suas necessidades - por definição impossível - e sobretudo as necessidades mais básicas, seria extremamente injusto pôr em causa o crescimento económico, salvo se se proceder a uma outra repartição da riqueza à escala mundial. O aumento da produção alimentar, por exemplo, constitui uma prioridade, não tanto para erradicar a fome pois isso seria possível sem aumentar a produção mundial, bastando para tal modificar o acesso de grande parte da população aos alimentos (Ferrão, 1990), mas sobretudo para alimentar correctamente uma população que insiste a crescer e que poderá atingir 10 mil milhões de almas (Klatzmann, 1983).

Que se entende então por desenvolvimento ambientalmente sustentável? No final dos anos oitenta F. Hatem teria recenseado aproximadamente sessenta versões diferentes do conceito (Latouche, 1995, p 121) demonstrando, assim, a dificuldade de falar do desenvolvimento sustentável no singular. Isso não impede que todas estas definições partilhem uma filosofia comum que pode ajudar à definição do conceito de desenvolvimento socialmente sustentável. Na definição mais utilizada, a do Relatório Brundtland, diz-se que o desenvolvimenro sustentável é aquele que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer as suas (World Commission on Environment and Development, 1987, p 43). O desenvolvimento socialmente sustentável poderá então ser aquele que assegura o crescimento sem pôr em causa o pacto social assim como o seu apêndice, a coesão social. A coesão social, ou dito de outro modo a durabilidade do agrupamento humano, exigiria, por seu lado, a realização de três condições, segundo Y. Bresson (1993, p 12). Em primeiro lugar a integração, cada um deve ter o sentimento e os meios de se reconhecer como participante da comunidade, em segundo lugar, a diferenciação, para ser personalizado, cada um deve, na organização, existir enquanto indivíduo, e finalmente, a segurança, cada um deve beneficiar duma salvaguarda comum contra os riscos da vida.

Preservar o pacto social não significa manter o statu quo social, ou a forma de organização da produção e da sociedade, não quer dizer preservar o capitalismo ou qualquer outro sistema. Pode-se deduzir claramente que os três pilares da vertente económica, enunciados por H. Hude, o direito de viver, a obrigação de trabalhar e o direito ao trabalho, não subentendem qualquer sistema económico e social desde que se trate duma sociedade livre. A preservação do pacto social implica sim a imposição duma restrição ao sistema económico, ficando este livre de maximizar os seus próprios objectivos sob a referida restrição. O mesmo se pode dizer em relação à coesão social.

A definição da sustentabilidade social passa ainda pela identificação dos riscos que corre o pacto social e a sociedade em virtude da existência do dualismo social ou de qualquer outra ameaça. Do mesmo modo que é possível, embora difícil, quantificar os estragos potenciais que podem ser causados, por exemplo, à camada de ozono, ou à qualidade das águas e dos solos, por práticas económicas não sustentáveis, com o intuito de indicar os limites inultrapassáveis da agressão ambiental, deveria ser possível traçar a fronteira entre a sustentabilidade e a insustentabilidade social, das mesmas práticas económicas. Admitindo que o desemprego residual possa ser considerado um sintoma de mobilidade social, a desigualdade um incentivo e um meio de afirmação individual e a pobreza uma virtude pedagógica, o perigo de insustentabilidade social manifestar-se-á apenas quando estes fenómenos ultrapassarem determinados níveis. Quais são então os limites máximos suportáveis do desemprego, da desigualdade social ou da taxa de pobreza, a partir dos quais se coloca o risco de insustentabilidade social, isto é de ruptura do pacto social e de desmoronamento da sociedade livre?

Para calcular os impactes ambientais existem metodologias que permitem identificar os patamares de ruptura dos sistemas ecológicos, do ponto de vista social a transposição desta lógica seria na óptica da sustentabilidade social um processo fundamental. Admitindo que seja possível detectar esses patamares de ruptura social, a resposta dos sistemas sociais não serão certamente as mesmas em todo o lado. Cada sociedade valoriza os elementos do pacto social de maneira diferente. Assim, nos Estados Unidos, a capacidade de resistência a um aumento do desemprego seria menor do que a capacidade de resistência a um aumento da desigualdade social ou da pobreza, por razões que A. Sen (1997) radica na ideossincrasia cultural deste país.

