Introdução
A questão do volfrâmio é, na sua vertente económica, o
objecto principal desta comunicação. O desenvolvimento do
estudo de que aqui se dá conta, inscreve-se num programa de
trabalho mais vasto ainda em curso.
Presente sob a forma de interrogação ao longo de toda a nossa
argumentação vai estar o que chamamos de dispositivo de
articulação e que é afinal, no que para nós se traduz a dita
Questão do Volfrâmio, questão posta por um minério cuja
relação produção/preço, à escala mundial, durante o
período apresentado, por isso, mobilizamos, através de um
gráfico que fazemos acompanhar de representação cartográfica
dos principais jazigos de tungsténio ( volframite e scheelite),
existentes no mundo.
Ao optar pela composição deste quadro que releva a razão
estatística no contexto das ciências sociais, seguimos tão só
o modo de abordagem por nós considerado mais adequado à máxima
abertura de campo não sem que desde logo deixemos de marcar o
facto de o conhecimento do vector Volfrâmio nos exigir que
mobilizemos, de forma articulada, outros modos de pesquisa e
construção do objecto de estudo, mais próximos do estudo de
caso. ( DESROSIÉRES, 1989: 1-9)
A análise será realizada a dois níveis. Em primeiro lugar, e a
nível micro, procuraremos reconstituir um itinerário
mítico-racional da entrada deste mineral, na esfera económica,
através da sua "metamorfose" em bem
jurídico-económico e posterior "transdução" em
linguagem da mercadoria, que se vai procurar acompanhar, no caso
específico de Portugal. Em segundo lugar, e a nível macro,
traça-se a constituição do chamado "quadrilátero do
volfrâmio", fórmula que permite demarcar, à margem da
fronteira política, a orientação geológica das jazidas
tungstíferas, na Península Ibérica, mais a norte e mais a
leste da fronteira nacional.
O recurso expositivo aos níveis de análise designados de micro
e macro deve, contudo, ser entendido não no sentido de dois
métodos opostos, como por vezes se crê, mas sobretudo como duas
maneiras heterogéneas de construir uma totalidade. (ibidem : 3).
Assim, esses dois níveis são, por sua vez , atravessados por
dois planos de intersecção que se cruzam,sobrepõem e bifurcam:
um, mais interno ao país, que nos dá conta dos aspectos
multidimensionais considerados mais pertinentes, em que se pode
analisar o processo de exploração/comercialização do
volfrâmio, o volfro, na expressão émica das populações, ouro
negro na gíria nacional dos tempos de guerra; o outro,mais
internacional, onde se destaca a análise que possibilita
identificar a tensão mercado/convenções e apreender o papel
singular do volfrâmio português, na "dobra" da
história marcada pela II Guerra Mundial.
O que se enunciou compõe, a nosso ver, um caso a vários
títulos exemplar, cujo estudo, na confluência da sociologia, da
história e com destaque aqui, da economia, se nos impôs,
sobretudo pela potencialidade de novos questionamentos que, assim
conduzido, pode proporcionar.
1. QUADRO GERAL DE PARTIDA
1. 1. Dispositivo de articulação : ou o Volfrâmio como
barómetro
O mapa que se apresenta (anexo 1) cartografa os principais
jazigos de tungsténio conhecidos no mundo. Da sua leitura pode
destacar-se a grande incidência de jazigos em território
chinês, efectivamente o primeiro produtor mundial e a intensa
concentração relativa na área correspondente a Portugal onde
se referem os dois mais importantes coutos mineiros, Borralha
(Trás-os-Montes, concelho de Montalegre, distrito de Vila Real)
e Panasqueira (Beira, concelho do Fundão, distrito de Castelo
Branco). Este último, é o único hoje em actividade, talvez por
ser o melhor da Europa e um dos mais importantes no mundo, em
contraste com a quase ausência de significativas minas de
volfrâmio no resto da Europa. Para além desses, um outro
aspecto se evidencia também desde logo, o da sua raridade
geográfica.
Partindo deste, ganha outro sentido a representação gráfica da
sua produção (fig.1) e sobretudo a da relação produto preço
verificada ao longo do século.
O quadro da produção mundial, que se segue permite concluir que
a produção portuguesa de volfrâmio rondava, na década de 40,
20% do total do volfrâmio produzido no Ocidente.
Fonte : CERVEIRA,A.M. , 1986:110.
A leitura conjugada de ambos, quadro e gráfico, como se pode
ver, sinaliza de forma que iremos analisar as principais
situações de crise por que passou o nosso século com
particular incidência nas duas Guerras Mundiais.
Assim, a produção que era extremamente baixa na primeira
década do século, registou um pico por volta de 1916-1918,
tendo decaído para níveis mais baixos ao daquele primeiro
período, no imediato pós-guerra, para a seguir subir lentamente
até 1930 e de novo descer até 1932, ano a partir do qual sobe
subitamente e de forma pronunciada, mantendo-se os altos níveis
relativos de produção durante uma fase comparativamente longa
de cerca de 10 anos, até 1942, altura em que sofre nova baixa
para outra vez subir até que se verifica uma queda súbita no
imediato pós-guerra para, a partir de 1950, retomar uma linha
ascensional que, apesar das oscilações, não parou desde então
de se verificar .
