1. Enquadramento geral: cultura, economia e espaço urbano
1.1. As actividades culturais na economia contemporânea
A importância dos bens e serviços culturais na actividade
económica é hoje indiscutível. Numa sociedade caracterizada
pela facilitação da circulação da informação, pelo aumento
progressivo do sector dos serviços e pela crescente
desmaterialização dos bens e da produção, o conhecimento, a
criatividade e o saber tornaram-se a base das novas actividades
e, particularmente, daquelas susceptíveis de criarem maior
riqueza e de melhor capacitarem para o desenvolvimento.
Paralelamente, os valores estéticos e simbólicos, bem como os
atributos culturais e semióticos dos bens e serviços consumidos
têm nas sociedades actuais uma relevância crescente.
As actividades ligadas à cultura (na sua diversidade, desde as
"indústrias culturais" mais tradicionais, como a do
livro ou a discográfica, às mais recentes indústrias de
conteúdos, como o multimédia, ou desde os sectores
transformadores fortemente relacionados com as actividades da
cultura - equipamentos, suportes,...-, às formas artísticas
mais artesanais ou mais directamente ligadas à criação - artes
performativas, artes plásticas,...-) têm vindo a adquirir uma
importância crescente, gerando trocas, riqueza, emprego,
ocupação lúdica, qualidade de vida e bem-estar. Tornaram-se
portanto "indústrias" decisivas para o desenvolvimento
e competitividade de uma qualquer economia.
Em termos mais genéricos, podemos considerar que, nas sociedades
actuais, enquanto as esferas económica e cultural crescentemente
se interpenetram e as formas e os significados culturais da
produção se tornam elementos críticos, quando não dominantes,
das estratégias produtivas, a cultura, em termos gerais, é,
paralelamente, progressivamente sujeita a mercantilização, com
um crescente número de agentes e instituições interessado em
comercializar estes produtos numa série de mercados em franco
desenvolvimento (Scott, 1996). Com efeito, uma crescente parcela
da actividade económica está dedicada à produção e
comercialização de bens e serviços que, de uma forma ou outra,
são caracterizados pelo elevado nível de atributos estéticos
ou semióticos (cf., p.e., Lash and Urry, 1994; Scott, 1996).
Estes bens e serviços (produtos culturais, como os designa
Scott), podem assumir formas muito heterogéneas, desde os mais
ligados às manufacturas tradicionais (o vestuário ou a
joalharia, p.e.), a serviços, mais ou menos avançados,
centrados na produção e transmissão de informação
(turísticos, teatro, publicidade,...) ou a formas mais híbridas
(como a edição discográfica, ou literária ou a produção
audiovisual, p.e.). Independentemente da sua forma, estes bens e
serviços têm em comum o facto das suas qualidades competitivas
nos respectivos mercados dependerem de funcionarem, pelo menos
parcialmente, como ornamentos pessoais, modos de afirmação
social, objectos estetizados, formas de entretenimento e
distracção ou fontes de informação e actualização, ou seja,
de serem artefactos cuja gratificação psíquica para o
consumidor é relativamente elevada face aos seus propósitos
utilitários mais estritos e directos (Scott, op. cit.).
A importância destes produtos e destas actividades não pode ser
desligada das transformações estruturais em curso nas
sociedades contemporâneas. Independentemente da forma como
encararmos estas mutações e de como estas são para nós
definidas, elas assumem um papel central na análise a efectuar.
Muitas tentativas de interpretação destas mutações, sob os
mais variados ângulos, têm sido efectuadas, seja desde os
ideais mais ou menos utópicos associados aos benefícios
proporcionados pelas mutações tecnológicas a visões mais
complexas das potencialidades e perigos da sociedade de
informação, ou desde os primeiros teóricos da sociedade
pós-industrial aos autores que centram a organização da
sociedade e economia actuais na informação e na tecnologia. O
consenso em torno da natureza precisa das novas configurações
parece difícil. Certos autores indiciam nestas transformações
o fim do sistema capitalista; outros, vêm as transformações em
curso como a transição para um fase mais desorganizada do
capitalismo; alguns defendem a entrada numa era pós-Welfare
State do funcionamento da actividade económica; outros, pensam
estar a assistir à transição do fordismo para um regime de
acumulação flexível pós-fordista; outros ainda, sugerem a
mudança da modernidade para uma fase pós-moderna;... (Costa,
1996). Tendo em conta que este é um debate que, embora
interessante e importante, não cabe no contexto da nossa
análise, podemos destacar, no entanto, muito brevemente um
conjunto de ideias que pensamos serem centrais no estudo da
importância da fileira da cultura na economia actual.
Como pano de fundo global, surge o processo de mundialização,
com a crescente internacionalização e integração das trocas e
dos mercados, a transnacionalização dos processos produtivos e
das lógicas de decisão e a globalização política, económica
e cultural, que, associado a uma crescente compressão
espacio-temporal (Harvey, 1989) fortemente apoiada nos
desenvolvimentos das tecnologias de informação e
telecomunicação (TIT), possibilita e fomenta a aceleração e
integração das economias contemporâneas.
Este processo é acompanhado por outras mutações estruturais na
natureza das actividades económicas, com a progressiva
desmaterialização da economia e o crescente peso de actividades
tradicionalmente associadas aos serviços na formação do valor
e na criação de emprego. Estas actividades (serviços de apoio
diversos, desde os ligados à conceptualização e à formação
aos associados à distribuição e ao marketing; serviços
finais, ligados ao lazer e à cultura; p.e.,...), assumem um peso
crescente e representam uma parcela cada vez maior na cadeia de
valor gerada por cada continuum bem-serviço (cf., p.e., Ferrão,
1992; Costa, 1996). O centro da economia (e das relações
sociais) está, cada vez mais, na informação e na capacidade de
a ela aceder e de a tratar, no domínio do conhecimento e na
capacidade de inovar.
Paralelamente, ainda ao nível das actividades económicas,
regista-se uma crescente flexibilização dos processos de
produção e da comercialização, da organização e gestão
empresarial, da utilização de trabalho ou da provisão e
utilização de serviços. Em todas estas áreas a tónica é,
cada vez mais, a adaptação a uma procura em evolução
permanente e progressivamente diferenciada e o aumento da
eficiência, pela adaptação permanente da quantidade e
qualidade dos inputs utilizados, naquilo que muitos autores
consideram a passagem de um regime de acumulação fordista,
baseado na produção em massa e no aproveitamento de economias
de escala, para outro de acumulação flexível. Este
caracteriza-se, em contraponto ao anterior, entre outros
factores, por ser um processo de produção em menor escala,
baseado em economias de gama ou variedade, no just-in-time, na
flexibilidade nos processos produtivos e organizativos e na
facilidade de adaptação ao mercado, num grande recurso à
quase-integração vertical e à subcontratação, numa maior
polivalência e capacidade de adaptação e de
responsabilização dos trabalhadores, numa maior
diversificação da procura e individualização dos modos de
vida, num aumento da desregulação, descentralização e
flexibilização da intervenção pública, num quadro geral em
que, cada vez mais, às hierarquias rígidas se sobrepõem
complexas redes de inter-relacionamento (Costa, 1996).
A estas mutações económicas, juntam-se importantes
transformações ao nível dos valores e dos modos de vida. Em
estreita articulação com os processos acima descritos,
verificam-se alterações consideráveis, tanto pela difusão e
globalização a uma escala alargada de padrões, valores e
expectativas, como pelas próprias alterações aos
constrangimentos físicos, organizativos e económicos a estas
transformações subjacentes. São os casos, por exemplo, da
crescente libertação de tempo e disponibilidade para o lazer
(pela redução dos horários de trabalho, o aumento das férias,
as reduções do período de trabalho no ciclo de vida
) ou
do aumento do nível educacional e do acesso à informação, com
as consequentes alterações nas aspirações e expectativas, nos
valores e nos padrões de consumo.
A crescente globalização cultural, associada à
complexificação e fragmentação identitárias, possibilita e
potencia, paralelamente, a valorização dos particularismos e
das especificidades locais (cf., p.e., Costa, 1996). Esta
valorização do particular e do específico, aos mais variados
níveis, é exactamente um dos factores que caracteriza aquilo a
que vários autores têm caracterizado como o advento da
pós-modernidade. A expressão da diversidade, a par da cultura
do efémero, são duas das características distintivas nucleares
dos tempos actuais. Em termos dos valores dominantes,
reconhecem-se transformações significativas, que poderão,
muito sinteticamente, ser caracterizadas pelo crescente
ascendente da imagem sobre a narrativa, pelo triunfo da estética
sobre a ética; pela valorização do presente em detrimento do
futuro; pela diversidade no lugar da unidade (Harvey, 1989).