A ser assim, uma determinada taxa de desemprego poderia ser considerada suportável na Europa e não o ser nos Estados Unidos. À questão cultural juntam-se ainda as instituições e os mecanismos reguladores da economia, de modo que se torna difícil determinar se é a taxa de desemprego que é insuportável ou a ausência, nos Estados Unidos, por exemplo, de mecanismos compensadores da privação de emprego nos moldes daqueles que existem na Europa. A resistência à desigualdade também seria diferente. A própria interpretação da desigualdade é diferente, havendo nos Estados Unidos, ou na cultura anglo-saxónica, uma tendência para interpretar a equidade como uma situação fundamentalmente de partida enquanto que na Europa, continental diríamos agora, a equidade seria vista como uma maior igualdade à chegada. Estas diferenças concorrem, assim, para a dificuldade em definir uma sustentabilidade social comum como, de certo modo, se pode definir uma sustentabilidade ambiental relativamente universal.

Essa dificuldade, no entanto, não deverá comprometer a percepção do conceito. Ainda que não as consigamos apreender e quantificar de modo compatível com um tratamento científico, pressente-se que existem agressões ao pacto social que são susceptíveis de pôr em causa a sociedade livre. O discurso, frequente, que estabelece uma correlação entre a recessão na Alemanha do final dos anos 20 e do princípio dos anos 30 e a ascensão do nazismo, introduz, sem o dizer, o conceito de sustentabilidade social, a própria definição das políticas do chamado Estado Providência, no seguimento da 2ª Guerra Mundial, também. Pode-se mesmo dizer que estas políticas foram um dos garantes da sustentabilidade social de que o modelo de desenvolvimento gozou nesse período. Curiosamente, ou talvez não, o desemprego e a desigualdade na distribuição do rendimento constituíam os dois vícios do sistema económico que se procurava corrigir. É o próprio Keynes que o afirma (1979). Numa altura em que o tipo de intervenção do Estado que caracteriza o Estado Providência parece posto em causa, ainda que de modo nem sempre plenamente justificado, que instrumentos de sustentabilidade poderão substituir os antigos. Se algo ficou claro após as grandes convulsões dos anos oitenta, com a crise do Estado e a queda das economias planificadas, é que o mercado adquiriu definitivamente o estatuto de mecanismo económico fundamental, mas, como advertem M. Beaud e G. Dostaler (1996), seria uma loucura mortífera encarregá-lo de tudo resolver.

Partindo, pois, deste princípio o objectivo da reflexão que se segue consiste em averiguar da transferabilidade dos mecanismos elaborados pelo desenvolvimento ambientalmente sustentável para o desenvolvimento socialmente sustentável. Entre esses mecanismos encontram-se o princípio do poluidor pagador e a chamada fiscalidade verde. Para muitos estes princípios estão longe de constituir os instrumentos ideais dum verdadeiro desenvolvimento sustentável, contudo representam um primeiro esforço de internalização das restrições ambientais. Será, então, possível definir um princípio do desempregador pagador e uma fiscalidade social como instrumentos da sustentabilidade social?

O princípio do poluidor pagador estabelece que a empresa que polui seja punida pela sociedade, isto é pelo Estado, que a obriga a pagar uma multa. O objectivo consiste em pesar nos custos da empresa com o intuito de ameaçar a sua competitividade. A resposta racional esperada da parte da empresa é a não poluição desde que o sobrecusto da poluição, a multa, seja superior ao sobrecusto da não poluição, os investimentos necessários em tecnologia limpa. A primeira contrariedade advém do facto deste princípio pressupor o funcionamento da economia num quadro concorrencial, nem sempre realista, caso contrário a multa é incorporada no preço dos bens produzidos, imputando desse modo o custo da infracção ao consumidor final. A esta dificuldade acrescentam-se ainda a complexidade da fixação dos níveis de poluição susceptíveis de causar estragos irreversíveis no meio ambiente e do cáculo da própria multa, em virtude da quase impossibilidade por parte do mercado em valorizar correctamente o bem ambiente através dos mecanismos tradiconais.

A fiscalidade verde representa um modo mais operacional de modificar o comportamento dos agentes económicos que põem em causa o meio ambiente, fundamentalmente porque não exige um cálculo tão complexo dos estragos causados. Assumindo, por exemplo, que grande parte do efeito de estufa é provocado pela emissão de gases que resultam dos diferentes sistemas de produção e de consumo de energia, o imposto verde, neste caso, incide sobre o consumo de energia, pretendendo-se com ele incentivar um uso mais sustentável dessa energia. Por outro lado, a fiscalidade verde não permite só a repressão das acções negativas para o meio ambiente, proporciona também a recompensa das atitudes que, pelo contrário, contribuem para a sua protecção e para o desenvolvimento sustentável, através de subsídios ou de benefícios tributários.

