DESEMPREGO PERSISTENTE E DUALIZAÇÃO SOCIAL: CONTRIBUIÇÃO PARA A DEFINIÇÃO DUM CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO SOCIALMENTE SUSTENTÁVEL |
1 - INTRODUÇÃO
O prémio Nobel de economia Maurice Allais afirmou, em Março de
1996, no Fórum de Epinal sobre o emprego, que era este,
precisamente, o seu combate principal, pois os elevados níveis
de desemprego ameaçariam a nossa sociedade liberal e humanista
com a desagregação do tecido social (Allais, 1996, p 14). Ao
afirmá-lo reconhecia que o desemprego não constitui apenas um
desperdício de recursos, uma das principais fontes dos défices
dos sistemas de protecção social ou ainda um elemento
depressivo da procura global, representa também uma brecha no
cimento social
No seio desta sociedade os indivíduos exprimem um desejo
constante de enriquecimento material, o que se compreende pois à
medida que vão satisfazendo as suas necessidades vão também
descobrindo outras por satisfazer, porventura nem sequer
imaginadas anteriormente. Como dizia G. Bachelard, o Homem é uma
criatura do desejo e não uma criatura da necessidade (citado em
Braudel, 1992, p 156). Este desejo de acumulação de riqueza,
com o propósito de, entre outras finalidades, a trocar por bens
e serviços, beneficia, aliás, de particular destaque no seio do
paradigma de desenvolvimento dominante, que assenta,
precisamente, no crescimento económico e na mercantilização da
economia.
Por um lado, é ainda através do trabalho que a maioria desses
indivíduos obtém os rendimentos que a satisfação das suas
infinitas necessidades requer, o mesmo é dizer que fazer parte
da sociedade - da sociedade de consumo sublinhe-se - enquanto
consumidor, exige um emprego ou qualquer outra forma de
actividade económica. Por outro lado, a lógica da economia, que
sacraliza a remuneração de uma pena ou de uma acção positiva
e a obrigação de pagar por um prazer ou por uma acção
negativa, não deixaria de atribuir ao trabalho um papel decisivo
no seu código moral. Não existem almoços gratuitos como gostam
de repetir os anglo-saxões.
B.Perret sublinha que qualquer encarregado de educação a quem
uma criança pede uma mesada sabe instintivamente que é perigoso
dissociar o dinheiro do trabalho (Perret, 1995, p 106). Esta
atitude faz parte dos valores que é suposto transmitirmos de
geração em geração, o que leva F. Zellner a interrogar-se
sobre os valores que os pais transmitem aos seus filhos quando
passam temporadas, mais ou menos longas, de inactividade,
sobrevivendo à custa de todo o tipo de subsídios. Mesmo nas
sociedades ditas primitivas, a ausência de trocas mercantis (ou
no mínimo o seu carácter secundário) não implica a obtenção
do necessário sem a reclamação de uma qualquer contrapartida.
Na nossa sociedade a contrapartida que a moral económica exige
dos indivíduos para a satisfação das suas necessidades é o
fornecimento de uma determinada quantidade de trabalho ou de
actividade socialmente útil, excepto nos casos de incapacidade
motivada por manifesto infortúnio. A moral económica assenta
assim na obrigação de trabalhar. Ora, por definição, o acesso
a um regime obrigatório não pode ser vedado a quem manifeste
claramente a intenção de a ele aderir, do mesmo modo, diria,
que não se pode negar um seguro obrigatório a ninguém, como é
o caso do seguro de responsabilidade civil do ramo automóvel, ou
impedir a inscrição de um aluno em idade de escolaridade
obrigatória.
É também esta a ideia de H. Hude (1994) quando enuncia que a
sociedade livre, estaria assente num pacto social cuja componente
económica exige a realização de três condições, o direito
de viver (ou seja de ter acesso aos bens necessários), o dever
de trabalhar (sob pena de ser socialmente irresponsável) e o
direito de ganhar a vida (o direito de trabalhar). Para ele o
combate ao desemprego assume desde logo um carácter
prioritário, porque se trata de preservar a sociedade livre, e
acrescenta que se for impossível respeitar este direito ao
trabalho no quadro dum dado sistema de regras económicas, então
torna-se necessário enriquecer este sistema e modificar as suas
regras.
O trabalho é, ainda, um dos mais importantes vectores de
aprendizagem e de interiorização dos códigos sociais, como o
respeito pelos contratos e pelos horários ou o sentido da
propriedade (Perret, 1995, p 108). O trabalho seria, assim, um
possante instrumento de socialização do indivíduo sem a qual a
economia, e particularmente a economia de mercado, não poderia
funcionar. B. Bürgenmeier (1994) acredita neste papel de cimento
social atribuído ao trabalho mas autores como D. Méda (1995) ou
A. Gorz (1993) acham, no entanto, que este protagonismo do
trabalho está sobrevalorizado.
Contudo, o inverso, ou seja a dessocialização, revela-se, em
certos casos concretos, impeditiva da inserção no mercado de
trabalho. Com efeito, técnicos ligados ao emprego e à
segurança social afirmaram em várias ocasiões (Branco, Covas,
1997) que uma das causas de não inserção na vida activa é,
justamente, o não respeito pelos contratos ou pelos horários de
trabalho por parte de uma franja importante dos desempregados de
longa duração do Alentejo. Esta constatação, inspirada na
observação quotidiana, não permite provar que os referidos
códigos sociais sejam apenas transmitidos pelo trabalho regular,
mas parece indicar, no entanto, que o afastamento regular da
prática do trabalho contribui pelo menos para o seu abandono.
Assim, poder-se-ia legitimamente pensar que, para a economia, o
fornecimento de emprego a todos aqueles que o desejem e que
estejam em condições de trabalhar seria assumido,
simultaneamente, como um dever e como uma necessidade. Contudo,
de acordo com a sua lógica, a economia não tem como objectivo a
criação de empregos, mas sim a mais eficaz afectação
possível dos factores de produção, isto é criar um máximo de
riqueza com um mínimo de recursos. Ora, um desses recursos é,
precisamente, o trabalho, ou melhor dizendo o recurso humano
(Gorz, 1993a, p 85). Ao considerar o ser humano como um recurso
entre outros, é natural que a economia pretenda poupá-lo, o que
significa tão somente utilizá-lo o menos possível.
No quadro do paradigma de desenvolvimento dominante, é esta a
noção de eficácia do sistema, que se traduz em termos
concretos pelo aumento da produtividade dos factores. Os
automóveis gastam menos gasolina, os electrodomésticos gastam
menos electricidade, as comunicações gastam menos tempo e a
actividade económica gasta menos pessoas. Assim se entende o
sentido geral do progresso.
Do ponto de vista individual, a busca incessante de
enriquecimento exige também o aumento da produtividade do
trabalho, pelo menos se não se tiver em consideração uma
qualquer redistribuição do rendimento e do património. Este
aumento da produtividade do trabalho, por seu turno, não poderá
ser prosseguido sem um certo grau de substituição do trabalho
pelo capital, ou seja sem uma perda de empregos. No longo prazo,
no entanto, o crescimento do rendimento induzido pelo aumento da
produtividade é suposto conduzir a um incremento da procura que
por sua vez suscitaria uma expansão da produção ou o
aparecimento de outras actividades, que, juntos, se encarregariam
de absorver os empregos perdidos numa primeira fase. Esta é a
profissão de fé do paradigma de desenvolvimento dominante. O
nível do emprego dependeria, então, do nível do crescimento
económico, e durante largo tempo a componente económica do
pacto social enunciado por H. Hude foi respeitada graças ao
ritmo elevado, e constante, do crescimento económico.