A estas mutações sócio-económicas estruturais estão
associadas, como é patente pelo que foi dito, dois outros tipos
de transformações transversais que gostaríamos de enfatizar
novamente: por um lado, as transformações tecnológicas,
sobretudo ao nível das tecnologias de informação e das
comunicações, em que se baseia em grande parte o fenómeno da
compressão espacio-temporal atrás referido; por outro lado, as
mutações nos mecanismos de regulação dos sistemas
económicos, tanto ao nível do que se relaciona com o papel de
intervenção do estado na economia, como, mais abrangentemente,
ao nível de questões como as lógicas de organização supra ou
extra nacional dos sistemas económicos ou as diversas formas
emergentes de participação e cidadania, p.e.
Neste quadro de transformações globais, é de salientar,
portanto, a extrema importância das actividades culturais, em
expansão, não só pelos efeitos conjugados, do lado da oferta e
da procura, destas mutações nas actividades económicas e nos
modos e estilos de vida (associando-se perfeitamente às novas
lógicas de produção flexível e ao advento da diversidade, do
semiótico e do estético...), como pelo facto de serem, numa
visão abrangente de cultura, um veículo privilegiado de
inserção dos diversos territórios em mecanismos e contextos
globais, pela via da valorização das especificidades locais.
O papel das actividades económicas associadas à cultura é,
assim, crescente, tanto ao nível do valor da produção e da
procura que gera (directamente e através de efeitos indirectos e
induzidos diversos) como da criação de emprego (sendo um dos
sectores geralmente apontados como potencial criador de novos
empregos, ainda que fortemente baseados numa lógica de
flexibilidade e precaridade - cf. p.e., CCE, 1993).
1.2. Das "indústrias da cultura" à fileira da cultura
De entre os produtos culturais, na acepção generalista acima
definida, interessam-nos em particular aqueles que geralmente se
associam às actividades culturais, à arte ou àquilo que
usualmente se designam as "indústrias da cultura".
Será importante, antes de continuarmos, clarificarmos brevemente
a utilização deste conceito de actividades culturais e o
porquê da utilização de uma lógica de fileira económica para
a sua análise.
A complexidade do conceito de actividades culturais é
unanimemente reconhecida. Não cabe aqui a sua discussão, mas
apenas uma advertência para a grande variabilidade de
definições e de debates em torno deste conceito, reflectindo
abordagem disciplinares, teóricas e pragmáticas muito
diferenciadas e resultando em geral numa indefinição de
fronteiras e nalguma interpenetração das categorias utilizadas.
Distinções usuais como as entre cultura "erudita" ou
"cultivada" (mais ou menos "dessacralizada")
e cultura de "massas"; entre provisão pública ou
privada (ou mista, de diversas formas...) destas actividades;
entre formas culturais reprodutíveis e permanentes ou artes
performativas, efémeras, ao vivo, etc., para não entrar
nalgumas mais "polémicas ", ilustram bem esta
indefinição.
Desde as formas unanimemente reconhecidas (apesar de
classificadas e agrupadas de formas muito díspares), como as
"indústrias" do livro, do disco, do cinema e do
vídeo, até outras mais dificilmente englobáveis na mesma
lógica (mas intimamente articuladas com aquelas), como os mass
media, e particularmente a difusão televisiva e radiofónica,
passando por realidades tão díspares como as do mercado de
arte, do património (arquitectónico, histórico,
gastronómico,...), dos museus e dos arquivos, etc., a
diversidade é sem duvida a regra. Paralelamente, mesmo algumas
daquelas actividades que são reconhecidas unanimemente como
"culturais", apresentam dificuldades de classificação
consideráveis: atente-se só no exemplo do espectáculo "ao
vivo", das artes performativas, onde os actores ou músicos
são os mesmos que são gravados, editados e transmitidos em
"suportes" diferentes...
Várias outras formas são frequentemente citadas ou são
facilmente associáveis às actividades da cultura. A título de
exemplo, pense-se em casos como o de determinadas actividades
transversais, como a moda, o design, ou a arquitectura
(associadas - simultaneamente - a sectores e fileiras diversos,
como o têxtil, a joalharia, o mobiliário, a construção civil,
p.e.), como o artesanato, a publicidade, ou as actividades
ligadas à diversão nocturna, etc. A dificuldade de
estabelecimento de fronteiras é particularmente notória na
interligação com determinadas fileiras (como os media ou as
tecnologias de informação, p.e.) mas igualmente, internamente
às diversas actividades culturais, à medida que se vão
ultrapassando barreiras e limites tecnológicos, estéticos e
criativos (pense-se, por exemplo, nas potencialidades da
internet, ou nas crescentes "mixs" criativas nos campos
das artes plásticas ou do audiovisual,...).
Na prática, as actividades culturais incorporam todos aqueles
sectores económicos que utilizam inputs criativos e artísticos
e cujo propósito primacial é exprimir informação e criar
significados (Montgomery, 1994), seja no seio de sectores ou
sub-fileiras relativamente autónomos e internamente coerentes
(como a indústria discográfica ou o audiovisual), seja
alimentando toda uma ampla gama de outros sectores económicos
(como a publicidade, o design, a moda ou a arquitectura, p.e.).
Neste quadro, e de forma a sistematizar um conceito operativo
para a nossa análise, adopta-se a concepção defendida por
Derek Wynne:"We define the culture industry as including all
forms of activity associated with what is traditionally
understood as art and popular culture. This includes the live
performance and singular artistic production, together with the
recorded and reproduced productions in the audio and visual
media. We have adopted this broadest of definitions because of
the increasing «crossovers» between different forms of cultural
activity, and because we believe that the culture industry and
the benefits which flow from it, both economic and social, gain
nothing from an artificial separation produced by distinguishing
their form. Importantly we reject the distinctions which regard
culture as limited to a definition of art as «high culture»;
which distinguish between commercial and non-commercial
consumption and production of cultural provision and products;
and which define cultural policy simply as the provision of
leisure and arts facilities."(Wynne, 1992, p.1).
Esta noção de "indústrias da cultura" em que nos
baseamos apresenta, no entanto, quanto a nós, a forte
limitação de estar associada ao conceito de
"indústria". Este facto representa para nós uma falha
por três ordens de razões distintas: em primeiro lugar, a
noção de "indústria" como sector económico, se não
entendida na lógica da terminologia anglo-saxónica, enviesa a
análise dos continuum bem-serviço em estudo; em segundo lugar
pelo peso da tradicional dicotomia arte/indústria, e todas as
polémicas e equívocos que (injustificadamente) usualmente
suscita; finalmente, pela limitação da usual associação desta
noção de "indústrias da cultura" a um conjunto
restrito de actividades, circunscritas a algumas sub-fileiras
mais estruturadas (edição livreira e discográfica, cinema,...)
deixando de fora outras igualmente importantes. Optamos assim por
tentar evitar a utilização deste termo.
A lógica da utilização da fileira económica parece-nos mais
adequada. Tal como podemos falar da fileira automóvel ou da
fileira dos mármores (desde a prospecção e extracção, até
à comercialização, envolvendo actividades tão díspares como
a transformação, a formação, a investigação, os serviços
de apoio utilizados, etc.), também poderemos falar de uma ou de
diversas fileiras nas actividades culturais. Mais concretamente,
a ideia de uma "constelação de actividades"
culturais, envolvendo múltiplas (sub-)fileiras (na lógica dos
clusters de actividades (Porter, 1990), mas não necessariamente
com uma base territorial fortemente definida) parece-nos ser a
mais adequada.
A fileira da cultura pode integrar assim um conjunto de
sub-fileiras ou sectores específicos com algum autonomia (cinema
/ audiovisual, livro, música / edição fonográfica, artes
plásticas, artes cénicas, etc....), embora variáveis e em
constante interpenetração e cruzamento (p.e, a música pode ser
vista simultaneamente como arte performativa, como objecto de
edição fonográfica ou como conteúdo de transmissões
radiofónicas,...). À medida que os mecanismos criativos se
complexificam e a tecnologia e os suportes o permitem e fomentam,
estas confluências e interpenetrações tendem a aprofundar-se
(notem-se mais uma vez os exemplos do multimédia e das
potencialidades da internet,...).
