Competitividade, educação e
cidadania: é possível articular as exigências da
economia e da emancipação? |
As reformas educativas levadas a efeitos nos países centrais nas
duas últimas décadas caracterizaram-se genericamente pela
adopção do pressuposto (muito divulgado, mas pouco discutido)
de que a crise económica e a perda de competitividade
internacional se devia, em grande medida, à inadequação e
falta de qualidade dos sistemas educativos e das escolas
públicas. Neste contexto, o discurso da excelência ressurgiu
como um marco orientador de um novo consenso em torno da
educação, não raras vezes assumindo-se como discurso moral que
culpabiliza os indivíduos pela crise económica e pelo fracasso
das instituições, ao mesmo tempo que apela para que esses
mesmos indivíduos (e instituições educativas) sejam mais
produtivos e mais responsáveis.
Uma das consequências deste discurso manifestou-se no facto de
ter propiciado um clima favorável à justificação da
diminuição dos gastos públicos com a educação, abrindo
caminho à revalorização do ensino privado, à divulgação das
políticas da "educational choice" e à adopção de
outros mecanismos de mercado em educação. De forma semelhante
ao que, no terreno estritamente económico, aconteceu com a
adopção de algumas políticas neoliberais, o mercado em
educação criou novas exclusões e desigualdades educacionais
que começaram a pôr em causa os direitos alcançados (e
interiorizados) com a expansão do Estado-providência, agora em
crise.
Ao mesmo tempo em que avança a globalização económica e se
desvanecem as utopias relativas às grandes narrativas
anunciadoras de uma sociedade mais justa e igualitária (ainda,
em grande parte, vinculadas à autonomia relativa do
Estado-nação), muitos dos críticos actuais do
neoconservadorismo liberal (alguns, mesmo, com percursos
anteriores referenciáveis à tradição marxista e neomarxista)
começam a aceitar que é pouco provável (a curto e médio
prazos) mudar o rumo deste movimento, ou fugir das novas
condicionantes mega-estruturais.
Tomando este facto como incontornável, uma nova agenda teórica
e política decorreria agora da aceitação da inevitabilidade de
ter de considerar realisticamente as exigências inerentes à
competitividade económica, que confrontam cada país com um
mercado cada vez mais global, mas reafirmando, de forma
sincrónica e politicamente empenhada, as exigências relativas
à garantia de direitos sociais e económicos fundamentais que,
por exemplo, as políticas mais radicais da chamada nova direita
tentaram suprimir ou diminuir por serem, nesse quadro mais
tecnocrático, percepcionados como obstáculos para a
sustentação das vantagens competitivas procuradas.
Por exemplo, algumas organizações internacionais como a CEPAL
(Comissão Económica para a América Latina e Caraíbas) têm,
em importantes relatórios sectoriais, vindo a chamar a atenção
dos governos latino-americanos para a urgente necessidade de
terem em consideração a educação e o conhecimento como
articuladores fundamentais de uma proposta de
"transformaçáo produtiva com equidade", como é aí
designada (cf. CEPAL, 1993).
Visíveis já em muitos trabalhos de autores e investigadores,
nomeadamente da área das ciências sociais da educação, estas
e outras preocupações similares vêm sendo pensadas,
nomeadamente, no quadro de uma articulação possível e
desejável entre educação, cidadania e competitividade (cf.,
por exemplo, Mello, 1993), aparecendo também em trabalhos mais
recentes que criticam a tradicional "recusa das realidades
económicas" por parte da esquerda e a sua indiferença à
competitividade económica (cf. Touraine, 1996), ou surgindo como
preocupações decorrentes da constatação de que afinal "a
competitividade não pode sacrificar a solidariedade" (cf.
Dahrendorf, 1997).
Por muitas e variadas razões, que a comunicação procurará
esclarecer melhor, esta é uma agenda particularmente importante
para o sociólogo da educação que se dedica a investigar e
problematizar as políticas educativas em Portugal - país
particularmente vulnerável (pelas suas especificidades
semi-periféricas) quer às questões da competitividade
económica, quer às questões relativas aos direitos de
cidadania.
Almerindo Janela Afonso - Univerdidade do Minho