Mas que acontece quando este já não gera emprego ou pior quando
cria desempregados. Dudley Seers num artigo famoso já afirmava
"As questões a pôr sobre o desenvolvimento de um país
são então as seguintes: qual tem sido a evolução 1) da
pobreza, 2) do desemprego, 3) das desigualdades de
rendimento" (Seers, 1979, p 952). Assim, não poderíamos
chamar desenvolvimento a um crescimento económico que não
contribuísse para a resolução destes problemas e muito menos
que fosse acompanhado de uma sua degradação. A economia, com
efeito, não é a-social e os códigos sociais de que se falou
são tão importantes para o funcionamento da sociedade como para
o da economia. O desemprego actual evidenciaria, então, com uma
agudez inédita, o conflito latente entre a eficácia económica
e o direito ao trabalho.
O desemprego, mais do que um prejuízo, constitui, assim, uma
aberração, quiçá uma contradição, do sistema económico,
dado que a busca da eficácia pura poderá estar a corroer as
fundações sobre as quais a economia se apoia. O combate ao
desemprego é, por isso, um combate pela sobrevivência do
sistema económico. Assim se compreendem as palavras de Maurice
Allais transcritas no início deste trabalho. No entanto, e é
esta a questão que será colocada insistentemente nas páginas
seguintes, até que ponto os remédios encontrados até agora
para lutar contra o desemprego não estarão a provocar estragos
no tecido social tão importantes como aqueles que têm por
origem o próprio desemprego? O mesmo será dizer que o problema
não reside tanto nos instrumentos de luta contra o desemprego
mas na definição do desemprego, ou melhor da taxa de
desemprego, como alvo desta luta. Assim, a resolução do
problema passaria pela troca de alvo e não pela constante busca
de novas armas.
2 - DO DESEMPREGO, DAS POLÍTICAS DE EMPREGO E DAS SUAS
CONSEQUÊNCIAS
Voluntariamente, não se pretende, aqui, nem aprofundar a
questão da origem e da persistência dos elevados níveis de
desemprego, nem descrever de modo exaustivo todas as políticas
postas em prática para tentar reduzir o desemprego.
Contentar-nos-emos com os argumentos mais habituais, tentando, na
medida do possível, não emitir qualquer julgamento sobre os
seus poderes explicativo e curativo.
Apesar da heterogeneidade das contribuições e aceitando correr
o risco de uma simplificação excessiva, podem-se classificar as
explicações do desemprego em dois grandes grupos. O primeiro
reúne aqueles que atribuem a origem do desemprego ao
funcionamento imperfeito do mercado de trabalho, optando então
por uma abordagem essencialmente micro-económica e o segundo
aqueles que estabelecem uma ligação decisiva entre o desemprego
e variáveis como o ritmo do crescimento económico ou a taxa de
câmbio, optando por seu turno por uma abordagem
macro-económica.
Esta compartimentação não obriga, no entanto, a que estas
abordagens se excluam mutuamente. É perfeitamente possível, tal
como o demonstra o Livro Branco sobre o Crescimento, a
Competitividade e o Emprego (Comissão Europeia, 1994), recorrer
a ambas as abordagens para tentar compreender o desemprego e
sobre ele actuar. Por comodidade apenas, as duas abordagens
serão analisadas separadamente.
No quadro da abordagem do desemprego pelo mercado de trabalho, as
diversas argumentações insistem quase sempre sobre os
obstáculos colocados ao restabelecimento do equilíbrio através
da flexibilidade do preço do trabalho. Fenómenos, tais como a
existência de subsídios de desemprego (ou melhor a elevada
relação entre estes subsídios e o último salário auferido),
os efeitos insider/outsider, o mismatch entre a oferta e a
procura de emprego e uma regulamentação excessiva, seriam
responsáveis do pouco afinco dos empregadores em procurar
empregar e dos desempregados em procurar empregar-se.
Grosso modo, as políticas propostas para, no quadro desta
abordagem, combater o desemprego, dizem respeito a acções no
âmbito da formação profissional, suposta contrariar a
desvalorização dos desempregados após longos períodos sem
emprego e reduzir as possibilidades de mismatch, a reduções nos
subsídios de desemprego (não tanto no seu montante mas
sobretudo no tempo durante o qual poderão ser recebidos) e à
desregulamentação do mercado de trabalho. Sobre esta abordagem
existe uma abundante literatura destacando-se aqui as obras de S.
Smith (1994), V. Symes (1995) e H. Zajdela (1994) pelo
panorâmica que oferecem do conjunto dos trabalhos.
A abordagem macro-económica por seu turno explica o desemprego
pelas políticas deflacionistas levadas a cabo desde os anos
setenta e particularmente pela sua persistência apesar da
constatação actual de taxas de inflação historicamente
baixas, o que leva J. P. Fitoussi (1996, p 89) a afirmar que qual
Dom Quixote estaríamos a mobilizar as nossas energias, isto é a
política económica, contra um inimigo imaginário. O essencial
das políticas de combate ao desemprego reside, segundo esta
abordagem, na activação dos instrumentos de política
económica no sentido de aumentar o crescimento do Produto.
Alguns dos seguidores desta abordagem argumentam que as taxas de
crescimento actuais são demasiado baixas para criar emprego e
até para travar o aumento do número de desempregados (Fitoussi,
1996, p 94), outros que seria necessário enriquecer o conteúdo
em empregos do crescimento, já que não se espera uma
aceleração do crescimento a breve prazo (Germain, 1996). Este
último argumento não repousa inteiramente sobre o crescimento,
recupera aliás alguns elementos da visão anterior, mas não
deixa de considerar o crescimento como a variável fundamental no
processo de combate ao desemprego.
Basear a criação de emprego num maior crescimento económico
pode, no entanto, revelar-se contraproducente pois o crescimento
está fortemente determinado pelo investimento, que por sua vez
se relaciona intimamente com o progresso técnico. Ora, este
último implica geralmente uma poupança do factor trabalho no
processo de produção, o que significa a criação de
desemprego.
Deveremos nós, por isso, renunciar ao progresso técnico?
Segundo J. Ellul a técnica constitui o meio indiscutível da
modernidade como a floresta o foi para o homem do neolítico,
renunciar à técnica seria, então, equivalente, para o homem
primitivo, a deitar fogo à floresta (citado em Latouche, 1995, p
215). O progresso técnico resulta da inteligência e da
criatividade humanas em permanente busca de aperfeiçoamento,
pô-lo em causa consistiria em recusar a própria ideia de
desenvolvimento. Sismondi nos seus Princípios de Economia
Política dizia que "Toda a invenção nas artes que tenha
multiplicado a capacidade de trabalho do homem desde o arado à
máquina a vapor é útil (
) não é culpa do progresso da
ciência mecânica, mas da ordem social, se o trabalhador que
adquire a capacidade de produzir em duas horas o que lhe levaria
antes doze, não se encontra mais rico" (citado em Denis,
1976).
Por analogia diríamos, hoje, que não é da culpa do progresso
técnico se ele cria mais desempregados, mas sim do modo de
desenvolvimento. A isto poder-se-ía retorquir que o progresso
técnico consubstanciado na máquina é indissociável do sistema
económico e social hoje dominante, no entanto, P. Dockès e B.
Rosier (1988) sustentam que a máquina, nos primórdios da
revolução industrial, não pressupunha obrigatoriamente a
grande fábrica e logo o capitalismo. Outra formas de
organização do trabalho teriam sido tentadas e o seu
progressivo desaparecimento dever-se-ia mais a uma relação de
forças desfavorável do que a uma menor eficácia produtiva.
Teoricamente, é ,então, possível admitir a existência de
progresso técnico sem que este seja acompanhado de uma tão
marcada tendência para a substituição do trabalho por capital.
É difícil comparar a eficácia dos dois tipos de política já
que no essencial a abordagem micro-económica dominou as
intervenções no domínio da criação de emprego em quase todos
os países da Europa e da América do Norte, nos últimos anos.