Em cada uma destas sub-fileiras, está integrado e
inter-relacionado todo um conjunto de actividades diversas (não
só a produção do bem físico ou do serviço artístico
central, mas tudo o que se relaciona com a sua distribuição e
promoção, os inputs utilizados, a formação artística e
técnica, a investigação e desenvolvimento, os suportes e
equipamentos utilizados, ...) que, com importância diferenciada
e variável, contribuem para a criação de um valor, e portanto,
para a produção de um continuum bem-serviço colocável no
mercado.
Neste quadro, podemos distinguir, com um razoável grau de
generalidade, três níveis distintos nesta fileira das
actividades culturais: um primeiro nível, associado à criação
e produção do bem ou serviço que será oferecido ao
consumidor; um segundo nível associado à sua circulação, e
portanto à oferta de condições para que aquele seja
usufruído; e um terceiro nível, ligado à sua recepção pelo
consumidor, e portanto às práticas culturais receptivas.
Estas três etapas, permitem-nos abarcar (embora com matizes e
importâncias diferentes conforme as actividades concretas em
análise) a cadeia de valor associada à produção cultural.
No primeiro caso, a fase da criação e produção, engloba-se
tudo o que tem a ver com a geração de ideias e o processo
eminentemente artístico e criativo (tudo o que tem a ver com as
ideias, os direitos de autor, as patentes e marcas, a
criatividade, a formação artística,...) e com a passagem das
ideias aos produtos propriamente ditos, ou seja a execução de
projectos (empresários, managers, produtores, editores,
técnicos, produtores e fornecedores de equipamentos,
instalações e inputs, etc.).
As actividades da segunda fase - a da distribuição - englobam
tudo o que tem a ver com a circulação e com os mecanismos e
condições de transmissão do produto cultural criado ao
público, ou seja tudo o que envolve agentes e agências,
distribuidores, promotores, exibidores, etc., bem como espaços
de exibição (teatros, cinemas, salas de espectáculo, ecrãs e
estações de cinema, revistas, museus, lojas, bibliotecas,... -
em suma edifícios, espaços, tecnologia onde os produtos são
vistos, experienciados, comprados...-), e outros aspectos
associados ao marketing e promoção (edição de catálogos e
informação, etc.).
A terceira e última componente principal da fileira, tem a ver
com aquilo que é a procura cultural: a audiência e a recepção
dos produtos culturais, as práticas culturais dos consumidores,
em suma, os públicos e a relação destes com as obras
produzidas. Articula-se com tudo o que respeita aos espectadores
e à crítica e às suas relações com os artistas. São
novamente aqui centrais, da parte das actividades culturais, as
questões do marketing, da publicidade, do posicionamento nos
mercados, etc.
Uma visão integrada destes três níveis, fomentando a sua
articulação, é imprescindível para uma análise e actuação
sobre a "constelação" das actividades culturais ou
sobre cada uma das suas sub-fileiras específicas, apesar de
estarmos a falar de realidades económicas, organizativas e
institucionais diferentes ao longo destas diversas etapas.
Enquanto que a primeira fase requer, por um lado, a atracção de
indivíduos criativos e inovadores e a provisão de um ambiente
estimulante que encoraje a expressão das ideias, e por outro, as
condições locativas e tecnológicas (acesso aos meios de
produção e inputs requeridos, a recursos humanos
qualificados,...) que permitam a produção dos bens e eventos
(Montgomery, 1996), as fases subsequentes podem eventualmente,
nalguns casos, dispensar uma ligação territorializada tão
forte. Voltaremos a esta ideia mais tarde. Por agora,
sintetizemos esta lógica da fileira através da representação
que é dada pelo quadro seguinte, tentando articulá-la através
do exemplo concreto de algumas actividades culturais.
A FILEIRA DAS ACTIVIDADES
CULTURAIS
(Alguns exemplos)
CRIAÇÃO E PRODUÇÃO | DISTRIBUIÇÃO / DIFUSÃO | RECEPÇÃO |
[Prácticas
criadoras]
|
|
|
Notem-se particularmente dois aspectos. Existe um
conjunto de actividades (como são os casos da formação, da
promoção, dos aspectos organizativos,...), que está
transversalmente presente ao longo das três etapas. Todos os
suportes tecnológicos e estruturas económicas e organizativas
que estão por detrás das actividades produtivas estão
igualmente sempre presentes (necessidade de instalações,
suportes, equipamentos, meios técnicos,...). Apenas está
representada, portanto uma dimensão muito estrita da fileira
global que suporta as actividades culturais...
Por outro lado, este exercício que aqui está ensaiado é
extensível a outras actividades, das faladas anteriormente,
situadas nas fronteiras menos "definidas" das
actividades culturais: a criação de um designer, de um
estilista, de um arquitecto, obtêm a sua
"distribuição" através de um bem físico em que
está consubstanciada, que é consumido ou usufruído por
alguém, o que se articula com a ideia anteriormente referida da
crescente estetização e simbolismo dos consumos de bens
predominantemente vocacionados para outras
"utilidades".
1.3 A fileira da cultura e o espaço urbano
As actividades da fileira da cultura desde sempre estiveram
intimamente associadas ao espaço urbano e à economia das
cidades. Como refere Scott, "Cities have always played a
privileged role as centers of cultural and economic activity.
From the earliest origins, cities have exhibited a conspicuous
capacity both to generate culture in the form of arts, ideas,
styles, and attitudes, and to induce high levels of economic
innovation and growth, though not always or necessarly
simultaneously. In contemporary capitalism, a very marked
convergence between the spheres of cultural and economic
development seems to be occurring, and is indeend one of the
distinguishing characteristics of the urbanization process in
general as we enter the twenty-first century" (Scott, 1996,
p.2).
Independentemente da actual convergência entre esfera económica
e cultural, no seio das mutações estruturais anteriormente
referidas, várias razões podem ser apontadas para esta
tradicional convergência entre as actividades da fileira da
cultura e o espaço urbano. Podemos sistematizá-las em torno de
três grandes linhas de pensamento.
Em primeiro lugar, a questão determinante da ligação a um
"mercado" (ou público, mesmo num sentido amplo, não
envolvendo "mercantilização") e da respectiva
centralidade das funções, com a concomitante ligação à
estruturação da rede urbana. Por muito que as hierarquias
urbanas já pouco tenham a ver com os rígidos princípios
modelizados por Christaller e Lösch, à medida que se
autonomizam relações de complementaridade e padrões de
especialização que subvertem a hierarquia urbana apoiada na
segregação vertical das funções centrais, continua ainda a
ser imprescindível a obtenção de limiares mínimos de procura
(e de oferta...) e a obtenção de áreas de influência
suficientes para o aparecimento de determinadas práticas e
criações. Determinado tipo de actividades e práticas
(particularmente as mais específicas, distintivas, inovadoras ou
exigentes em meios e recursos) só surgirá necessariamente em
centros com capacidade para fornecerem uma massa crítica mínima
para permitir a produção e a difusão da actividade em causa.
Uma segunda vertente, intimamente associada à anterior,
prende-se com as lógicas de localização e de surgimento destas
actividades e destas práticas. A potenciação de economias
externas conjuntas (economias de escala, de gama, redução dos
custos de transacção, efeitos de aprendizagem colectiva,...)
resultantes da aglomeração, favorece a concentração das
actividades, em particular daquelas mais exigentes em meios, mais
inovadoras, ou com mercados mais específicos. As tendências
actuais, associadas à especialização flexível pós-fordista,
favorecem simultaneamente, por outro lado, a descentralização
das actividades mais rotineiras e com possibilidade de
funcionarem através da interacção à distância. Tendo
particular atenção que grande parte das actividades culturais
(particularmente na primeira etapa da fileira analisada, ligada
à criação e produção dos bens e serviços), exigem a
proximidade e a formação de massas críticas mínimas de
recursos e práticas relativamente elevadas, destacam-se as
forças centrípetas, o que não obsta a que a concentração
(económica e espacial) das formas de distribuição e a
massificação de determinados mercados, facilitadas pelos
desenvolvimentos das TIT e pelo processo de globalização, não
contrariem esta tendência geral nalgumas sub-fileiras (p.e.,
discográfica, audiovisual, edição livreira,...) ou fases do
processo produtivo.