A curva dos preços, por sua vez, descreve uma trajectória que
permite identificar claramente quando a intensidade da procura é
tamanha que, por mais que a oferta aumente, o preço sobe a
níveis extraordinários . É o que se verifica por altura da I
Guerra Mundial, pico mais alto do século, uma vez que, a
intensidade da procura se associa aqui aos baixos níveis de
produção, e consequentemente, à quase inexistência de
stocks.Tal desajustamento do mercado explica, porventura , a
queda abrupta dos preços, coincidindo com o momento em que a
produção atinge o seu ponto mais elevado neste período.A
partir daí, e até 1952, nunca mais a curva dos preços deixou
de reflectir uma procura superior à oferta, com particular
incidência pela sua duração associada à amplitude no período
da II Guerra, e de novo pelo acentuado desvio por altura da
Guerra da Coreia. De 1954 até 1965, a relação produção -
preço inverte os seus termos, descendo este último a níveis
comparáveis aos do início da década de 20, quando aquela era
muitíssimo inferior. A procura sobrepuja novamente a oferta
desde então, com excepção de um curto período nos anos 70, e
isto apesar de, como se viu, se verificar um contínuo aumento da
produção, o que parece indiciar o reforço dos stocks. É certo
que, nos anos 80, se assiste a uma queda muito acentuada dos
preços a qual parece corresponder por fim a um súbito aumento
da oferta gerado pela associação entre os níveis altos de
produção e a mudança de política referente à manutenção
dos níveis de stocks por parte dos EUA, designadamente.
Continuando a apreciação de conjunto, saliente-se, na linha do
que a literatura técnica sobre esta matéria tem vindo a
destacar, como características típicas do mercado do
volfrâmio, recentemente considerado como um mercado hoje
"anestesiado" : flutuações acentuadas nas cotações
e produções , o que lhe confere uma natureza de excepcional
volatilidade. Trata-se, com efeito, de um mercado "
extremamente sensível aos estados de expansão ou de recessão
económica, aos de acalmia ou de tensão política, aos de
tranquilidade ou de conflito militar e a vários outros."
(CERVEIRA, 1986: 110)
Temos, porém, presente que, como é sabido, o problema dos
preços joga com muitas variáveis e situações, tópico que
aliás indirectamente se aborda.
2. O "METAL DO SÉC. XX" , TUNGSTÉNIO (VOLFRÂMIO) :
Objecto de fronteira.
O volfrâmio é citado em 1546 na obra De Natura Metalica do
metalurgista alemão Agricola (Georges Bauer), e tungsténio, em
1751 por Cronstedt. Este foi isolado, em laboratório, há cerca
de 200 anos (1781) pelo químico sueco de ascendência alemã
Carlos Guilherme Scheele, sendo tal confirmado por Bergman e
ampliado pelo mesmo, em 1782. No ano seguinte, dois químicos de
Logronho, os irmãos Elkuyar, conseguem também isolar o novo
metal. O tunsgténio é o 56º elemento da crosta terrestre, em
termos de abundância.
Tungsténio derivará das palavras suecas tung (pesado) e
sten(pedra).
A palavra (Wolfram) volfrâmio é suposto ter aparecido nas minas
de Zinualde, na fronteira da Saxónia e da Boémia, e
decompôr-se em wolf (lobo) e rahm (espuma).
2.1. O Volfrâmio enquanto objecto de fronteira
Esta perspectiva de análise, já por nós seguida em estudo
anterior , permitindo-nos então reflectir em particular sobre o
protagonismo da mulher no processo de exploração e
comercialização do volfrâmio, e a sua entrada, sob diversas
modalidades, no mercado de trabalho, é aqui retomada para
descrever e introduzir a análise do processo histórico e social
de constituição da mercadoria volfrâmio, minério de
propriedades e aplicações muito diversas e básicas para a
infraestrutura económica, designadamente industrial das
sociedades contemporâneas.
Tomamos como referência a historiadora Simona Cerruti , ao
procurar não perder de vista a ligação estreita, entre
comportamentos sociais e desenvolvimentos institucionais,
relação que consideramos num sentido não de simetria, mas de
correspondência entre diferentes facetas de um mesmo objecto.
2.1.1. De pedra a minério
A narrativa mítica da Borralha enquanto representação de rito
de passagem de um ser natural a bem económico, aí ainda
inominado, mas já objecto de disputa pela sua apropriação e
consequente afastamento da sua esfera dos 'naturais' detentores,
vai permitir-nos de uma forma singular seguir a constituição da
mercadoria volfrâmio, em Portugal. A narrativa desenvolve-se
através dos episódios do aludido conflito, vincado pelo facto
de o actante "estranho" ser também estrangeiro, o que
à partida intensifica e complexifica a relação de conflito e o
alcance do que nela se "encena".
