I CONGRESSO PORTUGUÊS DE SOCIOLOGIA ECONÓMICA

 

 

Dialecto e gíria de um "negócio da china": O Volfrâmio, semióforo de mercado em Portugal ?

Introdução

A questão do volfrâmio é, na sua vertente económica, o objecto principal desta comunicação. O desenvolvimento do estudo de que aqui se dá conta, inscreve-se num programa de trabalho mais vasto ainda em curso.
Presente sob a forma de interrogação ao longo de toda a nossa argumentação vai estar o que chamamos de dispositivo de articulação e que é afinal, no que para nós se traduz a dita Questão do Volfrâmio, questão posta por um minério cuja relação produção/preço, à escala mundial, durante o período apresentado, por isso, mobilizamos, através de um gráfico que fazemos acompanhar de representação cartográfica dos principais jazigos de tungsténio ( volframite e scheelite), existentes no mundo.
Ao optar pela composição deste quadro que releva a razão estatística no contexto das ciências sociais, seguimos tão só o modo de abordagem por nós considerado mais adequado à máxima abertura de campo não sem que desde logo deixemos de marcar o facto de o conhecimento do vector Volfrâmio nos exigir que mobilizemos, de forma articulada, outros modos de pesquisa e construção do objecto de estudo, mais próximos do estudo de caso. ( DESROSIÉRES, 1989: 1-9)
A análise será realizada a dois níveis. Em primeiro lugar, e a nível micro, procuraremos reconstituir um itinerário mítico-racional da entrada deste mineral, na esfera económica, através da sua "metamorfose" em bem jurídico-económico e posterior "transdução" em linguagem da mercadoria, que se vai procurar acompanhar, no caso específico de Portugal. Em segundo lugar, e a nível macro, traça-se a constituição do chamado "quadrilátero do volfrâmio", fórmula que permite demarcar, à margem da fronteira política, a orientação geológica das jazidas tungstíferas, na Península Ibérica, mais a norte e mais a leste da fronteira nacional.
O recurso expositivo aos níveis de análise designados de micro e macro deve, contudo, ser entendido não no sentido de dois métodos opostos, como por vezes se crê, mas sobretudo como duas maneiras heterogéneas de construir uma totalidade. (ibidem : 3).
Assim, esses dois níveis são, por sua vez , atravessados por dois planos de intersecção que se cruzam,sobrepõem e bifurcam: um, mais interno ao país, que nos dá conta dos aspectos multidimensionais considerados mais pertinentes, em que se pode analisar o processo de exploração/comercialização do volfrâmio, o volfro, na expressão émica das populações, ouro negro na gíria nacional dos tempos de guerra; o outro,mais internacional, onde se destaca a análise que possibilita identificar a tensão mercado/convenções e apreender o papel singular do volfrâmio português, na "dobra" da história marcada pela II Guerra Mundial.
O que se enunciou compõe, a nosso ver, um caso a vários títulos exemplar, cujo estudo, na confluência da sociologia, da história e com destaque aqui, da economia, se nos impôs, sobretudo pela potencialidade de novos questionamentos que, assim conduzido, pode proporcionar.

1. QUADRO GERAL DE PARTIDA

1. 1. Dispositivo de articulação : ou o Volfrâmio como barómetro

O mapa que se apresenta (anexo 1) cartografa os principais jazigos de tungsténio conhecidos no mundo. Da sua leitura pode destacar-se a grande incidência de jazigos em território chinês, efectivamente o primeiro produtor mundial e a intensa concentração relativa na área correspondente a Portugal onde se referem os dois mais importantes coutos mineiros, Borralha (Trás-os-Montes, concelho de Montalegre, distrito de Vila Real) e Panasqueira (Beira, concelho do Fundão, distrito de Castelo Branco). Este último, é o único hoje em actividade, talvez por ser o melhor da Europa e um dos mais importantes no mundo, em contraste com a quase ausência de significativas minas de volfrâmio no resto da Europa. Para além desses, um outro aspecto se evidencia também desde logo, o da sua raridade geográfica.
Partindo deste, ganha outro sentido a representação gráfica da sua produção (fig.1) e sobretudo a da relação produto preço verificada ao longo do século.
O quadro da produção mundial, que se segue permite concluir que a produção portuguesa de volfrâmio rondava, na década de 40, 20% do total do volfrâmio produzido no Ocidente.

Produção do Ocidente

Fonte : CERVEIRA,A.M. , 1986:110.

A leitura conjugada de ambos, quadro e gráfico, como se pode ver, sinaliza de forma que iremos analisar as principais situações de crise por que passou o nosso século com particular incidência nas duas Guerras Mundiais.
Assim, a produção que era extremamente baixa na primeira década do século, registou um pico por volta de 1916-1918, tendo decaído para níveis mais baixos ao daquele primeiro período, no imediato pós-guerra, para a seguir subir lentamente até 1930 e de novo descer até 1932, ano a partir do qual sobe subitamente e de forma pronunciada, mantendo-se os altos níveis relativos de produção durante uma fase comparativamente longa de cerca de 10 anos, até 1942, altura em que sofre nova baixa para outra vez subir até que se verifica uma queda súbita no imediato pós-guerra para, a partir de 1950, retomar uma linha ascensional que, apesar das oscilações, não parou desde então de se verificar .
A curva dos preços, por sua vez, descreve uma trajectória que permite identificar claramente quando a intensidade da procura é tamanha que, por mais que a oferta aumente, o preço sobe a níveis extraordinários . É o que se verifica por altura da I Guerra Mundial, pico mais alto do século, uma vez que, a intensidade da procura se associa aqui aos baixos níveis de produção, e consequentemente, à quase inexistência de stocks.Tal desajustamento do mercado explica, porventura , a queda abrupta dos preços, coincidindo com o momento em que a produção atinge o seu ponto mais elevado neste período.A partir daí, e até 1952, nunca mais a curva dos preços deixou de reflectir uma procura superior à oferta, com particular incidência pela sua duração associada à amplitude no período da II Guerra, e de novo pelo acentuado desvio por altura da Guerra da Coreia. De 1954 até 1965, a relação produção - preço inverte os seus termos, descendo este último a níveis comparáveis aos do início da década de 20, quando aquela era muitíssimo inferior. A procura sobrepuja novamente a oferta desde então, com excepção de um curto período nos anos 70, e isto apesar de, como se viu, se verificar um contínuo aumento da produção, o que parece indiciar o reforço dos stocks. É certo que, nos anos 80, se assiste a uma queda muito acentuada dos preços a qual parece corresponder por fim a um súbito aumento da oferta gerado pela associação entre os níveis altos de produção e a mudança de política referente à manutenção dos níveis de stocks por parte dos EUA, designadamente.
Continuando a apreciação de conjunto, saliente-se, na linha do que a literatura técnica sobre esta matéria tem vindo a destacar, como características típicas do mercado do volfrâmio, recentemente considerado como um mercado hoje "anestesiado" : flutuações acentuadas nas cotações e produções , o que lhe confere uma natureza de excepcional volatilidade. Trata-se, com efeito, de um mercado " extremamente sensível aos estados de expansão ou de recessão económica, aos de acalmia ou de tensão política, aos de tranquilidade ou de conflito militar e a vários outros." (CERVEIRA, 1986: 110)
Temos, porém, presente que, como é sabido, o problema dos preços joga com muitas variáveis e situações, tópico que aliás indirectamente se aborda.