Uma terceira vertente de pensamento, também muito ligada aos
anteriores aspectos, prende-se com as especificidades do modo e
estilos de vida em ambiente urbano-metropolitano e as mutações
nos valores e nas práticas sociais. Com efeito, as cada vez
maiores e mais diversificadas exigências ao nível dos modos e
estilos de vida e dos padrões de consumo, implicando a
formação de limiares críticos mínimos de procura, aos mais
variados níveis e nos mais diversos campos, que permitam
responder a aspirações, expectativas, práticas e
representações crescentemente diversificadas, no sentido de uma
afirmação identitária cada vez mais difusa e diversificada,
apontam no sentido de uma necessidade de aglomeração para um
conjunto significativo de agentes e actividades (Costa, 1996).
Seja pela difusão de processos de procura de individuação
(Rémy e Voyé, 1992) face aos movimentos uniformizadores e
massificadores, seja pela busca da distinção nas práticas
sociais, seja pelo papel que a concentração espacial nas
metrópoles continua a desempenhar apesar da generalização (de
algumas características) do modo de vida urbano, seja, enfim,
simplesmente, pela necessidade de agrupamento das pessoas para a
promoção conjunta dos seus interesses, através da
constituição de massas críticas mínimas, continua a
verificar-se um forte incentivo à aglomeração (Costa, 1996).
O meio urbano-metropolitano, seja pelos simples mas eficazes
argumentos da dimensão, densidade e heterogeneidade de actores,
relações e práticas (na senda dos contributos teóricos de
Simmel e Wirth), seja pelas diversas mobilidades que proporciona
(Remy e Voyé, 1992), seja pela diversidade e complexidade das
relações geradas e pela fragmentação identitária daí
resultante, contínua, não obstante a redução da fricção da
distância e de todos os movimentos descentralizadores (e as
grandes potencialidades que as novas tecnologias oferecem neste
domínio - relembrem-se todas as possibilidades oferecidas pelo
tele-trabalho e pela difusão dos tele-estilos-de-vida...-), a
fomentar a concentração das práticas e da criatividade.
É pois natural que o núcleo central da fileira das actividades
culturais (tanto ao nível da criação e produção, como,
igualmente, do lado da procura, ao nível dos mercados, sobretudo
os mais específicos e exigentes) se situe no espaço urbano.
Como refere Ferrão, "é nas cidades que se concentram os
ingredientes essenciais à construção das sociedades
cognitivas, caracterizadas pela intensidade de produção e
circulação de informação, de conhecimento e de
inovação" (Ferrão, 1997, p.22-3). As actividades
culturais, cuja produção se centra essencialmente na
importância dos aspectos referidos e na imprescindibilidade dos
contactos e sociabilidades entre os diversos agentes envolvidos,
beneficiam fortemente desta aglomeração.
A concentração de recursos estratégicos, físicos e
imateriais, necessários ao desenvolvimento destas actividades
(possibilitando a obtenção de externalidades de escala e de
gama) e o facto das cidades constituírem lugares privilegiados
de interacção, tanto directa (pela socialização que
proporcionam) como à distância (sendo nós estratégicos em
redes supra-regionias ou supra-nacionais), proporcionando, melhor
que qualquer outro espaço, as externalidades de proximidade e de
interconexão igualmente necessárias ao bom desempenho das
organizações e indivíduos (Ferrão, op. cit.), favorecem assim
um ambiente propício à concentração das actividades da
cultura, em particular daquelas mais exigentes em meios,
informação, conhecimento e inovação.
A assunção de uma forte territorialidade na génese e
desenvolvimento da maior parte das actividades culturais
(sobretudo, no que toca à fase de criação e produção,
exigentes em relação aos recursos e à atmosfera propícia à
criação, e, a uma escala diferente, à fase da recepção) é,
assim, o corolário das três vertentes de pensamento exploradas.
2. Algumas questões centrais na evolução da fileira da cultura
Uma abordagem empírica às actividades culturais (nas suas
diversas vertentes - produção, emprego, consumos e práticas,
mecanismos de regulação,...) defronta-se com dificuldades de
várias ordens. Em termos genéricos, começa por esbarrar nas
dificuldades decorrentes da inadequação dos sistemas
estatísticos e de recolha de informação às complexidades de
um sector como o da cultura. Sendo este um problema, que, já de
si, afecta todo o "sector" dos serviços, é agravado
pelas características e especificidades, anteriormente expostas,
de uma fileira relativamente indefinida como esta. A grande
interpenetração de categorias, os impactos das mutações
tecnológicas, etc., a par de outras razões de carácter mais
pontual concretas da fileira (grande peso da economia informal na
actividade, trabalho precário, mentalidades adversas ao
economicismo e ao controle da actividade, etc.) complicam esta
análise.
No caso português, estas dificuldades são agravadas pela
extrema debilidade do aparelho estatístico nacional sobre estas
actividades e pela fraquíssima credibilidade da pouca
informação disponível. A título de exemplo, note-se que não
existem dados consistentes e fiáveis, nem sequer a nível
nacional, sobre totais de vendas fonográficas, de espectadores
de cinema ou de visitantes de museus...
A existência de alguns estudos sectoriais (cinema, livro,
audiovisual) ou com outras lógicas e abordagens específicas (as
políticas e a intervenção estatal, as práticas culturais,...)
permitem avançar na análise e suprir algumas lacunas, não
obstante o seu carácter parcelar (em Portugal, refiram-se a
título de exemplo, Conde, 1996; C.I.M.A., 1997; ou os trabalhos
desenvolvidos no âmbito do Observatório das Actividades
Culturais ).
Face à ausência de suficiente informação credível
disponível e à fase embrionária em que o trabalho de
investigação mais amplo em que esta apresentação se insere se
encontra, a opção tomada foi a de, nesta ocasião, apenas
desenhar um breve esboço de algumas das principais tendências
que afectam o sector (no país e em confronto com outras
realidades), deixando para posterior ocasião uma
sistematização empírica minimamente aprofundada da fileira.
Neste quadro, permitimo-nos levantar apenas um conjunto de seis
questões-chave que julgamos enformarem as preocupações
básicas para o estudo da relação da fileira das actividades
culturais com a economia urbana.
Em primeiro lugar, a questão do peso e da importância
económica efectiva das actividades da fileira da cultura. Em
termos gerais, é reconhecido o aumento do seu peso (cf., p.e.,
contributos tão diversos como Benhamou, 1996; Wynne, 1992;
Conde, 1996; Lash e Urry, 1994; Scott, 1996), tanto pela pressão
da procura como da oferta, face às transformações
anteriormente apontadas, embora o reconhecimento empírico desta
realidade se baseie em valores muito díspares, face à
diversidade de critérios estatísticos utilizados e à grande
variabilidade das actividades consideradas na fileira. A título
de exemplo, o peso estimado destas actividades (partindo de
definições diferentes), aproxima-se dos 2,5% do PIB nos EUA e
3,7% em França (Benhamou, 1996), representando no caso dos EUA
cerca de 2,5% do emprego civil (Benhamou, op. cit.). Num espaço
metropolitano como Londres (e com critérios diversos) o peso no
emprego atinge os 5% (Montgomery, 1994).
Num país como a Irlanda, por exemplo, com algumas similaridades
com o nosso, o peso destas actividades é de 1.6 % do PIB (mas
apenas considerando actividades directamente criativas ou
práticas culturais, excluindo, por exemplo, o comércio -
cinemas, livrarias, lojas de discos -, a educação e formação
ou o jornalismo especializado). Cerca de 88% do valor criado é
gerado pela venda directa de bens e serviços, e apenas 12% por
subsídios e doações (Coopers & Lybrand, 1994). O peso da
exportação cultural é estimado (com base num inquérito a 337
artistas e organizações culturais) em 27% do volume de
negócios gerado. Em termos de emprego, estas actividades dão
trabalho a cerca de 34 mil pessoas, (ou seja, 21.500 postos de
trabalho tempo-inteiro-equivalentes - 2% da população
empregada), valor equivalente ao da banca ou à soma das
indústrias de software e hardware; destes, 48% estão empregados
em organizações e o restante opera por conta própria ou numa
base freelance (Coopers & Lybrand, op. cit.).
Uma segunda questão-chave a abordar associa-se às
especificidades da organização económica desta fileira e às
restruturações em curso na organização destas actividades.
Apesar da variabilidade das actividades compreendidas na fileira,
algumas características específicas podem ser destacadas; são
o caso do elevado peso das PME's e das redes de empresas e
instituições, da flexibilidade organizativa, sobretudo ao
nível da primeira fase (criação e produção), do peso das
relações e contactos informais entre agentes, da concentração
e globalização (no caso das sub-fileiras mais generalistas) dos
mecanismos de distribuição e promoção, da concentração do
consumo num pequeno número de títulos, etc... (cf., p.e.,
O'Connor e Wynne, 1996; Benhamou, 1996), para além de muitos
outros aspectos relacionados com a especificidade dos bens que
produzem (arte), com as relações com o(s) público(s), com a
inovação e a criação, ou com a intervenção pública e os
mecanismos de financiamento, por exemplo.