Para que estes mecanismos possam ser incluídos na panóplia de intrumentos da intervenção pública em favor da sustentabilidade social seria necessário, em primeiro lugar, identificar o agressor e a agressão à sustentabilidade social, isto é identificar os comportamentos das empresas que são susceptíveis de causar estragos ao pacto social e à coesão social, quantificar esses estragos e as compensações a exigir delas, e em segundo lugar definir quais as atitudes favoráveis à sustentabilidade social, que, ao invés, seriam tributárias duma recompensa.

Tome-se o exemplo do desemprego. Quais os comportamentos que estão na origem do desemprego e quais os que não estão? Criar e destruir postos de trabalho, no curto prazo, não pode, por si só, servir esse propósito. Como já foi referido anteriormente existem destruições de emprego normais no processo de desenvolvimento, porém outras existem que procedem duma lógica de insustentabilidade social. A dificuldade reside na distinção entre os dois tipos de destruição de emprego a curto prazo.

O ex-chanceler alemão Helmut Schmidt defendeu nos anos setenta que os lucros de então eram os investimentos do amanhã e estes os empregos do depois de amanhã (Le Monde, 6 de Julho de 1976). Dito de outro modo, o ex-governante estaria a defender a ideia de que a competitividade das empresas, no curto prazo, é o garante dos empregos no longo prazo. Esta é também a lógica que decorre do paradigma dominante. Assim, um comportamento tendente a melhorar o lucro da empresa, um downsizing por exemplo, isto é uma redução substancial do nível do emprego numa empresa ou instituição, seria bem-vindo para defender este mesmo emprego. A CBS News do dia 26 de Dezembro de 1995 (citado por S. Halimi no Le Monde Diplomatique de Fevereiro de 1996) relata o seguinte: " os empresários dirigem preocupando-se exclusivamente com os seus accionistas: é preciso aumentar a taxa de lucro. O meio mais simples? Suprimir milhares de empregos. Alguns exemplos: 3M (…) anuncia 5000 despedimentos, a cotação da acção sobe de imediato de 2,62 dólares, o que faz aumentar de uma só vez o valor da empresa em mais de mil milhões de dólares".

Apesar do bom senso no qual se pretende que acreditemos, este tipo de comportamentos dificilmente pode constituir um exemplo duma acção socialmente sustentável, tanto mais que aparentemente os seus objectivos imediatos nem sempre foram atingidos, pois, como transparece dum estudo da Mercer Management Consulting (citado por S. Halimi no Le Monde Diplomatique de Janeiro de 1997), apenas 27% das 131 empresas estudadas que tinham realizado um downsizing haviam expandido as suas actividades e aumentado o seu lucro. Outros despedimentos não permitem, no entanto, o mesmo julgamento. É por vezes necessário perder empregos para salvar outros e os parceiros sociais estão por vezes de acordo sobre este ponto. No sentido inverso, como traçar o perfil da empresa cidadã, ou seja aquela que asseguraria o pacto social e a coesão social? Esta tarefa é pelo menos tão complexa como a de identificar a empresa que se comporta de modo socialmente insustentável. Vamos, no entanto, supor que esta dificuldade é ultrapassável. Que instrumentos de sustentabilidade social podem ser imaginados, partindo da experiência da sustentabilidade ambiental.

A proposta de J. Tobin de uma taxa sobre as transacções cambiais (Warde, 1997), feita em 1972, para permitir aos governos a recuperação da sua autonomia no âmbito da política macro-económica, pode inspirar uma acção no domínio da luta contra o desemprego, numa óptica de desenvolvimento socialmente sustentável. Assim como o objectivo de Tobin era o de limitar a proliferação dos investimentos especulativos, uma taxa aplicada às mais valias bolsistas obtidas com o recurso a operações de downsizing poderia limitar a prática desta política com o propósito exclusivo de recolher rendimentos financeiros. Para além de incentivar uma limitação deste tipo de comportamento, os rendimentos obtidos serviriam ainda para alimentar intrumentos incitativos da sustentabilidade social.