2. O "METAL DO SÉC. XX" , TUNGSTÉNIO (VOLFRÂMIO) : Objecto de fronteira.

O volfrâmio é citado em 1546 na obra De Natura Metalica do metalurgista alemão Agricola (Georges Bauer), e tungsténio, em 1751 por Cronstedt. Este foi isolado, em laboratório, há cerca de 200 anos (1781) pelo químico sueco de ascendência alemã Carlos Guilherme Scheele, sendo tal confirmado por Bergman e ampliado pelo mesmo, em 1782. No ano seguinte, dois químicos de Logronho, os irmãos Elkuyar, conseguem também isolar o novo metal. O tunsgténio é o 56º elemento da crosta terrestre, em termos de abundância.
Tungsténio derivará das palavras suecas tung (pesado) e sten(pedra).
A palavra (Wolfram) volfrâmio é suposto ter aparecido nas minas de Zinualde, na fronteira da Saxónia e da Boémia, e decompôr-se em wolf (lobo) e rahm (espuma).



2.1. O Volfrâmio enquanto objecto de fronteira

Esta perspectiva de análise, já por nós seguida em estudo anterior , permitindo-nos então reflectir em particular sobre o protagonismo da mulher no processo de exploração e comercialização do volfrâmio, e a sua entrada, sob diversas modalidades, no mercado de trabalho, é aqui retomada para descrever e introduzir a análise do processo histórico e social de constituição da mercadoria volfrâmio, minério de propriedades e aplicações muito diversas e básicas para a infraestrutura económica, designadamente industrial das sociedades contemporâneas.
Tomamos como referência a historiadora Simona Cerruti , ao procurar não perder de vista a ligação estreita, entre comportamentos sociais e desenvolvimentos institucionais, relação que consideramos num sentido não de simetria, mas de correspondência entre diferentes facetas de um mesmo objecto.

2.1.1. De pedra a minério

A narrativa mítica da Borralha enquanto representação de rito de passagem de um ser natural a bem económico, aí ainda inominado, mas já objecto de disputa pela sua apropriação e consequente afastamento da sua esfera dos 'naturais' detentores, vai permitir-nos de uma forma singular seguir a constituição da mercadoria volfrâmio, em Portugal. A narrativa desenvolve-se através dos episódios do aludido conflito, vincado pelo facto de o actante "estranho" ser também estrangeiro, o que à partida intensifica e complexifica a relação de conflito e o alcance do que nela se "encena".
É, afinal, o ponto de partida da entrada no comércio jurídico do mineral, que aliás é legalmente instituido nesses mesmos termos de 'ponto de partida', documento formal exigido por todo e qualquer manifesto mineiro, preparatório do registo de uma concessão mineira.
A narrativa que vamos submeter a esta grelha de leitura adquiriu foros de mito de origem, ao passar de boca em boca e sob a forma de literatura de cordel, o que significa, em larga medida, a representação popular do conflito que atravessa o processo de exploração deste minério, desde o seu início.

2.1.2. "Autobiografia do Borralha" e o mito da origem

Partindo de um fundo de complexidade para tentar apreender a relação "encenada", procura-se ensaiar a leitura de um texto de literatura de cordel, mescla alquímica de elementos autobiográficos, referências locais, dados de informação sobre coisas e "seres" da natureza, bens, objectos e mundos sociais diversos convergindo em explicação do princípio da história da exploração de volfrâmio num dos mais antigos e importantes coutos mineiros portugueses - a Borralha. A matriz que usamos, refractada, é resultado dos quadros teóricos e estratégias práticas de pesquisa que temos vindo a seguir, por sua vez exigidas pela densidade e natureza explosiva do processo histórico e social em foco, contido num tempo (curto) /espaço (local), em convulsão no jogo de interesses em que se cruzam outros tempos/espaços (transnacionais) decididos em catástrofes sucessivas (duas guerras mundiais).
Esta " autobiografia em verso do Borralha" inicia-se com uma apresentação " Aja quem queira ler o grande folheto/ do despedimento e da vida do Borralha /em 21 de dezembro de 1905/ Eu Domingos Alves Borralha / aqui vou dar a saber / quem eu era e quem não era / e quem eu podia ser."a que se segue a invocação aos leitores. Só depois começa, com a moral do enredo, a narração "Descobri grande balor/ podia ser rico e nobre/mas de repente fui roubado/ fiquei quem era sempre pobre/"a qual prossegue, então se desenvolvendo, a sua autobiografia "Na Botica foi nascido/ em Roivães foi batizado/ e depois foi para a Borralha/hoje lá vivo casado". " Despedi-me de meus pais/ foi para as terras de Barroso/sempre pedindo trabalho/foi para as minas de Calhoso /
Dá a seguir início à exposição da situação conflitual "quando vi aquelas pedras/que andavam a aproveitar / eu disse na minha terra/ à pedras a sobejar/. Como a pedra em bruto, a informação. "Porém estavam três ladrões/que todos queriam saber/aonde era a minha terra/se eu lho podia dizer"/. A informação como recurso."Não puderam conseguir/logo na ocasião/depois só me acaçuavam/diziam que era carvão".As estratégias de desqualificação. " Depois escrevi a meu pai/para as pedras me remeter/ para verem que era verdade/quanto eu estava a dizer". O meio de prova, a coisa em si, a empiricidade transportada do local, cuja transportabilidade, aqui, para a esfera económica, faz lembrar movimento idêntico ao analisado no contexto da antropologia das ciências, o da transportabilidade das espécies naturais alienígenas para a investigação experimental nos laboratórios(LATOUR, 1996:23-47). "Por esta grande traição/logo cá vieram ter/ eu coitado inocente/sem de tal coisa saber/". A causa do desapossamento é atribuída a uma traição ."De novo me escreveu/que as pedras estavam mostradas/e para mais segurança/já estavam registadas/".O registo como prova da entrada no comércio jurídico, do estatuto de bem jurídico-económico. "Quando tal coisa ouvi/ eu fiquei sobressaltado/só por ver tanto ladrão/a roubar um desgraçado/". O abalo da consciência mítica. A mina (o mineral) não é de quem a descobre mas do que a regista, ainda que à traição o faça. " Retirei-me de Calhoso/ vim para a beira de meus pais /ali peguei numa maça/e trabalhei como os mais/. Produção e uso da força de trabalho."Mais tarde veio o Marjão/eu logo o conheci/com palavrinhas honestas/a ele me dirigi/" "esta mina descobri/e por traição foi roubado/por isso lhe pedia/que queria ser empregado/". O actante, o estranho ou usurpador, que contudo o emprega, é o estrangeiro (francês).
"O homem me concedeu/a tudo quanto eu queria/e me deu o ordenado/a seiscentos réis ao dia/""Agora des que me viu/com mulher e já casado/nem sequer me dá trabalho/ e já não sou empregado/"(...)"O Marjão já se esqueceu/dos socos pregados/hoje já usa gravata/já é dos homens estimados" (...). "Agora és director/já tens posto elevado/tu dá o pão ó Borralha/se não és afuzilado/". Manifestação de disputa em violência, na forma de ameaça face à ameaça de lhe serem retiradas as condições da própria sobrevivência.
(…) / (...)" meus olhos serão uma ponte/não sei o que eide seguir". A autobiografia prossegue. Escolhemos, em razão da economia do texto desta comunicação, terminar a sua transcrição, com estes dois últimos versos, metáfora do que podendo nunca ter alcançado a grandeza da causa pública, nem por isso deixou de passar de boca em boca, sendo, ainda hoje, história contada nas minas da Borralha, como pudemos comprovar no decurso do trabalho de terreno.
A longa transcrição comentada, remete-nos para a relação entre o não moderno e o moderno, e justifica-se, aliás na linha dos ensinamentos colhidos em trabalhos recentes de autores como Bruno Latour e Isabelle Stengers, pelo facto de, ser, a nosso ver, esta a forma mais adequada de dar conta do que consideramos um rito de passagem que terá acompanhado, pela via do Volfrâmio, a entrada das populações do norte e centro do país, no mercado e respectiva internacionalização. Ganha assim, para nós modernos, novo sentido o eco que nos chega de Spinoza "Quando estas personagens formadas pela prática decidem escrever acerca de um assunto político tratam-no indubitavelmente muito melhor do que os filósofos, pois nada ensinam que não seja aplicável" .
A problemática da gestão da informação na indústria, tratada por G. Bowker, a propósito do estudo da indústria extractiva, no caso, a petrolífera, serve-nos de quadro de referência para o ensaio feito, de leitura interpretativa desta história popular portuguesa a vários títulos paradigmática da paradigmática "questão do volfrâmio".
Representativa da inabilidade de gestão da informação, no sentido de registo de patente que lhe dá Bowker ao tratar a companhia petrolífera Schlumberger onde se patenteavam as descobertas de forma a manter o poder sobre elas, a história do Borralha é duplamente representativa quer , a nível macro e numa escala global, da posição portuguesa no que concerne ao registo /patente das minas de minério do séc. XX, quer a nível micro e na escala local, no que se refere aos modos de articulação dos poderes/saberes.
Produzida por e integradora de mitos, a autobiografia em verso de Domingos Alves Borralha ancora-se no espaço-tempo da origem/despedimento do indivíduo, enraízada embora na circulação social pela via popular e antiga do panfleto "folheto , à margem da história oficial.