Neste quadro, interessam-nos particularmente os efeitos das
grandes reestruturações globais, e nomeadamente das mutações
associadas ao pós-fordismo (redução das manufacturas trabalho
intensivas, especialização flexível, produção em pequena
escala, adaptação às diversidades da procura, reacção a
novos estilos de vida e práticas de consumo,...). Destaque-se
aqui, que este sector, face às suas características, é
particularmente atreito às mudanças associadas à produção
flexível (apesar de com limites, sobretudo no que toca à
distribuição e difusão - cf. Lash & Urry, 1994),
destacando-se na actualidade pelos movimentos de restruturação,
convergência tecnológica e concentração económica,
associados a uma grande fragmentação dos mercados (gostos,
estilos de vida, nichos específicos, sub-culturas,...).
Concomitantemente, desenvolve-se o trabalho em rede, apostando no
downsizing e num elevado recurso à subcontratação, o que tem
permitido o crescimento do emprego, mas numa base de
precarização, através de uma grande flexibilização da força
de trabalho (contratação a prazo, picos de actividade,
auto-emprego, part-time, etc.), tanto nos trabalhos mais banais
como nos mais qualificados (cf., p.e., Castells; 1996; Scott,
1996; Montgomery, 1994).
Uma terceira questão, articulada com esta, associa-se às
tendências no que toca às formas de regulação destas
actividades. Destacam-se aqui dois aspectos. Por um lado, e isto
sobretudo no campo das microiniciativas, de base fortemente
territorializada, que se desenvolvem sobretudo na esfera da
criação e da organização da produção, releva o peso das
fortes inter-relações e efeitos do meio específico em que as
iniciativas surgem (contactos formais e informais, efeitos de
aprendizagem, etc.) que, passando ou não pelo mercado, fornecem
um suporte essencial ao dinamismo e surgimento das actividades
(cf., p.e., Wynne, 1992, O'Connor e Wynne, 1996; Scott, 1996;
Scott, 1997). Por outro lado, as contingências gerais nas
lógicas de intervenção estatal na economia, o dinamismo das
estratégias de parceria e participação popular, as lógicas
globalizadas de funcionamento de alguns subsectores (como as
indústrias discográficas ou audiovisuais, p.e), as novas
fronteiras tecnológicas e a diluição de fronteiras em
relação ao que são os bens culturais, são factores que
colocam novos desafios à intervenção estatal no sector, à
forma de financiamento das actividades e às estratégias de
articulação entre os agentes (cf., p.e., Benhamou, 1996; OBS,
1997; C.I.M.A., 1997). Note-se aliás que a dependência do
financiamento estatal para a subsistência das actividade
culturais (pelo menos, em determinadas actividades e meios) não
é tão elevada com muitas vezes é sustentado, como o comprovam
alguns estudos empíricos (cf., p.e., Wynne, 1992, Coopers &
Lybrand, 1994).
Uma quarta área-chave em análise tem a ver com as práticas
culturais e os consumos. Tendo em conta que, face ao que foi dito
anteriormente, os produtos culturais têm um peso crescente nos
padrões de consumo (representando as actividades culturais -
numa versão relativamente estrita - cerca de 4% das despesas
familiares em França (Benhamou, 1994)), é extremamente
importante a análise destas práticas e das suas
características. Esta é uma área que tem sido alvo de
numerosas investigações (tanto ao nível das práticas
receptivas, associadas ao consumo, como igualmente das criativas,
do lado da produção), pelo que está empiricamente mais bem
documentada que algumas outras das referidas, tanto a nível
global como nacional (cf. p.e., Benhamou, 1996; Clancy, 1997;
Conde 1996). Um estudo exaustivo para Portugal compilando
informação relativa aos diversos inquéritos e dados que têm
sido recolhido neste âmbito no nosso país é o efectuado por
Conde (Conde, op. cit.), onde são analisadas as práticas a
quatro níveis distintos: o ter (posse de equipamentos), o fruir
(uso dos suportes), o fazer (práticas criativas) e o assistir
(frequentar e participar em acontecimentos culturais). Os
resultados gerais obtidos, para além de destacarem algumas
especificidades do nosso país (sub-equipamento em termos de
produção e infraestruturas, níveis mais baixos de procura para
alguns domínios,...), enquadram-se naquelas que são geralmente
as grandes conclusões ao nível dos estudos das práticas
culturais, as quais se centram sobretudo na existência de fortes
clivagens em termos geracionais e em relação ao capital
cultural detido pelos agentes. Estas duas vertentes maiores de
diferenciação das práticas traduzem-se em variados aspectos,
dos quais se destacam, sobretudo, diferenças entre saídas e
consumos endodomiciliares; no que concerne aos tipos de
equipamentos possuído e utilizados; ou entre práticas mais
"cultivadas" ou diferenciadoras ou mais
"massificadas". As clivagens geracionais fazem-se
sentir mais fortemente em determinadas sub-fileiras (audiovisual,
música, ou todas as actividades mais associadas às tecnologias
de informação, p.e.), bem como no papel e na valorização das
diversas formas de cultura popular. As clivagens associadas ao
capital-cultural, intimamente ligadas às habilitações
educacionais e literárias e aos processos de socialização,
fazem-se sentir sobretudo ao nível das práticas mais
"cultivadas" ou ditas mais "eruditas", que
são, paralelamente, as mais dependentes do financiamento
público (cf., p.e., Clancy, op. cit.; Conde, op. cit.).
Uma terceira clivagem geralmente apontada associa-se às
assimetrias espaciais ao nível das práticas (tanto no que toca
às exodomiciliares, como igualmente na posse e fruição de
equipamentos indoors), a qual não se traduz apenas pela
diferenciação entre espaços urbanos e rurais, mas, mais do que
isso, entre micrópoles e grandes metrópoles, sendo sobretudo
polarizada pela proximidade às cidades capitais (Clancy, op.
cit.; Conde, op. cit.).
A quinta ideia-chave a destacar, transversal, na prática, a
algumas das anteriores, e sobretudo, a este último aspecto
focado, relaciona-se com as diferenciações territoriais de
implantação e evolução da fileira. Aqui, destacamos duas
ideias. Por um lado, a existência de fortes assimetrias, não
só entre espaço urbano e rural, mas, igualmente e sobretudo,
entre metrópoles e cidades de pequena dimensão, com particular
destaque para a fortíssima concentração de actividades nas
capitais dos diversos países (sobretudo na Europa). Este aspecto
verifica-se no que concerne às práticas de consumo cultural,
como foi referido anteriormente, mas igualmente no que toca à
oferta de actividades, o que, aliás, seria esperado face ao dito
anteriormente acerca da importância da concentração destas
actividades. Não cabendo aqui, como foi já salientado, a
exploração empírica, citemos apenas a título exemplificativo,
alguns dados do INE para o nosso país: a NUT III Grande Lisboa
concentra 54% dos espectáculos públicos realizados no país,
55% das sessões de cinema, 51% dos frequentadores de
espectáculos, 50% dos espectadores de cinema ou 59% dos
visitantes de museus, por exemplo; se pensarmos apenas no
concelho de Lisboa, este concentra 44% dos espectáculos
públicos e das sessões de cinema realizadas no país, 41% dos
frequentadores de espectáculos, 40% dos espectadores de cinema e
46% dos visitantes de museus... (INE, 1997).
Ainda a título de exemplo, uma actividade cultural relativamente
massificada e generalizada como o cinema, é bem o símbolo
(ainda que não o maior...) desta concentração: a NUT II
Região de Lisboa e Vale do Tejo é a região com mais salas,
sessões, lugares postos à venda, espectadores e maior volume de
receitas. Segundo informação fornecida pelo OAC, tem, em
média, mais de metade dos espectadores e metade dos lugares
postos à venda, para quase dois terços das sessões e das
receitas, bem como o maior número de espectadores por habitante
(cerca do dobro da média nacional). Com um menor peso relativo
no que toca ao número de salas e à sua lotação, verifica-se
assim uma configuração particular do parque de salas e do
consumo de cinema na região, baseado em salas pequenas, muitas
sessões, poucos espectadores por sessão, muitos espectadores no
cômputo total e um elevado preço médio por bilhete,
equivalendo a região, por si só, a quase dois terços do
mercado nacional.