As diferenças incidem sobretudo no grau de flexibilidade que se
tem introduzido no mercado de trabalho ou nas cedências feitas
pelo Estado Providência no tratamento dos desempregados. Assim,
as políticas em favor de uma maior flexibilidade do mercado de
trabalho e de uma menor protecção social são as que terão
tido maior sucesso na criação de empregos. Assim, no período
entre 1970 e 1992 o crescimento total em termos de produção e
de emprego foi, por exemplo, para a França, respectivamente de
77% e de 6% enquanto que nos Estados Unidos foi de 70% e de 49%
(Comissão Europeia, 1994, p 149).
Este diferencial tem estado na origem de muitas conclusões sobre
a superioridade do modelo mais liberal, porventura um pouco
precipitadas, pois a comparabilidade dos dados americanos com os
europeus deve ser encarada com alguma prudência. Contudo, quando
se pretende reflectir sobre a relação entre o emprego e o
desenvolvimento, mais do que debater o nível da taxa de
desemprego, independentemente do modo como ela é calculada,
importa discutir sobretudo os efeitos que as políticas de
combate ao desemprego têm sobre alguns dos pilares do modelo de
desenvolvimento. Já se disse que a existência de desemprego
abre uma brecha importante nas fundações desse modelo, resta
saber se a resolução, ou a mitigação, deste problema, não
abre outras.
Assim, os melhores resultados obtidos pelos Estados Unidos no
combate ao desemprego, foram acompanhados por uma degradação do
nível de vida de uma parte cada vez mais importante da
população e por um aumento da desigualdade na distribuição do
Rendimento Nacional. Com efeito, o salário médio americano
terá caído até ao seu nível dos anos cinquenta (Fitoussi,
1996, p 88) e o rendimento dos 20% dos americanos mais pobres,
segundo o US News and World Report desceu aproximadamente em 19%
entre1978 e 1993 enquanto que o rendimento dos 20% mais ricos
subiu em 18% (citado em Julien, 1995). Pobreza e desigualdade
seriam então o reverso da medalha do sucesso da luta contra o
desemprego.
A desigualdade, enquanto princípio, não pode ser considerada
obrigatoriamente um malefício. Para muitos, como Adam Smith,
constitui até um estímulo ao esforço individual ou ainda um
meio de gerar poupança (Hunt, 1989), ambos contribuindo de modo
decisivo para o processo de desenvolvimento. Por outro lado, a
desigualdade por si só não informa sobre a evolução do nível
e da qualidade de vida da população que aufere os mais baixos
rendimentos. Um aumento da desigualdade é perfeitamente
compatível com uma melhoria do nível e da qualidade de vida
desta população. A desigualdade é mais dificilmente
justificável quando, pelo contrário, se faz acompanhar dum
aumento da pobreza. Um dos princípios da justiça em Rawls
sustenta, justamente, que as desigualdades sociais e económicas
são aceitáveis apenas se contribuirem para para a melhoria do
destino de todos (Combee, Norton, 1991).
É certo que a desigualdade económica não pode ser reduzida à
simples distribuição dos rendimentos e que a situação perante
o emprego constitui também uma importante desigualdade, como
sublinha A. Sen (1997). Poderíamos então dizer que nos Estados
Unidos, a desigualdade económica, consubstanciada pela desigual
distribuição dos rendimentos, seria compensada pela mais forte
criação de emprego. Parece, no entanto, muito constrangedor
aceitar, não só que uma desigualdade se possa tratar à custa
da instauração de outra desigualdade, como também que se deva
obrigatoriamente operar uma escolha entre elas. Pode-se suportar
uma melhor que a outra, tanto do ponto de vista individual como
do ponto de vista colectivo, o que em economia constitui uma
informação preciosa pois pode-se traduzir numa preferência,
mas que, em termos da construção do que alguns chamariam uma
sociedade mais justa, pouco ou nada vem acrescentar.
Mais inquietante é o aumento da pobreza, e não apenas nos
grupos tradicionalmente mais afectados, como os desempregados ou
os idosos, mas também, e sobretudo, no seio da população
empregada. No caso dos Estados Unidos a proporção da
população a trabalhar a tempo inteiro que vive abaixo do limiar
da pobreza passou de 12% para 18% entre 1979 e 1990 (Krugman, P,
1994). Este fenómeno dos trabalhadores pobres torna-se ainda
mais agudo se incluírmos muitos daqueles que apenas trabalham a
tempo parcial, apesar de procurarem um emprego a tempo inteiro.
Estar-se-ía, assim, perante uma crescente dualização do
mercado de trabalho, e consequentemente da própria sociedade, em
que o topo da escala seria constituído por um número mais ou
menos importante de trabalhadores qualificados, bem remunerados e
beneficiando duma relativa segurança no emprego e, no extremo
oposto, um número crescente de trabalhadores pouco, ou nada,
qualificados, progressivamente pior remunerados, e tendo apenas
acesso, entre duas estadias no desemprego, a empregos cada vez
mais precários. O Livro Branco sobre o Crescimento, a
Competitividade e o Emprego, atribui, aliás, a responsabilidade
deste dualismo à introdução de maior flexibilidade em certos
mercados de trabalho (Comissão Europeia, 1994, p153).
Qual a resposta da outra interpretação do problema do
desemprego? O progresso técnico associado ao crescimento
económico, pode estar, como já foi dito, na origem de certas
destruições de emprego. Este fenómeno está, aliás,
historicamente comprovado, o desenvolvimento da agricultura, por
exemplo, foi acompanhado duma diminuição da população que
nela trabalhava, de modo a que o excedente de mão de obra
pudesse ser transferido para outros sectores. Num primeiro
momento criam-se efectivamente desempregados, mas este facto, só
por si, não basta para classificar o processo como, negativo.
Esta redução dos efectivos empregados constitui, aliás, um
momento fundamental do processo de desenvolvimento (Clark, 1988)
que, hoje em dia, nenhum economista põe em causa. A questões
que, devem, então, ser colocadas são, em primeiro lugar, para
que actividades serão transferidos os empregos perdidos no
sector secundário e, sobretudo, no sector terciário, em virtude
do progresso técnico, mais concretamente em consequência da
chamada revolução informacional, e em segundo lugar quanto
tempo demorará esta transferência.
Alguns, como D. Apter (1988), vêm neste processo o advento do
homem supérfluo ou, numa versão mais optimista, mas no limite
da utopia, a chegada da era do lazer, outros acreditam que novos
empregos surgirão, embora manifestem algumas dúvidas sobre a
capacidade que estes empregos irão revelar de substituir
plenamente aqueles que entretanto forem perdidos. B. Perret
pertence a este último grupo e é de opinião que a revolução
informacional não será mais destruidora de empregos que as
precedentes revoluções tecnológicas (Perret 1995, p 114).
Sublinha, no entanto, que se nesta revolução o trabalho, em
média, tornar-se-á mais qualificado, uma parte importante,
talvez até crescente, de empregos será dedicada a tarefas
relativamente ingratas e pouco qualificadas, incorporando pouco
ou nenhum progresso técnico. Este tipo de empregos beneficiaria,
contudo, duma grande capacidade de resistência, pois, em virtude
do fraco progresso técnico estariam submetidos a uma menor
substituição de trabalho por capital, e, dificilmente
deslocalizáveis, estariam protegidos da concorrência
internacional.
Mas de que tarefas se tratam? O próprio B. Perret (1995, p 113)
adianta algumas hipóteses, "tarefas de manutenção e de
limpeza, substituir um vidro partido, limpar os escritórios
durante a noite, ajudar a lavar os idosos impotentes, passar a
ferro os colarinhos das camisas, mudar os lençois nos quartos de
hotel, retirar os graffitis dos muros, libertar os passeios das
dejecções caninas, limpar as praias poluídas". Dada a
natureza destas tarefas, por vezes intituladas novas jazidas de
emprego, é legítimo interrogar-se sobre a coerência desta
tendência com o lugar que o paradigma de desenvolvimento
geralmente atribui à qualificação dos recursos humanos.