2.1.3. O Volfrâmio, objecto de fronteira. Porquê?

Pudemos seguir até aqui , ainda que sob a forma deslocada de uma análise de narrativa popular, porventura a que melhor nos poderia , porém, restituir toda a complexidade do que chamamos "rito de passagem", a metamorfose de uma pedra do caminho à mercê do pastor que guarda o rebanho, em minério disputado e prontamente investido da forma de bem económico com a correspondente entrada no comércio jurídico, para que, registada a sua propriedade, da exploração subsequente a nova mercadoria se impusesse no mercado a um tal ponto que, iremos ver, se nos apresente como barómetro do mercado, ou semióforo, designação àquela preferida, porquanto, a vários títulos, terá investido de significação um novo espaço, o de um mercado internacional. De que modos e porquê? Ao caracterizá-lo como objecto de fronteira procuramos enunciar tão-só o que pensamos estar em jogo e que, mediante sucessivas mediações, desenvolveremos adiante, ao analisar genericamente, na terceira parte deste texto, o plano de intersecção interno. Com efeito, o volfrâmio=volfro =ouro preto= tungsténio = WO3 participa, enquanto objecto de fronteira, de muitos mundos sociais. Como se verifica, desde logo e de forma explícita na própria língua. É-o nos laboratórios, práticas de terreno e saberes técnicos do geólogo, do topógrafo, do engenheiro de minas, do analista químico.É-o, também, no contrabando, na ou da pilhagem nocturna, nos autos policiais, no "objecto do crime", e, em caso limite, nas falsificações . É-o ainda, do secreto, nas redes de espionagem e de diplomacias cruzadas, nas convenções, convénios e acordos bilaterais, luso-alemães e luso-britânicos (1942/1943), que dão corpo formal à neutralidade activa do governo de Salazar no quadro da II Guerra Mundial, aspecto retomado adiante. É-o, por outro lado, dos cambistas, comerciantes e banqueiros, financeiros das companhias de transporte e de seguros, redes de actores com forte protagonismo na política de preempção. É-o por fim, nas multímodas representações literárias e sociais, nos mitos do Eldorado e da Fárria, marcas nas terras revolvidas e nas memórias revoltas das populações. Investigá-lo supõe assim "traduzi-lo " de mundos para mundos, de problemas para problemas, generalizar, sem porém deixar que perca singularidade e integridade. É necessário descobrir os"pontos obrigatórios de passagem " que são para Latour e Law , o ponto de vista central do investigador profissional a que todos os outros se vão referir, enquanto, para S. Leigh Star e seu modelo ecológico, esta tradução dos objectos de fronteira se opera a partir de vários pontos de vista e múltiplos pontos de passagem simultâneos. (STAR, 1989) Em que medida o mercado mundial e, nesse contexto, o comércio do volfrâmio podem ser ponto obrigatório de passagem na economia das traduções do objecto Volfrâmio como objecto de fronteira entre mundos sociais diferentes ? Ou, também, em que medida a economia das traduções do Volfrâmio como objecto de fronteira entre mundos sociais diferentes pode ser ponto obrigatório de passagem na compreensão do mercado mundial ?

2.2. Desterritorializações / reterritorializações


Fonte : KEMLER, 1950:27


O mapa reproduzido , que cartografa os tipos de solo, ilustra e serve de suporte gráfico ao nosso argumento, a nível macro, que considera a fronteira como objecto.
A exploração mineira do volfrâmio e consequente comercialização, particularmente no período da II Guerra, traduz a nosso ver, a reterritorialização de uma área geográfica correspondente à de Portugal, país com as fronteiras estáveis mais antigas da Europa. Com efeito, esse processo histórico pressupõe ser desde logo visto na perspectiva de uma diversa configuração espacial, como se o quadrilátero geográfico-político em que se delimita fosse sofrer, desterritorializando-o no sentido da orientação geológica dos filões, uma deslocação a sudeste, de 45 graus, retraçando o quadrilátero do volfrâmio, o seu lado superior, algures a norte, na oblíqua de Finisterra a Oviedo. A exploração internacional do Volfrâmio vai tomá-lo para si enquanto objecto que reconfigura em quadrilátero do então chamado 'ouro negro' , o que lhe permite jogar, a seu favor, com a duplicidade de fronteiras - políticas e de extracção mineral. Tal proporciona aos beligerantes, em particular aos nazis, driblar os tratados, os acordos internacionais, isto é, fazer das fronteiras objecto, num espaço desterritorializado que reterritorializam à medida das exigências do comércio e da fuga às restrições que convencionam. Acontecia não poucas vezes que eram compradas concessões com pleno conhecimento de que não viriam a produzir volfrâmio mas eram obtidas para 'cobrir', na travessia da fronteira, o contrabando mineral de outras concessões, ou manter sob controlo uma concessão limítrofe.Tal situação permite compreender que tenha chegado a ser de um terço, da metade do volfrâmio obtido oficialmente pela Alemanha, volume de minério feito passar clandestinamente para Espanha. Com efeito, as redes alemãs canalizavam o volfrâmio adquirido no mercado livre ou negro, preferencialmente, por via terrestre,enquanto os Aliados o faziam por Gibraltar. À fronteira estava pois reservado um importante papel explorado intensamente pelos beligerantes, que punham e dispunham dela na medida dos seus interesses, transformando-a assim em objecto de natureza económica.

