I CONGRESSO PORTUGUÊS DE SOCIOLOGIA ECONÓMICA

 

NOVAS TECNOLOGIAS E ORGANIZAÇÃO E DISCIPLINA DO TRABALHO



"O SINDICALISMO DO SÉCULO XXI - CRISE OU RENASCIMENTO ?"


No que respeita à situação e ao papel actual das organizações sindicais, há que reconhecer desde logo que elas têm vindo a padecer de um fenómeno de natureza dupla, e que é o da "dessindicalização" e o da "insindicalização" sucessivamente agravadas. Ou seja, por um lado há muitos milhares e milhares de trabalhadores que se desfiliam do Sindicato a que, há mais ou menos tempo, pertenciam; e por outro lado cresce o número daqueles que, chegando ao mercado de trabalho, não se inscrevem em qualquer organização sindical.

Julgo que valeria a pena reflectir de forma um pouco mais aprofundada sobre tal fenómeno. É certo que as condições objectivas de que falarei a seguir - e que estão relacionadas directamente com a precariedade e, mesmo, com a clandestinização de uma parte significativa da nossa economia, com tudo o que isso significa de perca de capacidade reivindicativa e, logo, de capacidade negocial por parte dos trabalhadores e das suas organizações - ajudaram a nascer e potenciaram o desenvolvimento desta tendência. Mas são causas externas, e não causas internas, do movimento sindical, isto é, influenciam, mas não explicam tudo.

É pois a meu ver errado procurar interpretar esta aparente crise do sindicalismo - e reflexamente da contratação colectiva - simplesmente na base da tantas vezes invocada pelos próprios Sindicalistas "falta de mobilização" dos trabalhadores. O problema - que assim está colocado de cabeça para baixo - deve antes ser posto correctamente, questionando-se porque é que cada vez um maior número de trabalhadores se desfilia ou não se chega sequer a filiar no sindicato, isto é, não acredita neste.

Creio que o essencial da questão residirá, pois, no interior do próprio movimento sindical, o qual deveria - e deveria urgentemente - examinar-se a si próprio com profundidade e com suficiente capacidade auto-crítica.

Ora, e antes de mais, a explicação para a enorme fragmentação organizativa dos sindicatos portugueses (outro elemento potenciador do seu enfraquecimento) deve ser encontrada na falta de democracia interna dos sindicatos que, logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, foram criados e, sobretudo, nos que foram "aproveitados" (ou seja, tomados por dentro) daqueles que já existiam no regime do corporativismo. O abafamento autoritário, e não raras vezes violento, dos pontos de vista divergentes e a imposição - inclusive por via legislativa (como é o caso da tristemente célebre lei da "unicidade sindical") - da existência de um único sindicato, onde, ainda por cima, umas únicas ideias poderiam manifestar-se, naturalmente que abriu o caminho a que, assim que a situação política (e a respectiva solução legislativa) se alterasse, logo se multiplicasse o fenómeno do paralelismo sindical.

Depois, os sindicatos - que historicamente nasceram do movimento mutualista, evoluiram para organismos de luta económica e se transformaram mais tarde em verdadeiros orgãos de luta política - deixaram, todos eles de uma forma geral, de se assumir entre nós como esses orgãos de luta política (política, não partidária, entendamo-nos), como orgãos de combate por uma sociedade mais justa e fraterna, sem exploração nem opressão, para se transformarem - num dramático recuo histórico - em meras instâncias de luta reivindicativa económica imediata.

Daqui decorreu, em linha recta, uma estratégia de redução da luta colectiva (designadamente ao nível da contratação) quase praticamente à mera actualização das tabelas salariais, com o abandono, para não dizer a "venda", e quantas vezes a troco de uns míseros tostões, de praticamente todos os demais direitos e regalias dos trabalhadores ! Assim, se deixaram cair, por exemplo, inúmeras regalias sociais (como as das infraestruturas de apoio aos trabalhadores e suas famílias) e se deixaram liquidar regras minimamente objectivas de promoções, de retribuições e de progressões na carreira (sendo tal espaço, deixado desta forma "em aberto", ocupado não raras vezes pelo mero arbítrio patronal). Mas, sobretudo e acima de tudo, perdeu-se uma concepção estratégica acerca do que deve ser feito pelos Sindicatos, dos objectivos por que devem lutar e das reivindicações em torno das quais importaria que eles unissem os trabalhadores.