A este propósito F. Perroux afirmava que o desenvolvimento, na
ordem económica, podia ser apreendido em três níveis, o
último dos quais estipulava que "os recursos humanos, sob
todas as suas formas, têm sérias hipóteses de melhorar em
eficácia e em qualidade no seio de estruturações evolutivas.O
aparelho económico e social tornando-se mais possante e mais
complexo fornece produtos económicos e intelectuais em maior
número e mais requintados. Para os obter são necessários
agentes mais capazes e mais competentes. Por outro lado os
utentes e os clientes mostram-se mais exigentes em relação ao
volume e à qualidade. Segue-se um arrastamento do homem pelo
aparelho e do aparelho pelo homem num processo cumulativo"
(Perroux, 1981, p51). Tudo leva a crer, porém, que o requinte
alcançado pela sociedade informacional apenas dirá respeito a
uma parte da população, sendo a outra remetida para o que
Perret chama de zonas de sombra dos sistemas mais competitivos. O
próprio Perroux sublinha que, no processo de arrastamento, se
trata apenas de uma hipótese, pois é possível que o referido
processo se concentre, se condense e se feche sobre uma parte
apenas da população (Perroux, 1981, p 51).
Por outro lado, em virtude da fraca produtividade que se pode
esperar duma actividade que pouco ou nada beneficia do progresso
técnico, intui-se que as remunerações ligadas a estas
actividades não poderão acompanhar o ritmo de crescimento das
remunerações ligadas aos sectores mais competitivos, o que
contribuiria para acentuar a desigualdade na distribuição dos
rendimentos. Este hiato é, aliás, necessário à sobrevivência
destes empregos de serviços pois se uma hora da maioria destes
trabalhos pouco qualificados - e logo ao alcance de qualquer um -
fosse pago ao mesmo preço do que um trabalho qualificado não
haveria qualquer razão para que fizesse a sua entrada na esfera
mercantil. É neste sentido que A. Gorz (1993) fala dos novos
criados da sociedade salarial. Para evitar o aumento das
desigualdades poderíamos ser tentados a indexar as
remunerações destas actividades ao crescimento dos rendimentos
nos sectores competitivos, mas isso teria como consequência a
criação de um hiato entre o crescimento da produtividade global
e a evolução geral dos rendimentos, responsável de tensões
inflacionistas como sublinha J. Gautié (1993, p 189).
O resultado lógico deste processo é a dualização do mercado
de trabalho e da sociedade, que também era o corolário da
introdução de maior flexibilidade no mercado de trabalho. Um
outro espectro paira, ainda, sobre as sociedades desenvolvidas, o
do desperdício de recursos humanos qualificados e a consequente
frustração de projectos individuais e colectivos. Com efeito, o
sistema educativo deverá continuar, certamente, a entregar ao
mercado de trabalho indivíduos cada vez mais qualificados que,
em virtude duma exacerbação do desencontro entre a oferta e a
procura no mercado de trabalho, serão obrigados a permanecer
desempregados ou aceitar tarefas para as quais serão
manifestamente sobrequalificados. Este desperdício e esta
frustração contribuirão sem dúvida para acelerar o processo
de corrosão do edifício social que o desemprego se encarregara
de iniciar (ver reportagem de Catarina Féria no Público de 16
de Fevereiro de 1998).
3 - UMA REFLEXÃO SOBRE O PARADIGMA
A primeira reflexão sugerida pela dificuldade que a economia
parece evidenciar em criar emprego sem gerar em contrapartida uma
dualização da sociedade, poderá incidir sobre o próprio
paradigma. Com efeito, é admissível que o referido dilema, que
obriga a escolher entre o emprego e a dualização da sociedade,
decorra, não de uma agressão ao sistema, mas do seu próprio
aperfeiçoamento, colocando desde logo a questão do possível
esgotamento, ou insustentabilidade, do modelo de desenvolvimento,
assente ,como já se defendeu, no pacto social enunciado por H.
Hude.
A crítica ecológica foi das primeiras a colocar claramente a
questão da insustentabilidade do modelo de desenvolvimento.
Assim, os ritmos do consumo de recursos naturais não renováveis
e da produção de resíduos não assimiláveis pelo meio
ambiente provavam a existência, não só de limites à
universalização deste modelo, mas também de horizontes
nítidos à sua durabilidade. Esta constatação provocou várias
reacções cujos extremos pessimista e optimista, defendiam, para
o primeiro, que se deveria travar o crescimento e logo pôr em
causa o processo global de desenvolvimento, e, para o segundo,
que era necessário ter confiança no sistema pois, como sempre,
a seu tempo, seria encontrada uma solução. A ideia de
desenvolvimento sustentável nasceu, assim, duma espécie de
compromisso, teórico e político, que defendia ser possível
continuar o processo de desenvolvimento, e logo o crescimento,
adoptando em contrapartida medidas de protecção ambiental que
se assumiam, apesar de tudo, como uma clara restrição ao modelo
de desenvovlimento tradicional. Com a progressiva tomada de
consciência da ameaça à sobrevivência da sociedade, mais do
que à da espécie humana, esta restrição, ou conjunto de
restrições, deixou de ser entendida apenas como tal e entrou de
corpo inteiro para o seio do paradigma, mesmo se, na prática, a
maioria dos agentes económicos ainda não a tenham incorporado
no seu comportamento.
Assim, se os ecologistas alertam para o esgotamento do modelo de
desenvolvimento quando invocam a depauperação dos recursos
naturais e a irreversibilidade de certos prejuízos causados ao
meio ambiente, o dualismo social, que promovem, tanto o
desemprego estrutural como as principais tentativas ensaiadas
para o resolver, faz o mesmo, alertando para a fragilização do
pacto social e para a desagregação social. Por seu turno,
existência de desemprego põe claramente em causa duas das
condições do pacto social, como são a obrigação de trabalhar
e o direito ao trabalho.
Alguns admitem que o alargamento do conceito de trabalho ao de
actividade socialmente útil, o mesmo é dizer que trabalhar não
significaria apenas a ocupação dum emprego remunerado,
constitui, simultâneamente, uma solução ao problema do
desemprego e um novo tipo de relação económica. A economia
não mercantil, assente sobretudo no voluntariado, que ocupa já
hoje muita gente, teria, assim, uma grande margem de progressão,
autorizando, então, algum optimismo quanto à sua capacidade de
absorver desempregados. Esta recuperação da esfera não
mercantil no seio duma economia cada vez mais mercantil nos seus
segmentos mais dinâmicos não constitui, no entanto, nenhuma
inovação, significa sobretudo a possibilidade para a economia
de vir a beneficiar de serviços gratuitos, o que constitui, isso
sim, um aprofundamento da lógica tradicional, isto é a busca da
produção dum máximo de riqueza com um mínimo de custos.
O aumento da pobreza relativa e absoluta que subjaz ao dualismo
social, põe em causa outra condição do pacto social, o direito
de viver, isto é o acesso aos bens necessários. J. P. Fitoussi
afirmou em Lisboa no Seminário sobre a Europa Social que
decorreu em Maio de 1997 que, a manter-se o actual esquema de
evolução da economia, a Europa só poderia continuar a
enriquecer se uma parte não negligenciável da sua população
consentisse em continuar a empobrecer. Ora uma sociedade
democrática não tardará, certamente, em recusar um modelo de
desenvolvimento que se apresente com este rosto.