3. O VOLFRÂMIO SEMIÓFORO DE MERCADO


Mas como no caso dos seres naturais, para que um objecto manufacturado seja valorizado é preciso que seja raro. Esta raridade não pode reduzir-se a uma relação diferencial entre uma oferta e uma procura mas depende de outros objectos que compõem o seu ambiente.(Chateauraynaud, 1995:134)

Num contexto particular , o do mercado mundial de volfrâmio e nessa situação portuguesa, a nosso ver, como exemplo da pregnante instituição em que se tornou o mercado, iremos agora introduzir alguns traços e problemáticas do comércio do volfrâmio português com as suas respectivas posições no mercado mundial deste produto mineral-metálico, sugestivamente chamado o metal do séc. XX, pelas aplicações de que é objecto. Também a esta luz, tal leva-nos a introduzir o estudo obrigatório das representações dos que em maior pormenor o analisaram, sob este ponto de vista, curiosamente engenheiros de minas, e não os que classicamente se ocupam de estudos económicos, aspecto a desenvolver mais directamente. Com efeito, o acento que se coloca nos "caracteres visíveis, supõe o reenvio a qualquer coisa que presentemente não está lá ou que é pura e simplesmente posto como invisível." (POMIAN). Ora é precisamente este autor que nos esclarece, que, desde que uma coisa entra num jogo de troca, adquire uma significação e torna-se um semióforo. Segundo a leitura que do mesmo faz Chateauraynaud (1995: 134), uma coisa não tem, apriori, caracteres visíveis nos quais possa investir-se uma significação. São criados através de signos distintivos, etiquetas, marcas, indicações de origem. Os caracteres visíveis servem de suporte às relações invisíveis que, contrariamente às relações físicas, são estabelecidas não tanto pela mão, quanto pelo olhar e pela linguagem, isto é pelo que, designamos, no caso vertente, por linguagem da mercadoria.

3.1. Dialecto e gíria de um "negócio da china"

É do senso comum, dizer-se do chamado tempo do minério, que " Muito se produziu, muito se exportou, muita riqueza entrou no país. Não é infundada a fama do "ouro negro", assim concretizada " A soma de 4,5 milhões de contos é muito, principalmente para nós que somos pobres (o valor real foi ainda bem maior). (CARNEIRO, 1959: 74). Tomando pois por base o volfro dos "sem ponto de partida" vamos traçar o plano de intersecção com que pretendemos conferir alguma visibilidade às redes configuradoras da economia subterrânea em que, em boa medida, julgamos ter assentado o processo de extracção e comercialização desse minério.
Conforme referimos, a história oficial do volfrâmio inicia-se com o registo da mina e desenvolve-se a partir do "ponto de partida". O nosso ponto de partida é aqui anterior. É o dos sem ponto de partida, aqueles que ao não acederem ao manifesto e registo de qualquer mina ficam de fora da história oficial. Em parte, por isso, se procedeu a uma primeira análise da autobiografia em verso do Borralha, a nosso ver bem representativa do que designamos camada mítica de um processo social, mobilizando discursos émicos da sua construção-representação. Parte-se do que não chega a ser para o que é, não se parte do que é, para nos encerrarmos nele.
A esta escala e na linguagem da mercadoria que se adopta, conservando-lhe o dialecto próprio e identificando-lhe a gíria, o volfro está indissociavelmente ligado à actividade dos pilhas, dos apanhistas, os do quilo, os empreiteiros, ao contrabando e redes de mediações em relação às companhias mineiras e aos testas de ferro dos alemães . Durante a II Guerra (1939-1944), a exploração de outros recursos, para além do volfrâmio, o encobrir a carência de bens necessários ao suporte da economia sob as condições prevalecentes no mundo - deficiências de matérias primas, produtos acabados, ou transporte - atitudes políticas, e certas considerações militares, quer por parte dos responsáveis portugueses, quer dos beligerantes, tudo se referia ao Volfrâmio, sua exploração e controlo. Ilustra bem o que referimos a seguinte descrição feita, à época, por um engenheiro e professor de minas, no prefácio de um pequeno manual prático, cuja ampla divulgação e entusiasta recepção a imprensa (nacional e regional) registou largamente. "Este livro não se destina a técnicos - para isso os assuntos aqui tratados superficialmente, exigiriam uma obra de muitos volumes, para a qual, o compilador não tem competência. É consagrado às centenas de pessoas que, nesta triste época de guerra, se dedicam, no nosso país, aos negócios de minas e de minérios, pessoas a quem devem interessar as noções dos assuntos aqui versados. ... será para nós recompensa bastante a satisfação de ter contribuído ... para melhorar as lamentáveis condições em que... se negoceia com a nossa riqueza mineira. A exploração mineira representa hoje para o nosso país um manancial de ouro. Mas esse manacial estancar-se-á, deixando apenas tristes desilusões, se nos limitarmos a aproveitar a maré. Em vez de malbaratar a fortuna, embora facilmente ganha, saibamos transformá-la em verdadeira riqueza, empregando-a em explorar tantas outras, dando bases sólidas às indústrias a que a guerra tenha criado ambiente favorável.Assim, mas só assim, Portugal resistirá galhardamente aos terríveis embates da crise do após-guerra. Ultimamente a exploração do volframite e da cassiterite tem tido grande influência na vida económica do nosso país. Queixam-se algumas pessoas de que esta exploração desvia muitos braços dos trabalhos agrícolas e encarece a vida;... temos de considerar algumas centenas de milhar de pessoas que agora vivem das minas e que a lavra destas tem evitado a fome a muitíssimos trabalhadores e às suas famílias. A balança pende de uma maneira muito acentuada para o lado do benefício.O Estado também lucra muito, porque os impostos mineiros, os direitos de exportação e a contribuição industrial que incide sobre as oficinas de tratamento de minérios devem, este ano, somar muitos milhares de contos. A Direcção Geral de Minas... tem facilitado a exploração mineira....
Dizia-se que Portugal é um país pobre em minérios. O autor destas linhas... há anos conseguiu que a Associação Industrial Portuense representasse ao Governo a lembrar a conveniência de se fazer o reconhecimento das nossas riquezas mineiras... Hoje são os concessionários e os operários que fazem com a mira no lucro, esse reconhecimento, o qual confirma as nossas previsões... Destes trabalhos alguma coisa deve ficar, alguns jazigos mostrarão ter valor para serem explorados depois de terminada a guerra."
Passado mais de meio século desde que foi publicada a obra em referência de cujo prefácio extraímos a longa transcrição, certas palavras, conceitos, expressões, lidas em complementaridade com as expressões do longo subtítulo da mesma, podem servir -nos, numa primeira fase, para indicar algumas particularidades do processo de exploração e comércio do Volfrâmio, com destaque, no que se refere ao tema do mercado, aqui em estudo, para os seguintes tópicos - falsificações, fornecedores de material, gabinetes técnicos e laboratórios -, nos quais se subsume todo uma configuração de redes - pilhas, os do quilo, volframistas e outros protagonistas do contrabando e mercado negro e/ou mercado livre.
Sobre as redes dos pilhas, outro aspecto do problema volfrâmio, já por nós introduzido, na perspectiva de mulheres que também integraram essas redes parece-nos útil contrastar aqui, precisamente, o que, em ofício de 25 de Junho de 1945, comunica o eng. J. de A., director técnico do Couto Mineiro de Adoria, de que é concessionária a EMISA, aos administradores da mesma " Nestes três últimos dias tem os pilhas feito incursões às nossas minas com o intuito de roubar minério. É um grupo de 18 a 20 pessoas com carcácter de "quadrilha" relativamente organizada, cjo chefe é um tal A. A nossa acção não pode ser eficaz, por esses homens virem armados, com as armas descaradamente à vista, e eu não permitir que os n/guardas actuem com fogo por prever daí graves consequências.Aproveito a ocasião para pedir …a fineza de não reduzirem à pouca guarda que etmos, pois que ficaremos numa situação muito precária de defesa, não só das minas …como de todo o equipamento, ou seja , materiais, maquinismos, instalações, etc.No primeiro dia em que pretendiam entrar nas galerias, quando avistaram os guardas, limitaram-se somente a insultar a Empresa e seu pessoal. Da segunda vez, porém, tiveram os guardas de fazer uso das armas, fazendo tiroteio para o ar…. Como se trata de 'pilhas' de reconhecida 'categoria' e alguns, larápios de profissão, …repetirão as tentativas feitas, demais, que teem quem lhes compre o minério e desculpam-se que precisam de governar a sua vida. Tratando-se dum caso bastante melindroso, rogo a V.Exª o favor de me darem instruções sobre a forma de proceder".
Poucos dias depois, em novos ofícios para os administradores da Empresa, sob a refª. "Assaltos por 'pilhas' e para o Director da Direcção Geral de Minas e Serviços Geológicos, dá-se conta, de incidentes ocorridos, que indiciam o conflito intenso que envolveu a actuação cruzada de diversas redes locais, nacionais e estrangeiras, afinal em torno do que, sabiamente uma informante, mineira, mulher e filha de mineiros e também 'pilha', caracterizava assim : "debaixo daquele chão nós procurávamos o que não tinhamos perdido"
"… Segundo o que por nós foi observado, e de que depois fomos informado, os pilhas nesse dia estavm na disposição de, pela madrugada, reforçarem não só os que lá dentro roubavam, com os que cá fora vigiavam. Tivemos que actuar rapidamente, no que nos auxiliou o …chefe dos Correios em Cerva, pois que embora fora de horas conseguiu pôr-nos em ligação com o Vice-Presidente da Câmara e assim, utilizando mesmo uma camionete de passageiros dentro de uma hora estavm a auxiliar-nos duas patrulhas da GNR que, juntamente com os nossos homens fizeram 11 prisões, no que muito contribuiu o Exº Sr, Krull, pela maneira como soube conduzir as buscas no interior….No entanto soubemos que no concelho andam grandes pedidos para arranjar a liberdade dos pilhas, pelo que será conveniente conseguir com que a PVDE os venha buscar o mais breve possível…." Como esta muitas outras 'queixas' idênticas foram feitas.
Complexifica ainda esta dimensão, a de uma configuração de reportórios (NUNES, 1994) de saberes técnicos e práticos, elementos constitutivos e constituintes do nosso argumento, e cuja necessidade de análise, por a atravessarem, apenas se sublinha e introduz.Assim, na linha das análises sociais mais profícuas últimamente conduzidas sobre a sociedade portuguesa, designadamente por e sob orientação de Boaventura Sousa Santos, e relativamente à tensão entre os princípios de estruturação social próprios da regulação e/ou da emancipação, a transcrição patenteia essa tensão na medida em que denota explicitamente e de um modo exemplar, não só os dois termos essenciais dessa tensão, como um dos modos mais importantes, que não o mais visível, de regulação dos mesmos, através do papel social dos saberes técnicos - charneira irresolvida entre os saberes práticos e as determinações oficiais do poder - aqui, carregado de uma visibilidade invulgar, inerente talvez ao facto entre nós pouco comum de se tratar da apresentação de uma obra técnica preparada para divulgação "massificada", logo dotada de características inerentes ao senso comum, garante afinal do impacto pragmático desejado, mas imbuída também do desejo de alcançar implicações sociais, técnicas e culturais (in)determinadas.