O economista francês P. Artus, insuspeito de tentações persecutórias em relação às empresas pois pertence aos quadros da Caisse des Dépots et Consignations, equivalente francês da Caixa Geral de Depósitos, propõe mesmo que as empresas cujo lucro tenha aumentado mas que não tenham operado uma redistribuição consubstanciada numa criação de empregos, deveriam ser especialmente tributadas, os rendimentos obtidos através deste imposto seriam então utilizados para criar empregos pouco produtivos (Boissard, Vittori, 1995). Uma primeira leitura de propostas deste tipo provocará certamente alguns esgares à maioria dos economistas tendo em conta que as intervenções voluntaristas não são muito bem vistas, para mais quando envolvem impostos. A questão essencial que se põe a uma intervenção deste tipo, porém, não diz tanto respeito à sua legitimidade como à sua discricionaridade, isto é, mais importante do que saber se é legítimo aplicar estas taxas é saber a quem elas devem ser aplicadas, de modo a sancionar unicamente os comportamentos socialmente insustentáveis.

A outra vertente da fiscalidade social diz respeito aos incentivos atribuidos às empresas que tenham comportamentos favoráveis à sustentabilidade social. De certo modo existem já instrumentos inspirados numa fiscalidade verde, tais como ajudas à inserção de determinados grupos de desempregados, como os jovens, concretamente subsídios ao novo emprego ou aos salários pagos pelas empresas a novos trabalhadores. Os resultados são, no entanto, pouco animadores. Não só não criam emprego em grande quantidade como podem até constituir um desperdício de recursos para o Estado.

Com efeito podem registar-se aquilo a que chamaremos efeitos de substituição e de oportunidade. Isto é, no primeiro caso, é possível que a empresa despeça trabalhadores, ou não renove contratos a termo certo, para depois contratar desempregados que lhe permitam beneficiar dos subsídios. Este tipo de comportamento é contraditório com os objectivos fundamentais das políticas de subsídios mas é relativamente fácil de evitar desde que existam cláusulas que especifiquem que as empresas que beneficiem dos subsídios não possam despedir trabalhadores num determinado horizonte temporal e também o não tenham feito durante um determinado lapso de tempo antes de aderir ao sistema. Mais difícil é apreciar os segundos efeitos referidos, que significam que a empresa teria normalmente contratado mais trabalhadores, independentemente da existência ou não de incentivos dirigidos para esse objectivo, obtendo, então, um prémio injustificado. O Estado neste caso financia, não o emprego, mas lucros extraordinários para a empresa. O próprio ex-primeiro ministro francês Alain Juppé, em Maio de 1995, lembrava a propósito do contrat initiative-emploi, que este tipo de política assentava num contrato entre a colectividade e as empresas, e acusava-as de não terem assumido a parte que lhes cabia (Le Goff, p 1996).

À primeira vista estas medidas enquadram-se numa perspectiva de sustentabilidade, pois propõem-se recompensar as empresas que criam emprego e que, portanto, participam na preservação do pacto social. Uma análise mais profunda revela, contudo, que estes subsídios interferem sobretudo no custo da mão de obra, isto é, o subsídio ao emprego de um jovem, ou uma comparticipação no salário que ele aufere, contribui sobretudo para reduzir o custo do factor trabalho. Sendo assim, a lógica subjacente a esta intervenção não difere muito da interpretação clássica do restabelecimento do equlíbrio no mercado de trabalho, que determina que o excedente de factor trabalho é absorvido quando o seu preço decresce.

Assim, qualquer intervenção no sentido de baixar os custos do trabalho, recorrendo a subsídios ao emprego financiados pelo erário público, resulta sobretudo numa repartição do rendimento mais favorável ao capital, em detrimento do trabalho. Este processo entende-se facilmente quando se sabe que o essencial da tributação incide sobre os rendimentos do trabalho. A maior responsabilidade da manutenção dum nível de emprego compatível com a sustentabilidade social caberia, então, àqueles que têm um emprego, o que constitui uma interpretação típica da teoria dominante. Os principais inimigos dos desempregados seriam então os próprios empregados, e desde logo caber-lhes-ia, logicamente, uma maior comparticipação nos custos da resolução do desemprego. A responsabilidade da sustentabilidade social deve ser partilhada de modo mais equitativo, e incidir sobretudo numa nova lógica de tratamento do recurso humano, isto é na ultrapassagem da concepção puramente mercantil do trabalho. Do mesmo modo que a fiscalidade verde pretende recompensar as empresas que modifiquem a sua relação com o meio ambiente no sentido da sua preservação, também a fiscalidade social, deveria promover outra relação do acto produtivo com o ser humano, e não apenas contentar-se em lhe reduzir artificialmente o custo