Alheado deste tipo de concepções, mergulhado - diríamos mesmo atolado - nas lutas reivindicativas imediatas, o movimento sindical português nem se deu, em larga medida, conta das profundas alterações na estrutura das classes e no mercado de trabalho que a nossa sociedade sofreu nos últimos 20/30 anos.

Com efeito, verificou-se nesse lapso de tempo uma acentuadíssima "terciarização" da economia, com a radical perda de influência da Agricultura e, mesmo, da Indústria em detrimento do sector de serviços. O proletariado industrial "clássico", digamos assim, tornou-se altamente minoritário relativamente ao conjunto da população activa, e mais ainda tal se passou com os camponeses e, mesmo, com os assalariados agrícolas.

As mais modernas tecnologias e o saber altamente qualificado transformaram-se em poderosíssimas alavancas de progresso, sendo hoje uma verdade indesmentível que um país que não aposte nessa elevada qualificação dos seus trabalhadores é, necessariamente, um país atrasado. Surgiram, entretanto, novas categorias de verdadeiros criadores de mais valia (de que um exemplo bem significativo é seguramente o de um engenheiro de sistemas informáticos), verdadeiros operários de colarinho branco, operários dos tempos modernos, realidade essa que nos deveria fazer a todos nós, e em particular ao movimento sindical, reflectir sobre se não teremos de criar ou adoptar um novo conceito de "operário".

Simultaneamente, a velha organização "fordista" da produção, assente numa organização de tipo "piramidal", fortemente hierarquizada e estruturada em trabalhadores fortemente automatizados (ou seja, fazendo o mais rápida e automaticamente possível uma muito pequena parcela, um pequeníssimo segmento, do processo produtivo no seu conjunto), contratados sem prazo e a tempo inteiro, foi sendo substituída por uma organização empresarial mais "achatada", "modular", assente em larga medida em equipes de trabalho, trabalhando por objectivos e onde se passaram a cruzar múltiplas formas contratuais (desde os contratos de trabalho sem prazo "clássicos", aos contratos a prazo, a tempo parcial, contratos de trabalho temporário e até - umas vezes correctamente, outras bem fraudulentas - os contratos de prestação de serviços), tudo isto aliado a um ambiente de fortíssima competição determinada pelo fenómeno da chamada "globalização da economia".

Incapazes de compreender - pelo menos em toda a sua extensão e consequências - estas profundas alterações bem como as mudanças tácticas e estratégicas que elas deveriam impôr, os Sindicatos "clássicos", e muito em particular os portugueses, mantiveram estreitados os seus horizontes, não redesenharam a sua política de alianças, mantiveram por completo ostracizados os quadros técnicos (e por isso mesmo a proliferação de Sindicatos de quadros no panorama do sindicalismo português é algo de verdadeiramente espantoso), não definiram novos objectivos de luta (como os da salvaguarda do ambiente, da defesa dos direitos dos trabalhadores/cidadãos perante as novas tecnologias ou da luta pelo controle da administração e aplicação das somas astronómicas que são os dinheiros da Segurança Social, por exemplo). Mas muito menos foram capazes de vislumbrar as enormes possibilidades de aprofundamento e de alargamento que o tal fenómeno da globalização (e, no nosso caso, em especial o da integração europeia) abria aos seus combates, permitindo-lhes por exemplo unir todos os operários da União Europeia em torno de um objectivo comum, designadamente ao nível da contratação colectiva.