3.1.1. Da mercadoria Volfrâmio (boletins de análise e certificação de qualidade): ao metal tungsténio.

"O volfrâmio ou tungsténio é um metal representado em química pelos símbolos W e Tu. …Possui peso específico muito elevado - 17 a 19kg por dm3. Funde só a temperatura muito superior a 3.000º.(…) O principal minério de tungsténio é a volframite, a que os nossos mineiros chamam indevidamente volfrâmio e também volfrão. É um tungstato de ferro e manganésio; cada um destes metais entra na proporçaõ de 5% a 20%. . A volframite chega a ter 76% de anidrido tungstítico (WO3) ou seja, 60,3% de tungsténio…"(COSTA,1942: 7- 21)
O "rito de passagem"da pedra ao minério, atrás dialectalmente identificado, dá lugar aqui, em gíria técnica, a um outro processo técnico-científico de identificação química e laboratorial, que mobiliza todo um complexo conjunto de dispositivos cuja relação com o mecanismo de mercado se torna evidente, impondo-se-nos que entremos em linha de conta com o que nos obrigará a proceder ao estudo da interrelação destas duas dimensões, em regra consideradas autonomamente. Trata-se de um tópico que, apesar da sua importância para o desenvolvimento do novo argumento aqui introduzido, só mais tarde poderemos trabalhar no âmbito dos estudos sociais das práticas e saberes técnicos.
Para a formação do preço por unidade do minério de volfrâmio era tido em linha de conta o teor deste em anidrido túngstico.Desde logo porque, para chegar à identificação de uma tal unidade, se procedia, designadamente no mercado inglês,da seguinte foma. Tomando por base a tonelada de 1016 Kg e sendo o preço estabelecido por unidade de anidrido túngstico, poderá dizer-se que o minério tem uma unidade quando em 1016 Kg contém 10,16 Kg de anidrido tungstico; ora, se o minério tiver o teor de 67%, ou seja, de 67 unidades de anidrido volfrâmico, WO3, e o valor a preços de mercado estiver em 300sh/unidade, o preço da tonelada de minério (1016Kg) seria de 300x 67 = 20100 sh., sendo ligeiramente inferior o preço da tonelada métrica. Acresce, porém, que o preço/unidade de minério nos termos que acabamos de descrever não é proporcional ao número de unidades, porquanto se diminui o número de unidades, diminui mais rapidamente o preço do minério.Por fim, também se tem de atender, no cálculo do preço,à presença prejudicial do arsénio.Este intróito, em que seguimos a par e passo a lição de Mendes Costa, permite-nos perceber todo o alcance das análises laboratoriais e do que nelas estava em jogo, ao emitirem certificados de qualidade do produto com base nos respectivos boletins de análise onde se especificavam características físicas das amostras, (ex. amostra seca a 100ºC.), métodos utilizados, (nitrato mercuroso-iodo-sulfídrico), rótulo (ex.C.R.C.M., Comissão Reguladora do Comércio dos Metais - E.M.S., Empresa Mineira de Sabrosa identificação do contrato de compra (ex. nº, nome e quantidade da mercadoria). Estes boletins, peças integrantes de processos com 6 e mais documentos., incluiam também contratos-tipo de compra/venda de que encontramos dezenas de cópias no arquivo da E.M.S. / EMISA e um exemplo de clausulado geral em Mendes Costa (1943: 70). Este processo de certificação encontra-se relativamente documentado no arquivo citado, designadamente para os anos 1938 a 1945, em que contabilizamos, um total de 233 processos (40 em 1938, 67 em 1939, 27 em 1940, 5 em 1941, 0 em 1942 e 1943, 36 em 1944 e 63 em 1945) a cargo de uma rede vastíssima de laboratórios estrangeiros, de muitos países da Europa - Alemanha, Inglaterra, Suécia, Holanda, França, e dos E.U.A., onde se destacam por ex. Daniel C.Griffith, Benedict Kitto, Williams Harvey, G. Watson Gray de Liverpool, Staatshutenlaboratorium de Hamburgo, Goteborg Stads Vagare da Suécia, Faculté des Sciences de Grenoble, etc., rede em que só a partir de 1940 se começam a integrar laborátorios nacionais. Inicialmente, os Laboratórios e Serviços de Análise do Instituto Superior Técnico seguidos pelo da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e os do Ministério da Economia, até aos laboratórios particulares de engenheiros químicos industriais, alguns assistentes do IST e aos laboratórios das próprias empresas, como os da Panasqueira e os da EMISA, estes, por exemplo em Vila Real e Vila Nova de Gaia, simultaneamente locais de visitas de estudo e estágios de alunos da Universidade do Porto e do então Instituto Industrial da mesma cidade.
Estas redes cruzavam-se, por sua vez , com uma intrincada teia nacional e internacional de gabinetes técnicos e fornecedores de materiais e instrumentos de origens e aplicações diversas, que são requeridos por um complexo de práticas que, intermediadas pelo mercado, vão da mina ao laboratório e deste àquela, desde o transporte, à topografia e às prospecção, extracção, exploração, separação, etc. Recenseando apenas os mais conhecidos, encontram-se em 1942, para além dos 25 estrangeiros, espanhóis, franceses, ingleses, alemães…, 13 sediados em Lisboa, nacionais e ou representações, e 6 no Porto.
3.1.1.1. A contrafacção