Na sombra deste debate esconde-se provavelmente a questão, mais
profunda, da finalidade do acto económico em geral, e do
desenvolvimento económico em particular, assim como do papel que
o homem deve desempenhar nesse processo. Para R. Passet a
economia teria, justamente, evacuado do seu domínio o problema
do seu fim (1979, p 229) o que a teria levado a confundir os
meios e os fins. Os meios, o mercado, o crescimento, teriam,
então, paulatinamente ascendido ao estatuto de finalidades. O
objectivo de melhoria da qualidade de vida das populações, por
intermédio do crescimento económico, que é suposto colocar à
disposição dos indivíduos uma maior quantidade e uma maior
diversidade de bens e serviços, seria abandonado em prol de
objectivos como determinada taxa de crescimento ou determinado
grau de liberdade das forças do mercado, independentemente da
qualidade de vida das pessoas, considerada como um resultado
entre outros.
Não se trata, contudo, de suprimir o crescimento económico, ou
de reprimir a liberdade do mercado, mas tão só de estipular
para que servem, a quem devem servir e em que condições devem
ter lugar. O paradigma dificilmente responde a estas questões.
É que confundindo os meios e os fins, a economia, aqui a
economia de mercado, ganha autonomia em relação à sociedade e
acaba por lhe submeter os seus objectivos próprios. Já não
compete, portanto, à economia de mercado servir os interesses da
sociedade, mas sim o inverso. É esse o entendimento de K.
Polanyi (1983, p 88) quando afirma que "uma vez que a
economia se organiza em instituições separadas, fundadas em
móbeis determinados e conferindo um estatuto especial, a
sociedade deve tomar uma forma tal que permita a este sistema
funcionar segundo as suas próprias leis". Neste processo o
desenvolvimento perde o seu sentido, a sua razão de ser, pois,
como diria Sismondi, de novo, "uma ciência que diz respeito
somente aos meios para aumentar a riqueza sem estudar o
propósito de tal riqueza é uma ciência falsa" (Denis,
1976).
A ideia de desenvolvimento sustentável pretende, pelo
contrário, impor ao sistema económico e ao desenvolvimento as
leis da vida, contrariando a visão habitual de que existe
obrigatoriamente um preço elevado a pagar pelo progresso e cuja
determinação escaparia à vontade humana. Uma vez mais, não se
trata, de obrigar ao abandono da lógica da economia, mas de
delimitar a esfera de acção das suas leis e das suas
instituições. Esta delimitação, por outro lado, apoiar-se-ia
numa escolha de sociedade, numa escolha política, afinal, não
querendo com isso dizer que deva obrigatoriamente ser sufragada
em processos de consulta popular.
A dualização da sociedade, que o desemprego e o
seu tratamento promovem, levanta uma questão semelhante.
Admitindo que assim é, dever-se-á, então, delimitar a esfera
de acção das leis e das instituições económicas no seu
tratamento do recurso humano, tal como o desenvolvimento
sustentável o faz no que concerne ao seu tratamento do recurso
natural e construir, assim, um conceito de desenvolvimento
socialmente sustentável, no qual a lógica económica pode, e
deve, ser a expressão do primado da escolha de sociedade, isto
é do primado da política. Seria talvez um pouco prematuro
descortinar no recente movimento social dos desempregados
franceses e alemães, assim como no apoio que parecem encontrar
junto da maioria da população, os sinais da legitimação
política de uma restrição social ao modelo de desenvolvimento,
mas não deixa de ser mais um testemunho de uma interrogação
profunda sobre o papel da economia, que já transparecia no
sucesso editorial de V. Forrester (1996), o ensaio com o título
ilustrativo de "O Horror Económico". G. Sorman (1987)
defendeu que o sub-desenvolvimento se caracterizava sobretudo
pela prioridade dada ao político em relação ao económico, um
conceito de desenvolvimento socialmente sustentável, pelo
contrário, pretenderá recuperar o carácter fundamentalmente
político do processo de desenvolvimento.
4 - DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL AO DESENVOLVIMENTO
SOCIALMENTE SUSTENTÁVEL, QUE TEORIA E QUE INSTRUMENTOS?
O princípio director da ideia de desenvolvimento sustentável,
tanto do ponto de vista ambiental como do ponto de vista social,
não é o de pôr em causa o desenvolvimento mas sim o de
garantir a sua durabilidade, isto é de preservar,
simultaneamente, o crescimento económico, a qualidade ambiental
e o pacto social. Enquanto existirem populações que estimem
não ter ainda satisfeito todas as suas necessidades - por
definição impossível - e sobretudo as necessidades mais
básicas, seria extremamente injusto pôr em causa o crescimento
económico, salvo se se proceder a uma outra repartição da
riqueza à escala mundial. O aumento da produção alimentar, por
exemplo, constitui uma prioridade, não tanto para erradicar a
fome pois isso seria possível sem aumentar a produção mundial,
bastando para tal modificar o acesso de grande parte da
população aos alimentos (Ferrão, 1990), mas sobretudo para
alimentar correctamente uma população que insiste a crescer e
que poderá atingir 10 mil milhões de almas (Klatzmann, 1983).
Que se entende então por desenvolvimento ambientalmente
sustentável? No final dos anos oitenta F. Hatem teria recenseado
aproximadamente sessenta versões diferentes do conceito
(Latouche, 1995, p 121) demonstrando, assim, a dificuldade de
falar do desenvolvimento sustentável no singular. Isso não
impede que todas estas definições partilhem uma filosofia comum
que pode ajudar à definição do conceito de desenvolvimento
socialmente sustentável. Na definição mais utilizada, a do
Relatório Brundtland, diz-se que o desenvolvimenro sustentável
é aquele que satisfaz as necessidades do presente sem
comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer as
suas (World Commission on Environment and Development, 1987, p
43). O desenvolvimento socialmente sustentável poderá então
ser aquele que assegura o crescimento sem pôr em causa o pacto
social assim como o seu apêndice, a coesão social. A coesão
social, ou dito de outro modo a durabilidade do agrupamento
humano, exigiria, por seu lado, a realização de três
condições, segundo Y. Bresson (1993, p 12). Em primeiro lugar a
integração, cada um deve ter o sentimento e os meios de se
reconhecer como participante da comunidade, em segundo lugar, a
diferenciação, para ser personalizado, cada um deve, na
organização, existir enquanto indivíduo, e finalmente, a
segurança, cada um deve beneficiar duma salvaguarda comum contra
os riscos da vida.
Preservar o pacto social não significa manter o statu quo
social, ou a forma de organização da produção e da sociedade,
não quer dizer preservar o capitalismo ou qualquer outro
sistema. Pode-se deduzir claramente que os três pilares da
vertente económica, enunciados por H. Hude, o direito de viver,
a obrigação de trabalhar e o direito ao trabalho, não
subentendem qualquer sistema económico e social desde que se
trate duma sociedade livre. A preservação do pacto social
implica sim a imposição duma restrição ao sistema económico,
ficando este livre de maximizar os seus próprios objectivos sob
a referida restrição. O mesmo se pode dizer em relação à
coesão social.
A definição da sustentabilidade social passa ainda pela
identificação dos riscos que corre o pacto social e a sociedade
em virtude da existência do dualismo social ou de qualquer outra
ameaça. Do mesmo modo que é possível, embora difícil,
quantificar os estragos potenciais que podem ser causados, por
exemplo, à camada de ozono, ou à qualidade das águas e dos
solos, por práticas económicas não sustentáveis, com o
intuito de indicar os limites inultrapassáveis da agressão
ambiental, deveria ser possível traçar a fronteira entre a
sustentabilidade e a insustentabilidade social, das mesmas
práticas económicas. Admitindo que o desemprego residual possa
ser considerado um sintoma de mobilidade social, a desigualdade
um incentivo e um meio de afirmação individual e a pobreza uma
virtude pedagógica, o perigo de insustentabilidade social
manifestar-se-á apenas quando estes fenómenos ultrapassarem
determinados níveis. Quais são então os limites máximos
suportáveis do desemprego, da desigualdade social ou da taxa de
pobreza, a partir dos quais se coloca o risco de
insustentabilidade social, isto é de ruptura do pacto social e
de desmoronamento da sociedade livre?
