Para uma sociologia da cultura económica em Portugal: o caso da "Geração de 70" |
Dos economistas, ou dos autores que mais persistentemente
escreveram sobre temas de economia politica, espera-se que sirvam
como fonte primária para estudos de natureza histórica acerca
dos modos de funcionamento da economia, com toda a variedade de
problemas que lhe estão associados. Admitir que para tal revelam
maior vocação ou apetrechamento técnico não significa,
porém, considerar que são eles os únicos detentores dessa
prerrogativa.
Este é o ponto de partida da presente comunicação que procura
chamar a atenção para a existência de fontes complementares ou
alternativas de produção de literatura económica, graças às
quais é possível um conhecimento mais completo dos processos de
representação e captação cognitiva de problemas de índole
económica. A análise incidirá sobre um período histórico
determinado (último quartel do século XIX), tendo por base as
obras dos autores da chamada "Geração de 70" (com
especial destaque para Antero de Quental, Eça de Queiroz e
Oliveira Martins).
A ideia básica a desenvolver é a de que, para o período e
autores em análise, se registaram processos de divulgação e de
popularização de saberes económicos que alargaram o público
interessado em questões de economia política. O ensino técnico
e universitário, a actividade das associações profissionais,
os debates parlamentares, as colunas dos jornais, foram veículos
importantes dessa sociabilização e familiarização com novos
saberes. Mas um papel crucial foi também desempenhado por essa
plêiade notável de escritores, ensaístas e intelectuais
militantes que, devido à amplitude dos seus horizontes e
auditórios, ajudaram à formação de uma cultura económica ao
alcance de todos, possibilitaram a transformação de uma cultura
económica supostamente erudita numa linguagem acessível à
cultura média de senso comum.
Nos finais do século XIX, a economia política soube e pôde
conquistar a sua validação intelectual graças aos esforços
dos não-economistas que dela se socorreram como instrumento de
compreensão da sociedade em que viveram. Porque cada vez mais se
generalizava a convicção de que, para o bem ou para o mal,
qualquer sociedade tinha que se acostumar à ideia de que não
podia prescindir da missão educadora desempenhada pelos
conhecedores de economia política.
O ensaísmo ético-filosófico de Antero de Quental, a ficção
literária de Eça de Queiroz e a prosa histórico-política de
Oliveira Martins oferecem uma vasta gama de anotações e
referências comprovativas do lugar central que a economia
política ocupava na "tertúlia ocidental" de finais de
oitocentos. Percorrendo as suas obras, procuraremos documentar a
sua cumplicidade activa com a ordem lógica do discurso dos
economistas
José Luís Cardoso-Docente
do ISEG / UTL