Paralelas de certo modo a estas redes e práticas dos "experts", quase, diriamos, jogando com elas o jogo do esconde - esconde, outras redes intervem na exploração e comércio do volfrâmio emicamente designado por um outro 'negócio da china', modo de dizer cujo estabelecimento à luz de algumas vertentes da nossa história exigiria só por si, aturado e importante estudo.
Continua aqui a estar subjacente a já atrás sinalizada tensão entre modernos e não modernos, mas agora sob uma outra forma, a das diversas modalidades de contrafacção, incluindo as tão propaladas falsificações cujos contornos seria bem mais fácil identificar se se limitassem às praticadas com a queima em óleo de pedras, e outras misturas genericamente englobadas na designação de "fritadas", simulacros de volfrâmio por vezes só identificados sob análise química, ou ainda às variadas formas de outras falsificações praticadas no jogo do mercado negro e do contrabando, que introduzindo-se nas pregas das guerras dos preços, abarcam desde verdadeiros contos do vigário a estratagemas mais ou menos engnehosos, com a prática de regulação estatal, via controlo da C.R.C.M., traduzida por exemplo no uso obrigatório de guias de trãnsito, a acompanhar os lotes de minério enviados para tratamento, venda ou exportação, cujo preenchimento frequentemente se iludia, com a conivência e o beneplácito de muitas outras redes.
A contrafacção tinha, ainda, a outros níveis, manifestações jurídico-económicas bem mais sofisticadas. Era, por exemplo, o caso dos chamados vendedores profissionais de alvarás, sobre os quais se chegou a produzir doutrina e jurispridência, como em relação ao ocorrido entre 1941 e 1943, com a Mineira de Foz Côa Ldª, em que se verifica a dupla venda de manifesto mineiro, a falsificação de editais, a inclusão fraudulenta no processo de peças forjadas, isto, entre outros actos de contrafacção descritos em minuta de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, entretanto publicada .

3. 2. O quadrilátero do Volfrâmio

Na questão do volfrâmio o Doutor Salazar foi mais longe do que nós esperávamos" (Sampaio,Cons.Embaixada em Washington, conversa c/P.Culbertson, State Department. M.N.E., 30/7/1944)