Por outro lado, uma segunda ideia que gostaríamos de destacar no
âmbito das diferenciações territoriais da implantação destas
actividades, prende-se com as lógicas de desenvolvimento de
clusters de actividades deste tipo, fortemente territorializados.
Com efeito, como tem sido sugerido por diferentes autores e foi
anteriormente referido, às diversas economias de aglomeração
associadas à concentração e proximidade das actividades
juntam-se efeitos específicos decorrentes do estreito contacto
entre os agentes, das suas sociabilidades, da sua aprendizagem
colectiva, etc., que geram um meio propício à criação, à
inovação e ao surgimento de iniciativas, fulcral, sobretudo na
primeira fase identificada na fileira das actividades culturais.
A título de exemplo, notem-se os estudos efectuados por Scott em
relação ao papel destas dinâmicas nas actividades culturais
geradas em cidades como Paris ou Los Angeles (Scott, 1996), ou no
que toca à relação do desenvolvimento da indústria
multimédia na Califórnia com os dinâmicos pólos mundiais das
indústrias informáticas de Sillicon Valley e das indústrias
culturais / audiovisuais de Los Angeles-Hollywood (Scott, 1997).
Uma sexta e última ideia a reter tem a ver com as novas formas
de produção e consumo cultural em meio urbano e o modo como
estas se articulam com a construção de estilos de vida na
cidade contemporânea. Com base nos estudos efectuados pelo
Institute for Popular Culture de Manchester acerca da emergência
de novas formas de produção e consumo culturais, de cariz
eminentemente urbano, nesta cidade (Wynne, 1992; O'Connor e
Wynne, 1996), podem salientar-se algumas conclusões. Do lado das
novas formas de consumo, destacam-se como resultados genéricos:
(i) o aumento dramático na produção e consumo de bens
simbólicos, (ii) o desvio do consumo do valor de uso para o
valor simbólico, (iii) a destabilização das hierarquias
simbólicas pela articulação de gostos e estilos alternativos,
(iv) o desenvolvimento das culturas populares e comerciais como
alternativas em relação à "alta cultura"
estabelecida, (v) a emergência de novos espaços urbanos de
diversão, palcos para novas formas de sociabilidade, o que leva
a (vi) novas formas de representação e de diversidade e
"mistura" social, que consubstanciam uma maior
preocupação com a estetização e a "estilização da
vida" em oposição a estilos de vida mais convencionais e
actividades orientadas mais racionalmente para objectivos (O'
Connor e Wynne, 1996). Os autores destacam a partir daqui três
resultados interessantes: (i) a emergência de um estilo de vida
próprio entre o grupo de 18-35 anos, que é o maior frequentador
das actividades culturais e lazer do centro da cidade, baseado em
valores "anti-racionalistas" (intuição,
auto-expressão, criatividade, exploração da subjectividade e
do corpo, prazer e hedonismo) mas estritamente ligado ao valor
posicional e distintivo de bens e serviços simbólicos; (ii) a
extensão da noção de intermediários culturais da nova classe
média para franjas maiores da população, com o crescente
envolvimento da cultura popular na criação novos locais urbanos
de consumo e (iii) a forma como estas novas e crescentes formas
de consumo, envolvidas em mecanismos complexos de
rentabilização e distinção, rapidamente evoluem para a
produção cultural para abastecer estes novos mercados.
Conclusões igualmente interessantes são obtidas no campo do
estudo de novas formas de produção cultural : (i) dificuldade
de distinguir entre actividades em que se faz dinheiro ou se faz
cultura, (ii) dificuldade e mesmo resistência a fazer a
distinção entre tempo de trabalho e tempo de lazer, (iii) peso
elevado das redes informais na geração e circulação de
informação e ideias, (iv) ênfase na intuição, envolvimento
emocional e auto-conhecimento e aprendizagem do campo e do
mercado (v) ambição generalizada de trabalhar por conta
própria ("para si próprio") e quebrar o "9 às
5". (O'Connor e Wynne, op. cit.).
A articulação dos resultados destes projectos permite assim
distinguir algumas linhas de força que consubstanciam novos
estilos de vida, estreitamente associados às actividades da
fileira da cultura, com impactos significativos na economia e na
organização do espaço urbano.
Com base na problemática equacionada e nas tendências
delineadas (ainda que brevemente e ainda sem uma sustentação
empírica credível para o nosso país ), abrem-se agora,
através dos dois pontos seguintes, duas linhas de investigação
paralelas, a desenvolver no contexto do trabalho de
investigação atrás referido: por um lado, o papel das
actividades da fileira da cultura na dinamização da economia
das cidades e na promoção da competitividade territorial; por
outro lado, a importância destas actividades na estruturação
interna do espaço urbano, em particular metropolitano.
3. Fileira das actividades culturais e competitividade
territorial
Face ao crescente peso das actividades culturais na economia e à
sua estreita articulação com o sistema urbano, importa
averiguar o papel destas actividades na dinamização e
desenvolvimento económico e na promoção da competitividade
territorial.
A associação destas actividades e, particularmente, do seu
dinamismo, ao espaço urbano pode ser efectuada através de uma
dupla vertente: por um lado, como foi visto anteriormente, pela
concentração destas actividades (particularmente daquelas mais
inovadoras ou distintivas) em meio urbano, onde existe mercado e
beneficiam de economias de aglomeração diversas, bem como de um
ambiente e atmosfera propícias (ou nalguns casos,
indispensável) ao desenvolvimento destas actividades
(condições para a criação, meios para a produção e a
difusão, receptividade às práticas,...); por outro lado, pelo
crescente peso destas actividades na economia destas cidades,
pelo valor que criam (tanto directamente, como de forma indirecta
e induzida, através, p.e., dos consumos intermédios que geram,
do turismo, etc.), pelo emprego que criam, pela qualidade de vida
que proporcionam ou por permitirem a fixação de populações e
actividades.
Este duplo campo analítico remete-nos directamente para as
lógicas de afirmação territorial na economia actual,
crescentemente mundializada, e para a questão central do efeito
do meio no desenvolvimento das actividades, na linha da
problemática dos meios inovadores, investigada por diversos
autores .
Neste sentido, poderemos confrontar as características
locacionais e os desenvolvimentos nas actividades culturais com
aqueles que são os principais vectores que desenham, em termos
genéricos, a afirmação competitiva dos territórios na
actualidade (Costa, 1996):
Em primeiro lugar, o papel da aglomeração, da
"centralidade" e do "urbano", elementos
fundamentais da organização espacial contemporânea. Apesar de
todas as potencialidades descentralizadoras que se abrem com os
desenvolvimentos das TIT, é inquestionável a importância da
concentração de pessoas e actividades, possibilitando a
formação de limiares mínimos que justifiquem uma cada vez
maior e mais diversificada panóplia de práticas sociais e
económicas (nomeadamente, aquelas mais "qualificadas"
ou especializadas que permitem distinguir competitivamente um
determinado território, como é o caso de muitas das práticas
culturais).
Em segundo lugar, a noção de que este reforço das
centralidades não significa necessariamente um desenvolvimento
das hierarquias urbanas. A redução da fricção da distância e
a necessidade de valorização das especificidades de um
território como forma de melhor o inserir em realidades
crescentemente globalizadas apontam para o desenvolvimento das
possibilidades de articulação e exploração de redes de
complementaridades entre os diversos espaços, tornando mais
difusas as hierarquias urbanas.
Finalmente, em terceiro lugar, a consagração da importância da
territorialidade, assumindo cada espaço, com as suas
especificidades, um papel central no desenvolvimento. O efeito do
"meio" e as formas de governância e regulação
características de cada território são um factor fundamental
na sua integração global, mediatizando o seu posicionamento
face às transformações e dinâmicas estruturais em curso.
Neste quadro, a competitividade de um determinado território
terá de passar, necessariamente, pela consideração destes
diversos aspectos. A sua inserção competitiva num mundo global
depende da capacidade de permanente adaptação às novas
realidades e do posicionamento estratégico dos diversos agentes
que nele desenrolam as suas actividades. Tendo as actividades da
fileira da cultura um papel que, como vimos, tende a ser central
e crescente nas economias e sociedades contemporâneas, a
capacidade de gerar iniciativas e mobilizar mercados nestes
sectores pode ser uma das vertentes para a afirmação
competitiva de um território. Mas será que estas tendências na
organização espacial são compatíveis com as especificidades e
dinâmicas das actividades da fileira da cultura?