E sem que os Sindicatos, e em particular os Sindicatos portugueses, todos os Sindicatos, façam este balanço, procedam a este exame e alterem radicalmente as suas posições, não será nunca possível que a luta, a organização e a contratação colectivas passem daquilo que elas são hoje, isto é, quase nada.

Os trabalhadores portugueses precisam seguramente de Sindicatos novos, voltados para o futuro, assentes numa saudável democracia interna e onde os burocratas do sindicalismo não tenham mais lugar; de Sindicatos atentos às novas realidades sociais e dispostos a assumir o papel de instrumentos de luta por uma sociedade melhor, unindo em torno de si cada vez mais trabalhadores que neles vêm aquilo que se espera que seja um Sindicato - uma organização, firme e decidida da luta pela defesa dos interesses de quem trabalha.

Por outro lado, há que reconhecer que a fortíssima compressão a que, sobretudo no final dos anos 80 e princípios dos anos 90, o Trabalho foi sujeito pelo Capital, podendo mesmo dizer-se que neste campo se "bateu no fundo", não podia deixar de ter consequências, e consequências gravíssimas, neste campo.

"Liberalização" dos despedimentos, multiplicação das formas de contratação precária, perto de um milhão de trabalhadores contratados a prazo para ocuparem postos de trabalho permanentes, centenas de milhares de outros trabalhadores contratados (fraudulentamente) a "recibo verde" - sem quaisquer direitos ou regalias -, verdadeira inacção das entidades fiscalizadoras do cumprimento das leis laborais, generalização do ambiente de completa e arrogante impunidade patronal neste campo, tudo isto contribuiu de forma significativa para que a contratação colectiva não raras vezes fosse reduzida a uma perfeita caricatura, em que os patrões impunham tudo o que bem entendiam e os Sindicatos aceitavam, no meio de declarações e ameaças tão tonitroantes quanto inúteis, e sempre afirmando aos trabalhadores que aquele "não era um acordo óptimo, mas era o acordo possível" ...

A isto acresce que a mentalidade dominante da nossa classe empresarial lamentavelmente ainda hoje continua, em larga escala, a ser a de, no quadro de tal "globalização da economia", identificar "competitividade" com a compressão a todo o custo dos custos do facto trabalho. Ou seja, e em larga escala, os patrões portugueses ainda hoje pensam - em vão, como é óbvio ! - que poderão conseguir sobreviver no mercado a nível mundial por meio do recurso ao "dumping social". Daí que, se no Paquistão se consegue produzir uma camisa a um custo de fábrica de 100$00, o empresário português de uma forma geral o que sonha é poder sobreviver a esta concorrência, não apostando na qualidade, nos investimentos nas tecnologias mais avançadas ou na mão-de-obra qualificada, mas sim obrigando os seus trabalhadores a trabalharem cada vez mais e mais intensamente, e pagando-lhes, se possível, cada vez menos !

Aliás, aquilo que é entre nós apresentado frequentemente como grande "novidade" afinal já há muito que foi "descoberto", discutido e rediscutido noutros países, em particular os de economia capitalista mais avançada e nos quais a doutrina laborista tem uma tradição e um peso muito maiores do que a nossa.

Temas como os do Direito do Trabalho "da" crise, ou "na" crise, da (pretensa) falência do mesmo direito do Trabalho, e da flexibilidade e polivalência, mais não representam, afinal, do que a tentativa de "reestruturação" (leia-se de recuperação) de um sistema económico que se encontra numa crise que já ninguém se atreve a negar.

Na verdade, após a grande crise dos anos 70, ocorrida com o chamado "choque petrolífero", os ideólogos da economia capitalista perspectivaram a ultrapassagem dessa crise pela adopção de novos métodos de organização de produção, os quais passavam pelo abandono numa escala mais ou menos alargada do sistema "fordista" (ou "neo-taylorista") da produção, que, por sua vez, era caracterizado - como já atrás se assinalou - por uma grande parcelarização e segmentação das tarefas, pela produção em série e pela máxima automatização no cumprimento de cada uma dessas tarefas "parcelarizadas", e ao qual correspondia uma estrutura empresarial do tipo "piramidal" com inúmeros degraus hierárquicos e assente, em larga medida, em trabalhadores permanentes, a tempo completo e subordinados a um único empregador.