A luta entre o Eixo e os Aliados, pelo controlo dos recursos portugueses em volfrâmio, "alma dos canhões", pode entender-se como um marcador político, económico e social designadamente na medida em que permite apreender algumas linhas caraterizadoras do conflito de interesses estrangeiros em Portugal e a um teste à força económica e política da Alemanha, Grã-Bretanha e Estados Unidos. Vários autores, sobretudo estrangeiros, se têm debruçado sobre este "casus belli" que nós iremos aqui apenas introduzir. É a W.N. Medlicott, que vamos colher vários modos do seu entendimento, fazendo-o, naturalmente como se estivessemos a aceder, por meios informáticos, a uma base de dados, isto e´, usando só 'descritores' (entradas) sob as possíveis formas, porém, em que podem apresentar-se, enquanto tradutores de contéudos, e facilitadores do acesso organizado à informação/conhecimentos. Restringimo-nos ao uso de um, desdobrado embora, pelo menos por três designações - Volfrãmio, Wolfram, Tungsténio. Com efeito, a sua obra The Economic Blockade, história oficial da II Guerra Mundial publicada sob os auspícios de Sua Majestade, a Rainha, e com direitos reservados da coroa, permite-nos fazer uma pesquisa indiciária de referências ao Portugal (periférico) cruzando-as com as do Wolfram e Tungsten. Assim a pag. 32, vol.I, surge-nos a primeira referência ao Wolfram. "A Germânia não tinha produção doméstica de bauxite. Entre os "ferro-alloy metals" não tinha produção doméstica de molibdénio, cromo, manganésio, tungsténio (Wolfram-Volfrâmio), ou titânio". Refere-se a falta de produção doméstica alemã de tungsténio, colocando entre parêntesis o termo wolfram. A utilização posterior do termo Wolfram é sempre indirecta, reservando-a para os fornecimentos do minério à Alemanha (pág.323, vol.I ) . A pp. 513 "... era conhecido p. ex. que 5 t de Wolfram português fora enviado nas linhas aéreas da Germânia de Espanha para Itália".
Mas mais importante do que fica dito, é o que se diz quando se utiliza uma ou outra das designações do mineral. É que, com o uso do termo tungsténio, verifica-se uma simetria, porquanto a sua utilização é referida ao Reino Unido, directa ou indirectamente, mas sempre em relação com este. Assim lista a página 340 de Materiais estratégicos ... tungsten p. 367, p. 369 "Tungsten : 6% vinham de áreas que os Aliados podiam controlar", p. 373 "the possibility of United States purchases of tungsten from China was discussed, but non definite decisison had been taken before the fall of France". A p. 400 "The estimated pre-war exports of Chinese wolfram (tungsten) ...".
A questão do Volfrâmio traduz-se para a do tungsten pelos ingleses quando referida ao seu lado do quadrilátero e para a do Wolfram quando está em jogo avaliarem a posição germânica do outro lado do quadrilátero.Se é possível dizer que na língua também se toma partido,a questão na língua portuguesa trai a tradução,ao adoptar o germanismo por que ficou para sempre a ser conhecida.
Daí que, partindo embora, das versões que autores portugueses dão desta problemática, a nossa análise se tenha basicamente centrado na questão da gestão de informação, o lado "secreto" da questão, e se assuma como um princípio de leitura de documentos preparatórios que podem ter estado na formação de decisões e declarações públicas e oficiais. Trata-se fundamentalmente de notas e apontamentos manuscritos de Oliveira Salazar, telegramas e missivas de embaixadores e representantes diplomáticos portugueses, documentos particulares do Secretariado da Propaganda Nacional e de outros organismos do aparelho do Estado Novo, que integram o espólio do designado arquivo de Salazar. As tensões, as linhas de fractura, a gestação secreta dos compromissos atravessam o quadrilátero do volfrâmio e configuram -no e reconfiguram-no a um ritmo quase alucinante, mas sempre aquém da dinâmica dos movimentos económico-sociais desencadeados: Haja em vista, por exemplo, a existência neste arquivo de 55 documentos sobre as negociações/pressões a propósito da cessação da exportação de volfrãmio português, em apenas 2 meses, (entre 21 de Maio e 30 de Julho de 1944), que, acabando por conduzir à promulgação do embargo e cessação da produção, não impediram no entanto a continuação da exportação para a Alemanha nazi, designadamente de 260 toneladas conforme denúncia da Inglaterra, com base em relatórios dos seus espiões colocados no país de origem, Portugal, nos locais de passagem, Espanha e França, e no país de destino, a Alemanha.
Exemplar da política de ocultamento de manifestações sociais induzidas pelo caso volfrâmio cuja divulgação ocorrida no estrangeiro era vista como ameaça e como tal destinada a "guardar em casa" e posteriormente passível de desmentido é o que a seguir se transcreve, também, pelo significado das várias e polémicas leituras, feitas à época, sobre o que acima introduzimos sob o tópico "a história dos sem ponto de partida": "EUFORIA (BOOM ) DO VOLFRÂMIO EM PORTUGAL. Lisboa (A.P.) Os camponeses portugueses estão possuídos de uma vertigem de euforia sem igual. Todas as noites se verificam nas aldeias serranas grandes orgias. A aguardente corre aos litros, o dinheiro muda de dono com inacreditável rapidez. Assalariados tornados novos ricos compram às duzias canetas de tinta permanente, relógios de pulso e alfinetes de gravata. Pobres diabos, que ganhavam até agora 8 marcos por semana, só já vivem de atum, caviar e champanhe.
Ao "ouro negro" de Portugal, o volfrâmio, se deve esta abundãncia de dinheiro. Os preços deste metal importantíssimo para a indústria de armamentos subiram em curto prazo de tempo mais de 120%. Centenas de camponeses e assalariados, a maior parte sem licença, esgravatam nas serras onde o volfrâmio quase só tem de ser levantado e transportado para fora dali. Portugal possui os mais ricos jazigos de volfrâmio da Europa".Imprensa estrangeira do SNI: 2-10-1950. "
O lado subterrâneo deste negócio, isto é, a análise do volfrâmio português e a economia política é aqui introduzido, através do trabalho que prosseguimos sobre um outro arquivo de natureza diferente do anterior, posto/observatório da vida e da história das populações portuguesas, no período entre 1938 e 1950, que nos fornece simultaneamente, elementos importantes para uma análise transversal (sociológico-histórica) da sociedade portuguesa, a meio do nosso século, a qual foi varrida por uma verdadeira tempestade, e, documenta, por outro lado, directamente, a vida curta mas intensa e multifacetada (universos de relações no plano interno e internacional) de um complexo mineiro industrial-comercial, testa de ferro dos interesses alemães e operando com companhias nazis de grande poder e influência na Península Ibérica, como a ROWAK/ SOFINDUS ( LEITZ, 1995: 72-73) uma empresa, a EMISA, criada por um cambista da Rua das Flores, Porto, e de uma companhia mineira, a Companhia Mineira do Norte de Portugal, duas concessionárias mineiras, associadas por força dos interesses sobre o volfrâmio. A seu tempo, veremos como fontes destes dois arquivos se complementam e completam, permitindo-nos equacionar pistas de descrição e compreensão das redes de actores que cruzam, se movimentam e sustentam lógicas próprias de mundos diversos, desde o industrial, quase sempre aqui subordinado ao mundo mercantil, caracterizado pelo sentido de oportunidade, ao mundo doméstico, definido entre outras características, pelo paternalismo e proteccionismo, passando pelo mundo cívico, no sentido do político e do militar.

3. 2.1. Portugal no desconcerto do mundo (1938-45) "neutralidade activa e geométrica":