A lógica da aglomeração e da importância do efeitos do meio e
da atmosfera própria (sobretudo na fase de criação e
produção) foram já referidas como aspectos centrais não só
na actualidade, mas desde sempre na actividades culturais. São
actividades que se inserem perfeitamente, pelas suas próprias
características, nos esquemas de organização produtiva
pós-fordistas baseados na especialização flexível, podendo a
sua organização territorial ser (pelo menos, parcialmente)
assimilada com as formas paradigmáticas dos novos espaços de
produção flexível (sejam elas os típicos distritos
industriais da Terceira Itália, os centros de alta tecnologia,
mais ou menos institucionalizados, ou as aglomerações de
serviços altamente especializados nos centros das grandes
metrópoles, entre outros exemplos), as quais se baseiam
fortemente na proximidade física, com as vantagens diversas daí
decorrentes, não só no que toca às economias externas que esta
situação lhes permite usufruir, como igualmente no que concerne
à "atmosfera" gerada e ao suporte institucional
próprios que lhes estão na base (Costa, 1996). Para além da
redução dos custos de transacção conseguida e da obtenção
de economias de escala e de gama conjuntas através da
proximidade física e do contacto estreito entre os agentes,
estes espaços caracterizam-se ainda, não obstante a sua extrema
diversidade, pela importância da "atmosfera" criada
pelas lógicas de interacção entre os agentes, pelas relações
privilegiadas de reciprocidade (formais e informais) que se
estabelecem, pelas dinâmicas de aprendizagem colectiva geradas,
etc. Em suma, distinguem-se pelos seus processos de governância
(cf., p.e., Benko e Lipietz, 1992) específicos, afirmando-se
como "meios inovadores", de sucesso, competitivos,
integrados em lógicas mais ou menos globalizadas.
As formas de governância geradas nestes espaços (sejam elas o
mercado ou outras relações, mais ou menos hierarquizadas ou
formalizadas, desde vínculos contratuais a relações de
associação e cooperação, redes promocionais ou de
investigação, formas de acesso e difusão da informação,...),
baseiam-se em relações directas entre actores, espacialmente
concentradas, historicamente construídas, institucionalmente
codificadas, condicionando os seus comportamentos, as suas
escolhas e as suas acções (Maillat, 1995). Permitem a
obtenção de um "meio" propício ao dinamismo
económico e cultural, com potencial inovador, consubstanciado
numa lógica de interacção própria e numa dinâmica de
aprendizagem colectiva, caracterizada pela capacidade dos
diferentes actores adaptarem, ao longo do tempo, os
comportamentos às transformações verificadas no ambiente
envolvente (pela experiência e acumulação de know-how
específico, pela inovação, pela criação de empresas,...).
Vários exemplos têm sido estudados destas relações no que
toca aos produtos culturais; pense-se apenas em casos tão
simples como o do cinema em Hollywood, da moda em Paris, ou das
indústrias multimédia californianas (Scott, 1996; Scott, 1997).
A competitividade de um território, num quadro de
mundialização, passa assim pela valorização dos seus activos
específicos (Pecqueur, 1995), que lhe permitam uma inserção
mais vantajosa nas dinâmicas globais. Esta oferta de
especificidade (notável nos exemplos acima referidos) é
enquadrada pelas características históricas e culturais do meio
em que se inserem, já que "le territoire n'est pas
réductible à une combinaison optimale de ressources mais qu'il
résulte lui même d'un jeu d'acteurs inscrit dans la longue
période où se déroule un processus d'apprentissage commun qui
crée des ressources nouvelles prêtes à se muer en actifs
spécifiques" (Pecqueur, 1995, p.11).
As actividades da fileira da cultura, como aliás as actividades
associadas a todos os "produtos culturais" no sentido
lato do termo utilizado no início desta reflexão, são umas
daquelas, que, pela sua própria definição melhor incorporam
este espírito e esta capacidade de poderem diferenciar a oferta
territorial. Independentemente (e até por causa) dos movimentos
massificadores e das tendências concentradoras, que podem
afectar a lógica de funcionamento da fase da distribuição, a
diversificação da oferta e da procura são uma garantia à
exploração de nichos que permitam a afirmação das diversas
especificidades.
Finalmente, uma última ideia sobre a qual gostaríamos de
alargar a nossa reflexão é a de que, a um outro nível, esta
questão da competitividade se articula com a crescente
flexibilidade das redes urbanas. Efectivamente, com o
desenvolvimento de estruturas organizadas reticularmente com base
em complementaridades "horizontais", envolvendo centros
de igual nível hierárquico, surgem novas possibilidades de
explorar essa oferta de especificidade, tendo em conta que esta
organização se articula com os princípios tradicionais de
integração vertical associados a uma especialização por
níveis funcionais (cf., p.e., Ferrão, 1997). A inexistência de
uma relação determinística entre dimensão demográfica e grau
de especialização funcional, com cidades de dimensão reduzida,
sobre-especializadas em determinados sectores, baseadas em
sistemas produtivos locais fortemente especializados, a
desempenharem funções de nível supraregional e mesmo
supranacional ou o desenvolvimento de soluções em rede, com
exploração de complementaridades entre centros urbanos de
dimensão idêntica, subvertendo hierarquias e aprofundando
tendências de especialização, são algumas das
características das novas tendências de organização
"flexível" da "hierarquia" urbana, que se
compatibilizam perfeitamente com as lógicas de afirmação
tradicionais das actividades culturais (vejam-se aliás, casos
como os tradicionais festivais de cinema, de música ou de
teatro, que, no que toca a estas actividades, já desde há muito
vêm afirmando dinâmicas deste tipo...).
4. A fileira da cultura e a estruturação do espaço urbano
Uma segunda linha de reflexão aberta prende-se com o papel das
actividades da fileira da cultura na estruturação do espaço
urbano e a sua articulação com os principais movimentos de
reconfiguração interna das áreas metropolitanas. Tendo em
consideração o impacto territorial das práticas culturais e
das dinâmicas de produção, distribuição e localização
destas actividades, gostaríamos de destacar desde já um
conjunto de três ideias chave.
Em primeiro lugar, o facto das dinâmicas em curso nestas
actividades se enquadrarem, como já foi referido, pelo menos
parcialmente (sobretudo no que toca à fase da criação e da
geração de iniciativas de produção), nas lógicas da
especialização flexível e serem portanto centrais na
estruturação e organização daquilo que consubstância a
cidade pós-fordista (cf., p.e., O'Connor e Wynne, 1996; Lash and
Friedman, 1992; Short, 1996).
Uma das características centrais, ao nível da organização
territorial, geralmente associada a estas transformações na
estruturação económica contemporânea associa-se à dualidade
entra forças centrípetas, que tendem a concentrar as
actividades centrais, mais especializadas, mais exigentes em
informação e em recursos raros ou qualificados e criadoras de
maior valor, e forças centrífugas, associadas à
descentralização para as períferias de actividades menos
exigentes em termos de economias de aglomeração, aproveitando
as potencialidades da redução da fricção da distancia.
Também no caso das actividades culturais estas tendências se
verificam. As transformações em curso nestas actividades,
anteriormente apontadas, permitem, em termos genéricos, a
descentralização e massificação de determinadas actividades,
em particular aquelas que estão associadas aos mecanismos de
distribuição e divulgação dos bens e serviços culturais. A
redução das distâncias e todos os progressos em termos
tecnológicos facilitam, crescentemente, esta vertente, com uma
progressiva possibilidade de aproximação espacial aos
públicos, dispensando a necessidade de concentração no centro
dos espaços metropolitanos ou a sua agregação territorial. Um
caso paradigmático desta realidade é o passado com a exibição
cinematográfica, com o desenvolvimento de complexos de salas, em
muitos casos fora das áreas centrais das grandes cidades (cf.,
p.e., Pardo, 1997). Isto não inviabiliza, no entanto, que não
subsista uma concentração económica (ou mesmo, nalguns casos,
espacial) dos mecanismos e organizações que controlam esta
distribuição (pense-se no caso da distribuição
cinematográfica, mas igualmente na venda de livros, discos,
vídeos, nas grandes superfícies comerciais, p.e.).