Os preconizados "novos" métodos da organização da produção, em contrapartida, passariam agora por uma organização celular ou "modular" das empresas, caracterizada por um grande "achatamento" da respectiva estrutura - o "downsizing" como os nossos especialistas em gestão e em anglicismos gostam de chamar ... - a exteriorização de um considerável número de tarefas até aí desempenhadas pelos serviços da própria empresa (o chamado "outsourcing") e a grande precarização (mediante a multiplicação dos contratos de prestação de serviço, do trabalho no domicílio, do trabalho temporário e a prazo, bem como da subcontratação) das relações de trabalho.

Em suma, tratava-se de transformar, o mais possível, custos fixos em custos variáveis, aí se incluindo também os custos relativos ao trabalho, e de os diminuir a todo o transe

E é aqui precisamente que surgem as primeiras linhas de defesa da solução mágica da flexibilidade, conceito, aliás, creio que propositadamente bastante inequívoco, porque utilizado em vários sentidos: funcional ou qualitativo (como sinónimo de polivalência, ou seja, a possibilidade de cada trabalhador desempenhar diferentes tarefas ou "segmentos" do processo produtivo); geográfico (representando a mobilidade espacial da mão de obra, com a permanente possibilidade da sua deslocação de um local para outro); quantitativo (significando aqui a liberalização dos despedimentos, e a facilitação da contratação a prazo e do trabalho temporário, a adopção de horários flexíveis, de sistemas de trabalho a tempo parcial e, mesmo, o chamado trabalho intermitente); salarial (procurando agora referir-se à compensação dos custos "sociais" do trabalho, ao desarmamento do sistema público de Segurança Social, diminuição das contribuições patronais, indexação dos salários à produtividade, etc.).

Apesar dos seus vários sentidos específicos, a ideia central é, porém, sempre a mesma - com a flexibilidade, as empresas poderiam tornar-se mais "competitivas", porquanto os (inevitáveis) despedimentos de hoje serviriam para construir a competitividade de amanhã. Porém, a realidade que nos cerca demonstra a completa falência de semelhante teoria: em parte alguma a aplicação das teorias da "flexibilidade" diminuiu o desemprego, chaga social dos nossos dias, pois só na Europa Comunitária - que, recorde-se, nos prometeram que seria o paraíso do emprego... - atinge já cifras astronómicas da ordem dos 18 milhões !

Há, pois, que desafiar os ideólogos da flexibilidade e da polivalência, que sempre as defendem como uma espécie de "PPR" para resolver o problema do desemprego, a apresentarem um único exemplo em que não tenha sido exactamente o inverso que sucedeu !

Mas há mais ! É que esta questão se reveste de ainda maior gravidade quando se está perante uma situação de desemprego que não tem natureza meramente conjuntural (isto é, em que as velhas e ultrapassadas empresas são substituídas, dentro da própria lógica do desenvolvimento capitalista, por novas unidades económicas mais avançadas, tecnologicamente mais apetrechadas), mas sim natureza estrutural (ou seja, em que à destruição das antigas empresas se segue a criação do ... nada, sendo tal espaço ocupado pelos grandes interesses económicos europeus, designadamente espanhois) !