As medidas que uma política fiscal virada para a sustentabilidade social deveria apoiar dizem respeito a novas formas de inclusão do trabalho na actividade, sejam processos de redução do horário de trabalho ou de partilha voluntária de trabalho ou, ainda, investigação e desenvolvimento tecnológico ao serviço da valorização dos saberes e das competências humanas e não apontada para a sua substituição (Petrella, 1995), etendendo, globalmente, para a desmercantilização do trabalho de modo a apreender o factor humano, não como um simples instrumento, mas como a finalidade do acto produtivo. Este conjunto de orientações são obviamente vagas e algo tingidas de utopia e não prefiguram um conjunto concreto de medidas políticas, a sua apresentação destina-se unicamente a balizar o trajecto que entendemos que um modelo de desenvolvimento socialmente sustentável, resolutamente oposto a políticas que assentem na simples desregulamentação do mercado de trabalho orientada para a redução do custo deste factor, deverá seguir.

Dir-se-á que estas orientações configuram uma restrição insuportável para a economia no quadro da globalização dos mercados. Com efeito, neste quadro, o resultado destas restrições seria a diminuição drástica da competitividade das empresas e logo uma redução da sua capacidade empregadora, uma crítica à qual não escapam, aliás, as restrições impostas pelo desenvolvimento ambientalmente sustentável. A contra-argumentação assenta em duas ideias, sendo a primeira que muitas empresas internalizaram relativamente bem as restrições ambientais, e que do ponto de vista global pensa-se que estas restrições ao invés de destruirem emprego proporcionarão a criação de novos postos de trabalho (Bermejo, 1994), e a segunda que as empresas ao recensearem os seus encargos esquecem-se de contabilizar os custos inerentes a uma sociedade entregue ao totalitarismo e à demagogia, cujos sinais precursores são suficientemente visíveis para evitar o recurso à futurologia. C. Lévi-Strauss afirmou o seguinte a propósito da ligação entre o desenvolvimento económico e a democracia, "A liberdade não é uma invenção jurídica nem uma jóia filosófica propriedade de civilizações mais dignas que outras pois só elas saberiam produzi-la e preservá-la. Ela resulta duma relação objectiva entre o indivíduo e o espaço que ele ocupa, entre o consumidor e os recursos de que ele dispõe. Seria necessária muita ingenuidade ou má fé para pensar que os homens escolhem as suas crenças independentemente da sua condição. São as formas de existência que dão sentido às ideologias que as exprimem" (Lévi-Strauss, 1955). Que ideologia nascerá então duma forma de existência que consagra a exclusão e a irresponsabilidade sociais?!

Admitindo que, dadas as condições em que a economia opera, este tipo de intervenção não seja exequível num futuro próximo, pode o mercado iniciar uma mudança de comportamentos que prefigure uma sustentabilidade social, mais suportável, a curto prazo, para as empresas? Algumas experiências dão conta das possibilidades mas também dos limites de uma aproximação apoiada unicamente na lógica do mercado.

Os consumidores estão progressivamente mais conscientes, não só da necessidade de adquirir bens cujo processo de produção, e seu posterior consumo, se esforce por mitigar os efeitos ambientais, mas também da importância de consumir produtos mais sãos, nomeadamente quando destinados à alimentação. Consequentemente estão dispostos a pagar preços mais elevados por esses produtos em troca de garantias de qualidade e de compatibilidade ambiental. Com efeito, os produtos que beneficiam de eco-labels formam um mercado em plena expansão, apesar de ainda representarem uma minoria das trocas realizadas. Pode-se, por isso, pensar que os mesmos consumidores estariam dispostos a aceitar preços mais elevados para produtos que beneficiassem de um social-label, ou sejam bens cujo processo de produção envolveria um compromisso com a sustentabilidade social.

Não existem muitas experiências que permitam inferir esse tipo de comportamento por parte dos consumidores mas J.Decornoy (1996) e D. Brand e R. Hoffmann (1994) relatam a existência de associações que promovem a realização de trocas internacionais ditas equitativas. Assim, sob a denominação de fair trade existem importadores, nomeadamente na Holanda e na Suiça, que impõem condições aos produtores do terceiro mundo tais como uma justa retribuição do trabalho, o respeito pelo ambiente, ou a orientação dos benefícios em proveito de investimentos produtivos criadores de emprego. Estes consumidores aceitariam, então, pagar esses produtos a preços mais elevados que os de produtos equivalentes mas distribuídos através dos circuitos normais.