Para calcular os impactes ambientais existem metodologias que
permitem identificar os patamares de ruptura dos sistemas
ecológicos, do ponto de vista social a transposição desta
lógica seria na óptica da sustentabilidade social um processo
fundamental. Admitindo que seja possível detectar esses
patamares de ruptura social, a resposta dos sistemas sociais não
serão certamente as mesmas em todo o lado. Cada sociedade
valoriza os elementos do pacto social de maneira diferente.
Assim, nos Estados Unidos, a capacidade de resistência a um
aumento do desemprego seria menor do que a capacidade de
resistência a um aumento da desigualdade social ou da pobreza,
por razões que A. Sen (1997) radica na ideossincrasia cultural
deste país.
A ser assim, uma determinada taxa de desemprego poderia ser
considerada suportável na Europa e não o ser nos Estados
Unidos. À questão cultural juntam-se ainda as instituições e
os mecanismos reguladores da economia, de modo que se torna
difícil determinar se é a taxa de desemprego que é
insuportável ou a ausência, nos Estados Unidos, por exemplo, de
mecanismos compensadores da privação de emprego nos moldes
daqueles que existem na Europa. A resistência à desigualdade
também seria diferente. A própria interpretação da
desigualdade é diferente, havendo nos Estados Unidos, ou na
cultura anglo-saxónica, uma tendência para interpretar a
equidade como uma situação fundamentalmente de partida enquanto
que na Europa, continental diríamos agora, a equidade seria
vista como uma maior igualdade à chegada. Estas diferenças
concorrem, assim, para a dificuldade em definir uma
sustentabilidade social comum como, de certo modo, se pode
definir uma sustentabilidade ambiental relativamente universal.
Essa dificuldade, no entanto, não deverá comprometer a
percepção do conceito. Ainda que não as consigamos apreender e
quantificar de modo compatível com um tratamento científico,
pressente-se que existem agressões ao pacto social que são
susceptíveis de pôr em causa a sociedade livre. O discurso,
frequente, que estabelece uma correlação entre a recessão na
Alemanha do final dos anos 20 e do princípio dos anos 30 e a
ascensão do nazismo, introduz, sem o dizer, o conceito de
sustentabilidade social, a própria definição das políticas do
chamado Estado Providência, no seguimento da 2ª Guerra Mundial,
também. Pode-se mesmo dizer que estas políticas foram um dos
garantes da sustentabilidade social de que o modelo de
desenvolvimento gozou nesse período. Curiosamente, ou talvez
não, o desemprego e a desigualdade na distribuição do
rendimento constituíam os dois vícios do sistema económico que
se procurava corrigir. É o próprio Keynes que o afirma (1979).
Numa altura em que o tipo de intervenção do Estado que
caracteriza o Estado Providência parece posto em causa, ainda
que de modo nem sempre plenamente justificado, que instrumentos
de sustentabilidade poderão substituir os antigos. Se algo ficou
claro após as grandes convulsões dos anos oitenta, com a crise
do Estado e a queda das economias planificadas, é que o mercado
adquiriu definitivamente o estatuto de mecanismo económico
fundamental, mas, como advertem M. Beaud e G. Dostaler (1996),
seria uma loucura mortífera encarregá-lo de tudo resolver.
Partindo, pois, deste princípio o objectivo da reflexão que se
segue consiste em averiguar da transferabilidade dos mecanismos
elaborados pelo desenvolvimento ambientalmente sustentável para
o desenvolvimento socialmente sustentável. Entre esses
mecanismos encontram-se o princípio do poluidor pagador e a
chamada fiscalidade verde. Para muitos estes princípios estão
longe de constituir os instrumentos ideais dum verdadeiro
desenvolvimento sustentável, contudo representam um primeiro
esforço de internalização das restrições ambientais. Será,
então, possível definir um princípio do desempregador pagador
e uma fiscalidade social como instrumentos da sustentabilidade
social?
O princípio do poluidor pagador estabelece que a empresa que
polui seja punida pela sociedade, isto é pelo Estado, que a
obriga a pagar uma multa. O objectivo consiste em pesar nos
custos da empresa com o intuito de ameaçar a sua
competitividade. A resposta racional esperada da parte da empresa
é a não poluição desde que o sobrecusto da poluição, a
multa, seja superior ao sobrecusto da não poluição, os
investimentos necessários em tecnologia limpa. A primeira
contrariedade advém do facto deste princípio pressupor o
funcionamento da economia num quadro concorrencial, nem sempre
realista, caso contrário a multa é incorporada no preço dos
bens produzidos, imputando desse modo o custo da infracção ao
consumidor final. A esta dificuldade acrescentam-se ainda a
complexidade da fixação dos níveis de poluição susceptíveis
de causar estragos irreversíveis no meio ambiente e do cáculo
da própria multa, em virtude da quase impossibilidade por parte
do mercado em valorizar correctamente o bem ambiente através dos
mecanismos tradiconais.
A fiscalidade verde representa um modo mais operacional de
modificar o comportamento dos agentes económicos que põem em
causa o meio ambiente, fundamentalmente porque não exige um
cálculo tão complexo dos estragos causados. Assumindo, por
exemplo, que grande parte do efeito de estufa é provocado pela
emissão de gases que resultam dos diferentes sistemas de
produção e de consumo de energia, o imposto verde, neste caso,
incide sobre o consumo de energia, pretendendo-se com ele
incentivar um uso mais sustentável dessa energia. Por outro
lado, a fiscalidade verde não permite só a repressão das
acções negativas para o meio ambiente, proporciona também a
recompensa das atitudes que, pelo contrário, contribuem para a
sua protecção e para o desenvolvimento sustentável, através
de subsídios ou de benefícios tributários.
Para que estes mecanismos possam ser incluídos na panóplia de
intrumentos da intervenção pública em favor da
sustentabilidade social seria necessário, em primeiro lugar,
identificar o agressor e a agressão à sustentabilidade social,
isto é identificar os comportamentos das empresas que são
susceptíveis de causar estragos ao pacto social e à coesão
social, quantificar esses estragos e as compensações a exigir
delas, e em segundo lugar definir quais as atitudes favoráveis
à sustentabilidade social, que, ao invés, seriam tributárias
duma recompensa.
Tome-se o exemplo do desemprego. Quais os comportamentos que
estão na origem do desemprego e quais os que não estão? Criar
e destruir postos de trabalho, no curto prazo, não pode, por si
só, servir esse propósito. Como já foi referido anteriormente
existem destruições de emprego normais no processo de
desenvolvimento, porém outras existem que procedem duma lógica
de insustentabilidade social. A dificuldade reside na distinção
entre os dois tipos de destruição de emprego a curto prazo.
O ex-chanceler alemão Helmut Schmidt defendeu nos anos setenta
que os lucros de então eram os investimentos do amanhã e estes
os empregos do depois de amanhã (Le Monde, 6 de Julho de 1976).
Dito de outro modo, o ex-governante estaria a defender a ideia de
que a competitividade das empresas, no curto prazo, é o garante
dos empregos no longo prazo. Esta é também a lógica que
decorre do paradigma dominante. Assim, um comportamento tendente
a melhorar o lucro da empresa, um downsizing por exemplo, isto é
uma redução substancial do nível do emprego numa empresa ou
instituição, seria bem-vindo para defender este mesmo emprego.
A CBS News do dia 26 de Dezembro de 1995 (citado por S. Halimi no
Le Monde Diplomatique de Fevereiro de 1996) relata o seguinte:
" os empresários dirigem preocupando-se exclusivamente com
os seus accionistas: é preciso aumentar a taxa de lucro. O meio
mais simples? Suprimir milhares de empregos. Alguns exemplos: 3M
(
) anuncia 5000 despedimentos, a cotação da acção sobe
de imediato de 2,62 dólares, o que faz aumentar de uma só vez o
valor da empresa em mais de mil milhões de dólares".