Acresce a tudo isto que, entre nós, a classe capitalista - como já há pouco referira - pensa exactamente como pensavam os senhores feudais no estertor da agonia do feudalismo. Quer dizer, para ela a competitividade de uma forma geral significa, pura e simplesmente, poupar nos custos salariais, e a toda a força. E, assim, se nesta fase da chamada "globalização da economia", num país do Terceiro Mundo é possível fabricar camisas a 100$00 cada, porque aí se pagam 20$00 por mês a um operário, o sonho do capitalista português é, normalmente, o de poder pagar, senão o mesmo, pelo menos perto desses 20$00 ao operário português ! Vai daí, "flexibilidade" quer sobretudo significar a desregulação das leis do trabalho; a possibilidade de a entidade patronal ter hoje trabalhadores em Vila Real de Santo António e amanhã poder pô-los em Caminha e depois de amanhã na Guarda, sem lhes ter que pagar um tostão a mais por isso; ou colocar tais trabalhadores a fazer durante este mês 50h/semana, sem pagar trabalho suplementar; ou pôr o mesmo trabalhador a desempenhar as funções de dois ou três postos de trabalho distintos.

Esta "brilhante" estratégia empresarial de quem pensa poder salvar-se do frio queimando o telhado e as paredes da própria casa, não tem, porém, qualquer saída.

É que procurar encontrar a saída para a crise do sistema capitalista dentro do próprio sistema capitalista é afinal o mesmo que procurar descobrir a quadratura do círculo. Uma e outra são tarefas impossíveis, porque a solução tem de ser encontrada fora e contra elas. E é por isso também que é tão errado defender este tipo de medidas como sendo uma coisa boa para quem vive do seu trabalho, como o é não querer compreender a raíz dos fenómenos e não querer explicar que a solução terá de ser encontrada na construção de uma outra sociedade, mais justa e mais solidária, em que não haja lugar para a exploração do trabalho de outrém, e não na defesa "à autrance" daquilo que actualmente existe, como em larga escala o movimento sindical tem feito entre nós.

E, naturalmente, que dentro de uma lógica geral do país (designadamente a nível da integração europeia) que assenta em grande medida na destruição pura e simples do essencial da nossa capacidade produtiva, e aquilo em que a que nos destinam do ponto de vista da política de criação de emprego é sermos as babysitters, os criados de libré e os empregados de mesa da Europa (são estes, na verdade, os "nichos de mercado" que nos querem apontar como estando ao nosso alcance) este fenómeno ainda é mais agravado !

Finalmente, o Estado - é preciso dizê-lo com toda a clareza ! - tem assumido o papel de, sob a capa da formal "neutralidade" e da sua pretensa superioridade relativamente aos interesses em conflito, fazer adoptar todas e cada uma das medidas políticas, económicas e legislativas que rompem qualquer equilíbrio, o qual seria afinal indispensável para que se pudesse falar de verdadeira "contratação" e de respeito pela dinâmica colectiva dos trabalhadores.

E não são só as medidas mais gerais a que já há pouco nos referimos e que se ligam à completa, e absolutamente escandalosa, precariedade do trabalho em Portugal. De facto, de nada valem as estatísticas oficiais sobre o desemprego, se quem é considerado empregado se encontra permanentemente com o cutelo sobre o pescoço, impossibilitado de reivindicar aquilo a que, quer como cidadão, quer como trabalhador, tem mais do que legítimo direito, sob pena de, no mínimo, logo ser lançado no desemprego.

É que, para além disso, não é possível o Estado vir agora afirmar-se partidário de uma "revificação" da contratação colectiva e simultaneamente manter de pé não apenas todo esse arsenal legislativo montado assumidamente contra os trabalhadores, mas também as regras específicas da contratação colectiva que são, afinal, o seu contrário.

Não pode assim admitir-se num Estado que se diz "de direito democrático" que, sob a capa da declaração da empresa em situação económica difícil ou outra qualquer, se negue durante anos a fio (e mediante esse espantoso instrumento que é o do chamado "regime sucedâneo") o direito à contratação colectiva, como sucedeu por exemplo com a TAP, questão tanto mais grave quanto nas empresas públicas ou de capitais públicos o Governo - que tutela tais empresas - é, simultaneamente, tutor de uma das "partes" do (eventual) conflito e autor do meio de "resolução" (Portaria) do mesmo conflito a favor da parte que ele tutela !