Em primeiro lugar, os produtos trocados sob este label são escassos e ocupam uma também escassa fatia de mercado, mas têm, no entanto, o mérito de mostrar que, tal como para os eco-produtos, existe uma margem para a expressão duma preferência social do cidadão, diferente da preferência típica da ciência económica que apenas contempla a reacção à variação dos preços e, por vezes, à diferenciação do produto em termos de qualidade. Do mesmo modo que a preferência por produtos limpos procede do progresso da educação ambiental também os produtos fair trade exigem uma educação política e ética, que apesar da crença numa progressiva despolitização da população europeia, dá sinais de alguma sedimentação. Resta saber se esta consciência socialmente sustentável se pode concretizar em atitudes como as que inspiram o comércio fair trade, ou seja se a população em geral está disposta a pagar mais caro por um conjunto bastante mais alargado de bens e serviços, exprimindo por aí uma clara preferência política e social.


5 - CONCLUSÃO

Depois de, em muitos locais deste planeta, ter permitido ao Homem libertar-se da servidão que constituía a sua sobrevivência fisiológica, abrindo caminho para a eclosão duma era de bem estar, de liberdade e de realização pessoal, parecem existir alguns indícios que levam a crer que o sistema económico, no quadro do actual paradigma, deixou de ser capaz de assegurar a durabilidade deste processo. Enquanto se assiste a um possível esgotamento do modelo, admitindo que esta crise não tem por origem uma qualquer quebra da sua eficácia - antes constitui o culminar da sua lógica dado que nunca o sistema produziu tanta riqueza com tão poucos recursos humanos empregues - grande parte da humanidade desespera de poder um dia aceder a esse estado de libertação.

A crítica ecológica tinha mostrado os primeiros limites do modelo no sentido em que a prazo, enfrentaria um esgotamento dos recursos e um ambiente impróprio à vida. Os elevados níveis de desemprego e a sua persistência, assim como as políticas propostas para o combater, perecem revelar uma outra fonte de esgotamento do modelo. Com efeito, a incapacidade em resolver o desemprego, sem agravar a pobreza e a desigualdade, está na origem duma dualização da sociedade que ameaça o modelo de desenvolvimento com a desintegração do pacto social sobre o qual se apoiou. A marginalização duma parte significativa da sociedade poderá levar não só à recusa do desenvolvimento, considerado, então, injusto, mas também ao esboroamento da democracia, se este processo viesse a ser considerado como inelutável, conduzido por forças supra-humanas, independentes da vontade popular.

Será possível definir um desenvolvimento socialmente sustentável, tanto do ponto de vista conceptual como do ponto de vista instrumental, tal como tem vindo a ser feito desde há alguns anos com o desenvolvimento sustentável na perspectiva ambiental? A questão é delicada pois vários obstáculos se levantam à exequibilidade dum projecto deste tipo. A evolução rápida da ciência económica fez dela um formidável instrumento de melhoria da vida dos homens, tanto que, certamente deslumbrados por estes feitos, não hesitaram em colocar a sua razão sob o domínio da racionalidade económica, donde esta sensação difusa, mas cada dia mais concreta, de que a economia paira sobre as nossas cabeças como os grandes mistérios da natureza, de que ela está acima das nossas vontades, e teríamos então medo da economia como dum tremor de terra ou duma irupção vulcânica. O desenvolvimento socialmente sustentável deverá promover um outro tipo de relação do humano com o económico, afirmando o primado da escolha democrática sobre a lógica da competitividade, isto é o primado da finalidade sobre o instrumento, o mesmo é dizer o primado do político sobre o económico, e promover a transição de uma economia mandante para uma economia mandada, como afirma R. Hamrin (1989, p 611).

Para isso a economia deve recuperar o seu sentido, a sua finalidade, ditado pela escolha democrática, o que exige a reinvenção de instituições cuja lógica se possa sobrepor à do tudo mercado. Estas ideias não são novas. O desafio actual é inventar os instrumentos para esta lógica sob pena de se ter de concluir como Sismondi, mais uma vez, "confesso que depois de ter indicado onde está em meu entender, o princípio em que reside a justiça, não sinto força alguma para encontrar os meios da sua execução" (Denis, 1976).








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