Apesar do bom senso no qual se pretende que acreditemos, este
tipo de comportamentos dificilmente pode constituir um exemplo
duma acção socialmente sustentável, tanto mais que
aparentemente os seus objectivos imediatos nem sempre foram
atingidos, pois, como transparece dum estudo da Mercer Management
Consulting (citado por S. Halimi no Le Monde Diplomatique de
Janeiro de 1997), apenas 27% das 131 empresas estudadas que
tinham realizado um downsizing haviam expandido as suas
actividades e aumentado o seu lucro. Outros despedimentos não
permitem, no entanto, o mesmo julgamento. É por vezes
necessário perder empregos para salvar outros e os parceiros
sociais estão por vezes de acordo sobre este ponto. No sentido
inverso, como traçar o perfil da empresa cidadã, ou seja aquela
que asseguraria o pacto social e a coesão social? Esta tarefa é
pelo menos tão complexa como a de identificar a empresa que se
comporta de modo socialmente insustentável. Vamos, no entanto,
supor que esta dificuldade é ultrapassável. Que instrumentos de
sustentabilidade social podem ser imaginados, partindo da
experiência da sustentabilidade ambiental.
A proposta de J. Tobin de uma taxa sobre as transacções
cambiais (Warde, 1997), feita em 1972, para permitir aos governos
a recuperação da sua autonomia no âmbito da política
macro-económica, pode inspirar uma acção no domínio da luta
contra o desemprego, numa óptica de desenvolvimento socialmente
sustentável. Assim como o objectivo de Tobin era o de limitar a
proliferação dos investimentos especulativos, uma taxa aplicada
às mais valias bolsistas obtidas com o recurso a operações de
downsizing poderia limitar a prática desta política com o
propósito exclusivo de recolher rendimentos financeiros. Para
além de incentivar uma limitação deste tipo de comportamento,
os rendimentos obtidos serviriam ainda para alimentar intrumentos
incitativos da sustentabilidade social.
O economista francês P. Artus, insuspeito de tentações
persecutórias em relação às empresas pois pertence aos
quadros da Caisse des Dépots et Consignations, equivalente
francês da Caixa Geral de Depósitos, propõe mesmo que as
empresas cujo lucro tenha aumentado mas que não tenham operado
uma redistribuição consubstanciada numa criação de empregos,
deveriam ser especialmente tributadas, os rendimentos obtidos
através deste imposto seriam então utilizados para criar
empregos pouco produtivos (Boissard, Vittori, 1995). Uma primeira
leitura de propostas deste tipo provocará certamente alguns
esgares à maioria dos economistas tendo em conta que as
intervenções voluntaristas não são muito bem vistas, para
mais quando envolvem impostos. A questão essencial que se põe a
uma intervenção deste tipo, porém, não diz tanto respeito à
sua legitimidade como à sua discricionaridade, isto é, mais
importante do que saber se é legítimo aplicar estas taxas é
saber a quem elas devem ser aplicadas, de modo a sancionar
unicamente os comportamentos socialmente insustentáveis.
A outra vertente da fiscalidade social diz respeito aos
incentivos atribuidos às empresas que tenham comportamentos
favoráveis à sustentabilidade social. De certo modo existem já
instrumentos inspirados numa fiscalidade verde, tais como ajudas
à inserção de determinados grupos de desempregados, como os
jovens, concretamente subsídios ao novo emprego ou aos salários
pagos pelas empresas a novos trabalhadores. Os resultados são,
no entanto, pouco animadores. Não só não criam emprego em
grande quantidade como podem até constituir um desperdício de
recursos para o Estado.
Com efeito podem registar-se aquilo a que chamaremos efeitos de
substituição e de oportunidade. Isto é, no primeiro caso, é
possível que a empresa despeça trabalhadores, ou não renove
contratos a termo certo, para depois contratar desempregados que
lhe permitam beneficiar dos subsídios. Este tipo de
comportamento é contraditório com os objectivos fundamentais
das políticas de subsídios mas é relativamente fácil de
evitar desde que existam cláusulas que especifiquem que as
empresas que beneficiem dos subsídios não possam despedir
trabalhadores num determinado horizonte temporal e também o não
tenham feito durante um determinado lapso de tempo antes de
aderir ao sistema. Mais difícil é apreciar os segundos efeitos
referidos, que significam que a empresa teria normalmente
contratado mais trabalhadores, independentemente da existência
ou não de incentivos dirigidos para esse objectivo, obtendo,
então, um prémio injustificado. O Estado neste caso financia,
não o emprego, mas lucros extraordinários para a empresa. O
próprio ex-primeiro ministro francês Alain Juppé, em Maio de
1995, lembrava a propósito do contrat initiative-emploi, que
este tipo de política assentava num contrato entre a
colectividade e as empresas, e acusava-as de não terem assumido
a parte que lhes cabia (Le Goff, p 1996).
À primeira vista estas medidas enquadram-se numa perspectiva de
sustentabilidade, pois propõem-se recompensar as empresas que
criam emprego e que, portanto, participam na preservação do
pacto social. Uma análise mais profunda revela, contudo, que
estes subsídios interferem sobretudo no custo da mão de obra,
isto é, o subsídio ao emprego de um jovem, ou uma
comparticipação no salário que ele aufere, contribui sobretudo
para reduzir o custo do factor trabalho. Sendo assim, a lógica
subjacente a esta intervenção não difere muito da
interpretação clássica do restabelecimento do equlíbrio no
mercado de trabalho, que determina que o excedente de factor
trabalho é absorvido quando o seu preço decresce.
Assim, qualquer intervenção no sentido de baixar os custos do
trabalho, recorrendo a subsídios ao emprego financiados pelo
erário público, resulta sobretudo numa repartição do
rendimento mais favorável ao capital, em detrimento do trabalho.
Este processo entende-se facilmente quando se sabe que o
essencial da tributação incide sobre os rendimentos do
trabalho. A maior responsabilidade da manutenção dum nível de
emprego compatível com a sustentabilidade social caberia,
então, àqueles que têm um emprego, o que constitui uma
interpretação típica da teoria dominante. Os principais
inimigos dos desempregados seriam então os próprios empregados,
e desde logo caber-lhes-ia, logicamente, uma maior
comparticipação nos custos da resolução do desemprego. A
responsabilidade da sustentabilidade social deve ser partilhada
de modo mais equitativo, e incidir sobretudo numa nova lógica de
tratamento do recurso humano, isto é na ultrapassagem da
concepção puramente mercantil do trabalho. Do mesmo modo que a
fiscalidade verde pretende recompensar as empresas que modifiquem
a sua relação com o meio ambiente no sentido da sua
preservação, também a fiscalidade social, deveria promover
outra relação do acto produtivo com o ser humano, e não apenas
contentar-se em lhe reduzir artificialmente o custo
As medidas que uma política fiscal virada para a
sustentabilidade social deveria apoiar dizem respeito a novas
formas de inclusão do trabalho na actividade, sejam processos de
redução do horário de trabalho ou de partilha voluntária de
trabalho ou, ainda, investigação e desenvolvimento tecnológico
ao serviço da valorização dos saberes e das competências
humanas e não apontada para a sua substituição (Petrella,
1995), etendendo, globalmente, para a desmercantilização do
trabalho de modo a apreender o factor humano, não como um
simples instrumento, mas como a finalidade do acto produtivo.
Este conjunto de orientações são obviamente vagas e algo
tingidas de utopia e não prefiguram um conjunto concreto de
medidas políticas, a sua apresentação destina-se unicamente a
balizar o trajecto que entendemos que um modelo de
desenvolvimento socialmente sustentável, resolutamente oposto a
políticas que assentem na simples desregulamentação do mercado
de trabalho orientada para a redução do custo deste factor,
deverá seguir.