Como, à luz dos mesmos princípios do Estado de direito democrático, é igualmente inconcebível a manutenção de uma disposição legal como a do artº 9º da L.R.C.C.T. (Dec. Lei 519-C-1/79, de 29/12) com base na qual, ao menos da forma como tem sido mais comummente interpretada e aplicada , em caso de fusão ou cisão de empresas, se tem assistido à inacreditável situação de trabalhadores que estavam abrangidos por um determinado IRC, ao fim de 12 meses após a dita fusão ou cisão, estarem confrontados com a opção de terem de escolher entre aquilo que a nova Empresa lhes quer impôr ou ficarem privados da contratação colectiva e sujeitos à lei geral (como sucedeu, entre outros, com os casos dos TLP, da EDP e da Rádio Comercial).

Como finalmente não é mais possível que - agora sob o pretexto de que a fase "protectiva" do Direito do Trabalho já teria passado à história ... - se eliminem ou esvaziem continuamente as normas de "limite mínimo", quer impondo por via heterónoma (ou seja, por meio de normas imperativas absolutas) as soluções que, "malgré tout", em sede de contratação colectiva ainda se não havia conseguido impôr quer, sob o discurso fácil do elogio da "mais ampla autonomia da vontade das partes", deixando que a desigualdade real imponha, sem rei nem roque, as mais baixas e inconcebíveis condições à parte mais fraca.

A fase em que presentemente nos encontramos e com a qual se defrontam quer os Sindicatos quer todas as organizações "tradicionais", designadamente os próprios partidos políticos, é uma fase de enorme desafio: é que ou este tipo de organizações consegue corresponder-lhe, e nessa hipótese o futuro que as espera é um futuro de grandes perspectivas e de grande desenvolvimento; ou não consegue fazê-lo, e a inexorável evolução do mundo passar-lhes-à por cima e os cidadãos e em particular os cidadãos trabalhadores irão criar novas formas de organização que substituam as velhas e obsoletas.

Esta resposta adequada aos desafios da presente época passa, em nosso entender e no que aos Sindicatos diz respeito, pela (re)assunção do seu papel de orgãos de luta não só meramente económica mas também e sobretudo de luta política, de luta pela construção de uma sociedade mais justa e mais fraterna em que a opressão e a exploração não tenham mais lugar.

Passa pela compreensão das novas realidades que entretanto se impuseram no mundo das relações laborais, em particular as decorrentes de fenómenos como os da globalização e da integração europeias. Passa, enfim, pela redefinição dos objectivos tácticos estratégicos que tudo isto implica. Desde logo com a particular atenção às novas categorias de operários entretanto surgidas, às alianças a estabelecer com os novos quadros (que passaram agora a ser submetidos, de forma clara, à disciplina laboral) e à elevação das formas e do âmbito das lutas a um nível muito mais elevado e muito mais amplo, designadamente adquirindo uma expressão europeia, senão mesmo mundial.

Mas também com o desenhar de objectivos muito mais alargados do que os actuais e estreitíssimos horizontes da mera luta reivindicativa económica imediata, passando a abranger áreas como as da ecologia, da qualidade de vida e até a reivindicação de gestão das somas astronómicas que resultam dos descontos dos trabalhadores para a Segurança Social.

É que só uma sociedade em que se tenha ganho definitivamente a consciência não apenas de que o futuro é o do saber altamente qualificado e o da aposta na qualidade, como também de que a sociedade no seu conjunto só tem a ganhar com um sindicalismo forte e com uma contratação colectiva pujante, avançada e que inclusive funcione como um balão e como um "guia" para as futuras soluções legislativas é que será uma sociedade em que as relações de trabalho tenham, enfim, ganho foros de cidadania plena.

E é para aí que todos temos, que o movimento sindical tem que caminhar agora, à entrada do Século XXI. E se o fizer, seguramente que este novo século representará para ele, e para os trabalhadores que representa e organiza, novos e importantes progressos e vitórias.







António Garcia Pereira

 

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