Por outro lado, determinados tipos de actividades, mais
especializadas, mais exigentes em recursos e meios ou mais
limitadas face à dimensão dos seus mercados, tendem a uma forte
concentração, face à extrema importância que desempenham,
para a sua provisão e usufruto, o efeito do meio e as economias
de aglomeração. Destacam-se aqui sobretudo as actividades
ligadas à criação artística, à geração de iniciativas e à
sua produção, tanto ao nível das microiniciativas como mesmo
de outros segmentos mais estruturados das fileira (sedes,
estúdios e equipamentos,...). Paralelamente, destacam-se
igualmente aquelas práticas (em geral, mais
"cultivadas") cujos mercados são mais restritos e
portanto a ligação ao centro é fulcral, estando concentrados
os pontos de oferta (espaços para espectáculos, criadores,...)
e sendo exigidos limiares críticos de procura fortemente
polarizados, com maior alcance, pois as funções centrais em
causa são de nível hierárquico superior. Mesmo dentro de
(sub-)fileiras mais generalistas e cujas práticas sejam mais
massificadas, esta distinção faz sentido (lembre-se os livros
ou discos muito especializados, o cinema de autor, p.e.,...).
Uma segunda ideia que gostaríamos de destacar prende-se com o
actual retorno de actividades e populações aos centros das
cidades e a sua concomitante revitalização. O processo de
gentrificação e as novas tendências de reconfiguração
interna podem inserir-se na evolução geral dos sistemas urbanos
e particularmente consubstanciam uma nova fase do ciclo de vida
urbano. Com efeito, estamos perante um novo crescimento dos
centros, apesar de baseado numa revitalização parcial e
selectiva, associada a segmentos populacionais e actividades
específicos (onde a fileira da cultura desempenha um papel
crucial), que na prática traduz uma nova fase de
re-urbanização, que sucede, no ciclo de vida das grandes
cidades, aos processos de suburbanização e desurbanização das
décadas anteriores.
Não obstante a descentralização das actividades mais
rotineiras e banalizadas para as periferias dos principais
centros urbanos (ou mesmo para o seu exterior), este processo de
gentrificação, associado a formas específicas de renovação
urbana e a uma revitalização dos centros das cidades,
consubstancia-se na (re)centralização de determinadas
actividades e grupos sociais os quais desempenham um papel
fundamental no consumo e na produção culturais.
Este processo traduz-se assim numa tripla recentralização, como
salientam O'Connor e Wynne: um processo de restruturação, em
que actividades anteriormente periféricas da cidade
"produtiva" se movem para o seu palco central
(preocupações com a cultura, o consumo, a imagem,...); um
processo de gentrificação, através do qual o movimento de
determinados segmentos populacionais resulta na recentralização
de áreas marginalizadas e excluídas no centro da cidade; e um
processo pelo qual grupos e actividades "marginais" se
tornaram centrais para a cidade e tornaram o seu centro central
para si próprias (O'Connor e Wynne, 1996).
Um papel fundamental nestas transformações é o desempenhado
pelos chamados "bairros culturais", nas diversas
cidades (Wynne, 1992; Bianchini e Parkinson, 1993; Short, 1996;
).
Sendo bairros que, na maior parte dos caso, desde há muito,
concentram actividades e práticas intimamente ligadas a estas
actividades, são o palco principal de sociabilidades e da
criação da atmosfera necessária ao efeito do meio que potencia
o desenvolvimento de formas de produção dinâmicas e inovadoras
fortemente territorializadas. Desde há muito que a criação e a
produção, bem como o exercício de práticas concretas de
consumo cultural se centram tradicionalmente em determinados
espaços internos às cidades, onde se desenvolvem pequenos
clusters específicos associados a industrias culturais
concretas, por vezes até, juntando simultaneamente diversas
sub-fileiras (pense-se em caso tão diversos como o Soho ou
Camden Town, em Londres, o Quartier Latin ou Montmartre em Paris
ou o Bairro Alto em Lisboa, entre muitos outros).
As actividades culturais têm ainda um papel fundamental nos
mecanismos de estruturação do espaço das cidades pelo seu
papel importantíssimo na regeneração urbana. A centralidade
das actividades da cultura nos esquemas e políticas de
regeneração urbana está aliás bem documentada (cf., p.e.,
Wynne, 1992; Bianchini e Parkinson, 1993). Seja pelo lado da
renovação física e criação e recuperação de equipamentos e
infraestruturas, seja pela dinamização e animação cultural,
ou seja ainda pelas oportunidades e espaços de sociabilidade
criados, as actividades da fileira da cultura, nas suas
múltiplas dimensões, assumem um papel crucial; destaquem-se
apenas alguns exemplos, como é o caso da organização de
festivais, de acontecimentos do tipo "capital da
cultura", da organização de exposições e de outros
eventos, bem como da recuperação de espaços de sociabilidade e
património diverso, ou a criação de espaços de lazer e
diversão, em zonas centrais desertificadas, frentes ribeirinhas
libertadas ou espaços comerciais e industriais abandonados (cf.
Shurmer-Smith e Burtenshaw, 1993, p.e).
Para finalizar, uma terceira ideia que gostaríamos de destacar
no âmbito da relação das actividades da cultura com a
estruturação do espaço urbano-metropolitano, prende-se com a
importância da cultura popular nestes processos de
recentralização e revitalização dos centros urbanos. Em
particular, as novas formas de consumo e de produção,
associadas a estilos de vida, formas de sociabilidade e práticas
próprias, anteriormente focadas, assumem um papel central. A
importância da cultura popular é inegável, subvertendo as
tradicionais hierarquias culturais, sendo fomentada pela
confluência e justaposição na cidade de uma diversidade de
actividades e práticas, associada à proliferação e
fragmentação dos padrões de produção e consumo culturais e
à maior fluidez das identidades (O'Connor e Wynne, 1996).
Destacam-se neste campo em particular formas específicas de
produção e consumo culturais no seio das "industrias
culturais de juventude" (O'Connor e Wynne, op. cit.), como a
música "pop", a moda, etc. (ou em termos, mais latos,
a economia da noite - cf., p.e., Lovatt, 1995), que, através da
multiplicação e diversificação de práticas geram segmentos
de mercado muito diferenciados e distintivos, fortemente
concentrados no espaço. Seja através do surgimento de pequenas
iniciativas em qualquer destes campos (micro-estilistas, bares e
outros espaços com música ao vivo, lojas de discos, livros ou
roupa em segunda mão, pequenas editoras independentes, pequenos
espaços de animação e exposição,...) muito especializados,
com uma componente distintiva extremamente elevada, seja pelo
efeito de meio generalizado que provocam atraindo cumulativamente
novas actividades, criadores e consumidores, estas actividades
ilustram bem a revitalização de determinados bairros no centro
das cidades (veja-se o caso do Bairro Alto, em Lisboa, p.e.,...).
5. Nota conclusiva
Como foi sublinhado inicialmente esta comunicação procura ser
um esforço de síntese inicial no âmbito de um projecto de
investigação mais amplo sobre a relação das actividades da
cultura com o espaço urbano e a competitividade territorial.
Os resultados obtidos, ainda preliminares, onde avulta a
diferenciação dos comportamentos espaciais das diversas fases
consideradas na "constelação" das actividades da
cultura (criação e produção; distribuição e difusão;
recepção), carecem de um maior suporte empírico para o nosso
país, bem como do desenvolvimento e aprofundamento da
investigação em qualquer das duas linhas apontadas: por um
lado, a questão da competitividade e do papel das actividades
culturais para a economia urbana e para a afirmação externa das
cidades; e, por outro, a questão da organização espacial
intra-metropolitana e o papel das actividades da fileira na
organização e estruturação do espaço citadino.
Neste quadro, assume-se como importante e interessante assumir
sub-fileiras específicas, que permitam equacionar as dinâmicas
em estudo mais concreta e pormenorizadamente... Dois sectores se
afiguram desde já como aliciantes, face à sua transversalidade
em termos das práticas (desde as mais massificadas às mais
eruditas e distintivas) e das formas diversas que assumem estas
actividades (espectáculos ao vivo e criações únicas ou obras
de carácter reprodutível; papel da iniciativa privada e do
apoio público na sua provisão; práticas de consumo
endodomiciliares ou exodomiciliares; novas fronteiras
tecnológicas e estéticas,...): a fileira da música (nas suas
diversas vertentes, desde a performance ao vivo à edição
discográfica) e a fileira do audiovisual (assumindo a sua
diversidade e o papel central das mutações actuais).
Pretende-se assim prosseguir e concretizar alguns dos resultados
e questões aqui equacionados, procurando, através das
especificidades destas actividades, analisar o seu papel na
competitividade urbana.
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