Dir-se-á que estas orientações configuram uma restrição
insuportável para a economia no quadro da globalização dos
mercados. Com efeito, neste quadro, o resultado destas
restrições seria a diminuição drástica da competitividade
das empresas e logo uma redução da sua capacidade empregadora,
uma crítica à qual não escapam, aliás, as restrições
impostas pelo desenvolvimento ambientalmente sustentável. A
contra-argumentação assenta em duas ideias, sendo a primeira
que muitas empresas internalizaram relativamente bem as
restrições ambientais, e que do ponto de vista global pensa-se
que estas restrições ao invés de destruirem emprego
proporcionarão a criação de novos postos de trabalho (Bermejo,
1994), e a segunda que as empresas ao recensearem os seus
encargos esquecem-se de contabilizar os custos inerentes a uma
sociedade entregue ao totalitarismo e à demagogia, cujos sinais
precursores são suficientemente visíveis para evitar o recurso
à futurologia. C. Lévi-Strauss afirmou o seguinte a propósito
da ligação entre o desenvolvimento económico e a democracia,
"A liberdade não é uma invenção jurídica nem uma jóia
filosófica propriedade de civilizações mais dignas que outras
pois só elas saberiam produzi-la e preservá-la. Ela resulta
duma relação objectiva entre o indivíduo e o espaço que ele
ocupa, entre o consumidor e os recursos de que ele dispõe. Seria
necessária muita ingenuidade ou má fé para pensar que os
homens escolhem as suas crenças independentemente da sua
condição. São as formas de existência que dão sentido às
ideologias que as exprimem" (Lévi-Strauss, 1955). Que
ideologia nascerá então duma forma de existência que consagra
a exclusão e a irresponsabilidade sociais?!
Admitindo que, dadas as condições em que a economia opera, este
tipo de intervenção não seja exequível num futuro próximo,
pode o mercado iniciar uma mudança de comportamentos que
prefigure uma sustentabilidade social, mais suportável, a curto
prazo, para as empresas? Algumas experiências dão conta das
possibilidades mas também dos limites de uma aproximação
apoiada unicamente na lógica do mercado.
Os consumidores estão progressivamente mais conscientes, não
só da necessidade de adquirir bens cujo processo de produção,
e seu posterior consumo, se esforce por mitigar os efeitos
ambientais, mas também da importância de consumir produtos mais
sãos, nomeadamente quando destinados à alimentação.
Consequentemente estão dispostos a pagar preços mais elevados
por esses produtos em troca de garantias de qualidade e de
compatibilidade ambiental. Com efeito, os produtos que beneficiam
de eco-labels formam um mercado em plena expansão, apesar de
ainda representarem uma minoria das trocas realizadas. Pode-se,
por isso, pensar que os mesmos consumidores estariam dispostos a
aceitar preços mais elevados para produtos que beneficiassem de
um social-label, ou sejam bens cujo processo de produção
envolveria um compromisso com a sustentabilidade social.
Não existem muitas experiências que permitam inferir esse tipo
de comportamento por parte dos consumidores mas J.Decornoy (1996)
e D. Brand e R. Hoffmann (1994) relatam a existência de
associações que promovem a realização de trocas
internacionais ditas equitativas. Assim, sob a denominação de
fair trade existem importadores, nomeadamente na Holanda e na
Suiça, que impõem condições aos produtores do terceiro mundo
tais como uma justa retribuição do trabalho, o respeito pelo
ambiente, ou a orientação dos benefícios em proveito de
investimentos produtivos criadores de emprego. Estes consumidores
aceitariam, então, pagar esses produtos a preços mais elevados
que os de produtos equivalentes mas distribuídos através dos
circuitos normais.
Em primeiro lugar, os produtos trocados sob este label são
escassos e ocupam uma também escassa fatia de mercado, mas têm,
no entanto, o mérito de mostrar que, tal como para os
eco-produtos, existe uma margem para a expressão duma
preferência social do cidadão, diferente da preferência
típica da ciência económica que apenas contempla a reacção
à variação dos preços e, por vezes, à diferenciação do
produto em termos de qualidade. Do mesmo modo que a preferência
por produtos limpos procede do progresso da educação ambiental
também os produtos fair trade exigem uma educação política e
ética, que apesar da crença numa progressiva despolitização
da população europeia, dá sinais de alguma sedimentação.
Resta saber se esta consciência socialmente sustentável se pode
concretizar em atitudes como as que inspiram o comércio fair
trade, ou seja se a população em geral está disposta a pagar
mais caro por um conjunto bastante mais alargado de bens e
serviços, exprimindo por aí uma clara preferência política e
social.
5 - CONCLUSÃO
Depois de, em muitos locais deste planeta, ter permitido ao Homem
libertar-se da servidão que constituía a sua sobrevivência
fisiológica, abrindo caminho para a eclosão duma era de bem
estar, de liberdade e de realização pessoal, parecem existir
alguns indícios que levam a crer que o sistema económico, no
quadro do actual paradigma, deixou de ser capaz de assegurar a
durabilidade deste processo. Enquanto se assiste a um possível
esgotamento do modelo, admitindo que esta crise não tem por
origem uma qualquer quebra da sua eficácia - antes constitui o
culminar da sua lógica dado que nunca o sistema produziu tanta
riqueza com tão poucos recursos humanos empregues - grande parte
da humanidade desespera de poder um dia aceder a esse estado de
libertação.
A crítica ecológica tinha mostrado os primeiros limites do
modelo no sentido em que a prazo, enfrentaria um esgotamento dos
recursos e um ambiente impróprio à vida. Os elevados níveis de
desemprego e a sua persistência, assim como as políticas
propostas para o combater, perecem revelar uma outra fonte de
esgotamento do modelo. Com efeito, a incapacidade em resolver o
desemprego, sem agravar a pobreza e a desigualdade, está na
origem duma dualização da sociedade que ameaça o modelo de
desenvolvimento com a desintegração do pacto social sobre o
qual se apoiou. A marginalização duma parte significativa da
sociedade poderá levar não só à recusa do desenvolvimento,
considerado, então, injusto, mas também ao esboroamento da
democracia, se este processo viesse a ser considerado como
inelutável, conduzido por forças supra-humanas, independentes
da vontade popular.
Será possível definir um desenvolvimento socialmente
sustentável, tanto do ponto de vista conceptual como do ponto de
vista instrumental, tal como tem vindo a ser feito desde há
alguns anos com o desenvolvimento sustentável na perspectiva
ambiental? A questão é delicada pois vários obstáculos se
levantam à exequibilidade dum projecto deste tipo. A evolução
rápida da ciência económica fez dela um formidável
instrumento de melhoria da vida dos homens, tanto que, certamente
deslumbrados por estes feitos, não hesitaram em colocar a sua
razão sob o domínio da racionalidade económica, donde esta
sensação difusa, mas cada dia mais concreta, de que a economia
paira sobre as nossas cabeças como os grandes mistérios da
natureza, de que ela está acima das nossas vontades, e teríamos
então medo da economia como dum tremor de terra ou duma
irupção vulcânica. O desenvolvimento socialmente sustentável
deverá promover um outro tipo de relação do humano com o
económico, afirmando o primado da escolha democrática sobre a
lógica da competitividade, isto é o primado da finalidade sobre
o instrumento, o mesmo é dizer o primado do político sobre o
económico, e promover a transição de uma economia mandante
para uma economia mandada, como afirma R. Hamrin (1989, p 611).
Para isso a economia deve recuperar o seu sentido, a sua
finalidade, ditado pela escolha democrática, o que exige a
reinvenção de instituições cuja lógica se possa sobrepor à
do tudo mercado. Estas ideias não são novas. O desafio actual
é inventar os instrumentos para esta lógica sob pena de se ter
de concluir como Sismondi, mais uma vez, "confesso que
depois de ter indicado onde está em meu entender, o princípio
em que reside a justiça, não sinto força alguma para encontrar
os meios da sua execução" (Denis, 1976).
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