Continuando a linha de análise anterior, pormenorizemos agora uma outra escala de observação deste objecto de estudo, ou seja, o que na introdução designamos de plano de intersecção internacional . Iremos fazê-lo numa perspectiva de complexificação do problema, ao optarmos por um trabalho de arqueologia feito sobre uma determinada categoria de textos, considerados secretos - resumos, pareceres, apontamentos de conversa, informações internas, etc. - documentos produzidos nos bastidores do governo de Salazar e do seu Ministério dos Negócios Estrangeiros. Ao agir assim, isto é, optando pela procura de um "conhecimento intensivo (DESROSIERES:1989:1) onde o micro e o macro se nos apresentam não como opostos mas como duas maneiras heterogéneas de construir a totalidade (ibidem : 3), se podemos vir a conferir a este objecto, outra visibilidade estamos a colocar-nos, no entanto, no centro da polémica que se mantém latente no quadro da investigação histórica e das ciências sociais - a da oposição entre duas formas de pesquisa, a monográfica e a estatística e dois modos de construir a generalidade (ibidem:1 -8).
O contexto é o de "guerra económica", como classicamente tem sido apresentado. A vida económica portuguesa é marcada, entre outros factores, pelas prolongadas negociações e renegociações do acordo clearing luso-alemão, as ocorridas particularmente entre 1938 e 1942, e que envolvem interesses comerciais de variados países europeus, em diversas regiões do mundo, com destaque, no caso de Portugal, para os produtos coloniais e posições estratégicas das colónias portuguesas, designadamente Moçambique e Cabo Verde, e também das ilhas, em particular os Açores. Do extenso dossier preparatório, que contém designadamente textos de alteração ao protocolo referente ao material de guerra alemão encomendado pelo governo português, para além, por exemplo, de minuciosas análises e estatísticas da evolução comercial de diversos países europeus considerados de economia análoga à nossa (Grécia, Hungria, Checoslováquia, Roménia, Bulgária), constituído pelos mais diferentes tipos de documentos basicamente produzidos por e trocados entre, o Departamento de Questões Económicas e a Direcção Geral dos negócios políticos e económicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros e a Legação Alemã em Lisboa, com a intervençâo do Banco de Portugal, mediador, através de bancos suíços, para pagamentos e divisas, destacamos : " Até meados de 1936, as contas do nosso 'clearing' com a Alemanha fechavam com um saldo a favor da Alemanha, da ordem de 1 ou 1,2 milhões de Marcos, saldo este que o Banco de Portugal cobria com entrega de divisas. De meados de 1936 para cá a posição inverteu-se e a conta do Banco de Portugal junto de Verrechnungskasse acusa um saldo positivo que já ultrapassa 3,5 milhões de marcos, com tendência para aumentar…A inversão de posições que acaba de dar-se no nosso intercâmbio com a Alemanha deve ser atribuída à coincidência dos dois factores seguintes: a) diminuição das nossas compras no mercado alemão resultante da valorização do Reichsmark em relação a outras moedas recentemente desvalorizadas (franco francês, franco suíço, gulden holandês, lira italiana, etc.).b) aumento das compras alemãs em Portugal, em resultado da reorganização do mercado espanhol…"(Resumo Parecer de Tovar, 14 de Abril de 1937). Segue-se todo um conjunto de documentos, sempre analisados em notas manuscritas de Oliveira Salazar. Relativos a negociações, contactos, resumos económicos e contenciosos ( de que é exemplo, a queixa da legação alemã, envolvendo firmas portuguesas, uma das quais, representante de empresa estrangeira, acusada de, com maquinações do correio português, passar para o consulado britânico em Lisboa, importante correspondência comercial trocada entre casas comerciais de Portugal com a Alemanha, é ameaçada de ser incluída na Lista Negra), estes documentos de bastidor dão conta das alterações que vão ocorrendo, e que simultaneamente contribuem para preparar, em interrelação com as rápidas e sucessivas mudanças da situação internacional, mesmo que sendo só reservado a Portugal, o papel de intermediário e placa giratória.
Recentrando-nos de novo no protagonismo que o volfrâmio português vai desempenhar neste cenário de guerra, verificamos em informação confidencial (15 de Julho de 1940), que "o Governo Alemão tem a intenção de adquirir por enquanto de Portugal e debaixo de todas as reservas as seguintes quantidades de mercadorias :mensalmente cerca de 45 toneladas minério de estanho, mensalmente cerca de 45 toneladas de minério de wolfrâmio…"(sublinhado na própria nota) e segue-se um pequeno rol de outras mercadorias onde se destacam as conservas de sardinha e produtos coloniais(amendoim, sisal, copra, sementes de palmeira, sisal, etc.
Pouco depois (31 de Março de 1941), está já elaborado documento preparatório das negociações do Acordo Luso-Alemão sobre volfrâmio, para vigorar até final de 1942, a)A exportação de volfrâmio será repartida por duas cotas iguais, de 2,800 T. anuais cada, de minério a 65%: uma atribuída à Grã-Bretanha e América, outra à Alemanha e países continentais;b) A produção das minas pertencentes … às sociedades Beralt Tin & Wolfram, Ltd., (concessionária da Panasqueira) Stanley Mitchell e Sociedade de Minas do Cabril será totalmente consignada à cota inglesa e americana; a produção das minas pertencentes actualmente às sociedades Empresa Mineira de Sabrosa,(concessionária de uma rede superior a 30 minas e coutos mineiros, particularmente dos distritos de Vila Real e Vila Pouca de Aguiar) Companhia Mineira das Beiras, ( concessionária de minas em Trás-os-Montes, distrito de Bragança e Beiras, distrito de Viseu) Companhia Mineira do Norte de Portugal,(mais tarde associada à Emisa e ao Grupo Mineiro de Arouca) Minero Silvícola Ldª e Sociedade Nacional da Indústria Mineira Ldª. será totalmente consignada à cota alemã e continental dentro do mesmo limite. A restante produção do país será dividida pelos dois grupos…até preenchimento de qualquer cota…; c) A compra e venda para exportação, serão efectuadas pela Comissão Reguladora do Comércio dos Metais , ao preço de 150$00 o quilo, cativo do imposto e da taxa a fixar…;d) o valor do volfrâmio a exportar para a Alemanha e outros países continentais será pago exclusivamente em mercadorias, naõ havendo por isso pagamento em divisas;e) Os preços das referidas mercadorias serão os anteriores à guerra acrescidos do custo a ctual dos transportes…As mercadorias serão postas de conta do vendedor na fronteira portuguesa; f) Se o valor do volfrâmio a fornecer à Alemanha…exceder o das mercadorias oferecidas em compensação (ferro e aço, máquinas para minas, vagões, papel de jornal, entre outras constante de lista anexa), o governo alemão compromete-se a aumentar o fornecimento daquelas, ou a fornecer outras, tais como : carris, material para instalações eléctricas, redes telegráficas e telefónicas, máquinas industriais e carvão; ( …) Matérias constantes de alguns destes pontos vão depois ser objecto de apresentação da posição alemã, em numerosos outros documentos.

CONCLUSÃO

A nossa hipótese inicial era a de que o mercado do Volfrâmio poderia ser entendido como barómetro da proximidade/afastamento de conflitos e tensões intrenacionais, mormente, guerras. Tal relacionava-se com o facto de se tratar de um metal estratégico, dominatemente até ás décadas 50 / 60 do nosso século, ou seja, enquanto, como se afirma em doumentos da II Guerra Mundial, "a ciência não lhe havia ainda encontrado substitutos".
Através do estudo subjacente a esta comunicação, pudemos chegar à formulação de uma outra hipótese - o volfrâmio semióforo de mercado em Portugal ? - que, sem negar aquela, todavia a desloca do interior de um campo, à partida dado, para a 'terra revolvida' do movimento "turbilhonar" em que, em grande medida, se traduziu o processo de exploração do volfrâmio em Portugal. Esta deslocação pressupôs e permitiu, através de sucessivas mediações - desde a análise do mito de origem que compõe o que consideramos um rito de passagem da pedra ao minério e deste a mercadoria, até à sua definição enquanto "objecto de fronteira", participante de múltiplos "mundos socias", mantendo sempre a sua singularidade - se tornasse, por fim, visível, o que nos questiona na "questão do Volfrâmio".
Desta análise, a nível micro, resultou a necessidade de tentar compreender, então, a nível macro, a amplitude do movimento de deslocação iniciado, através da introduçaõ da análise da desterritorialização/reterritorialização do espaço geográfico da exploração do minério, onde a fronteira funcina como interface das transacções que conferem ao objecto volfrâmio e, sobretudo a esta análise, natureza rizomática (Deleuze), relevando-se assim, a transversalidade e a não hierraquização do processo.
Seguidamente, e no cruzamento, sobreposição e bifurcação dos planos de intersecção nacional /internacional, daquele movimento "turbilhonar", resultado de tensões entre forças fortemente reguladoras umas, e desreguladoras, outras, chegamos à apreensão das redes configuradoras de um novo espaço de significação que, a nosso ver, poderia indiciar, em contexto de guerra, a afirmação (ou formação) do mercado em Portugal.
Por fim, pensamos ter deixado sugerido neste texto os elemntos de que se compõe o que poderemos considerar um caso na sociologia económica, uma vez que o volfrâmio /tungsténio/volfro, enquanto objecto da economia, carece, para ser entendido, do estudo sociológico do seu enlace económico.

Fonte: Cerveira 1986 Conferência realizada na Ordem dos Engenheiros Lisboa

Fontes (manuscritas, impressas e orais)

Documentos de arquivo
Salazar (dossier Volfrâmio) T.T.
Emisa e CªMªN.P. A.D.P.
Relatórios técnicos. I.G.M.
Entrevistas informais ( Cerva-Ribeira de Pena, Borralha, Arouca, Trás-os-Montes)

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Maria Otília Pereira Lage - Universidade do Minho

 

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