É, afinal, o ponto de partida da entrada no comércio jurídico
do mineral, que aliás é legalmente instituido nesses mesmos
termos de 'ponto de partida', documento formal exigido por todo e
qualquer manifesto mineiro, preparatório do registo de uma
concessão mineira.
A narrativa que vamos submeter a esta grelha de leitura adquiriu
foros de mito de origem, ao passar de boca em boca e sob a forma
de literatura de cordel, o que significa, em larga medida, a
representação popular do conflito que atravessa o processo de
exploração deste minério, desde o seu início.
2.1.2. "Autobiografia do Borralha" e o mito da origem
Partindo de um fundo de complexidade para tentar apreender a
relação "encenada", procura-se ensaiar a leitura de
um texto de literatura de cordel, mescla alquímica de elementos
autobiográficos, referências locais, dados de informação
sobre coisas e "seres" da natureza, bens, objectos e
mundos sociais diversos convergindo em explicação do princípio
da história da exploração de volfrâmio num dos mais antigos e
importantes coutos mineiros portugueses - a Borralha. A matriz
que usamos, refractada, é resultado dos quadros teóricos e
estratégias práticas de pesquisa que temos vindo a seguir, por
sua vez exigidas pela densidade e natureza explosiva do processo
histórico e social em foco, contido num tempo (curto) /espaço
(local), em convulsão no jogo de interesses em que se cruzam
outros tempos/espaços (transnacionais) decididos em catástrofes
sucessivas (duas guerras mundiais).
Esta " autobiografia em verso do Borralha" inicia-se
com uma apresentação " Aja quem queira ler o grande
folheto/ do despedimento e da vida do Borralha /em 21 de dezembro
de 1905/ Eu Domingos Alves Borralha / aqui vou dar a saber / quem
eu era e quem não era / e quem eu podia ser."a que se segue
a invocação aos leitores. Só depois começa, com a moral do
enredo, a narração "Descobri grande balor/ podia ser rico
e nobre/mas de repente fui roubado/ fiquei quem era sempre
pobre/"a qual prossegue, então se desenvolvendo, a sua
autobiografia "Na Botica foi nascido/ em Roivães foi
batizado/ e depois foi para a Borralha/hoje lá vivo
casado". " Despedi-me de meus pais/ foi para as terras
de Barroso/sempre pedindo trabalho/foi para as minas de Calhoso /
Dá a seguir início à exposição da situação conflitual
"quando vi aquelas pedras/que andavam a aproveitar / eu
disse na minha terra/ à pedras a sobejar/. Como a pedra em
bruto, a informação. "Porém estavam três ladrões/que
todos queriam saber/aonde era a minha terra/se eu lho podia
dizer"/. A informação como recurso."Não puderam
conseguir/logo na ocasião/depois só me acaçuavam/diziam que
era carvão".As estratégias de desqualificação. "
Depois escrevi a meu pai/para as pedras me remeter/ para verem
que era verdade/quanto eu estava a dizer". O meio de prova,
a coisa em si, a empiricidade transportada do local, cuja
transportabilidade, aqui, para a esfera económica, faz lembrar
movimento idêntico ao analisado no contexto da antropologia das
ciências, o da transportabilidade das espécies naturais
alienígenas para a investigação experimental nos
laboratórios(LATOUR, 1996:23-47). "Por esta grande
traição/logo cá vieram ter/ eu coitado inocente/sem de tal
coisa saber/". A causa do desapossamento é atribuída a uma
traição ."De novo me escreveu/que as pedras estavam
mostradas/e para mais segurança/já estavam registadas/".O
registo como prova da entrada no comércio jurídico, do estatuto
de bem jurídico-económico. "Quando tal coisa ouvi/ eu
fiquei sobressaltado/só por ver tanto ladrão/a roubar um
desgraçado/". O abalo da consciência mítica. A mina (o
mineral) não é de quem a descobre mas do que a regista, ainda
que à traição o faça. " Retirei-me de Calhoso/ vim para
a beira de meus pais /ali peguei numa maça/e trabalhei como os
mais/. Produção e uso da força de trabalho."Mais tarde
veio o Marjão/eu logo o conheci/com palavrinhas honestas/a ele
me dirigi/" "esta mina descobri/e por traição foi
roubado/por isso lhe pedia/que queria ser empregado/". O
actante, o estranho ou usurpador, que contudo o emprega, é o
estrangeiro (francês).
"O homem me concedeu/a tudo quanto eu queria/e me deu o
ordenado/a seiscentos réis ao dia/""Agora des que me
viu/com mulher e já casado/nem sequer me dá trabalho/ e já
não sou empregado/"(...)"O Marjão já se esqueceu/dos
socos pregados/hoje já usa gravata/já é dos homens
estimados" (...). "Agora és director/já tens posto
elevado/tu dá o pão ó Borralha/se não és afuzilado/".
Manifestação de disputa em violência, na forma de ameaça face
à ameaça de lhe serem retiradas as condições da própria
sobrevivência.
(
) / (...)" meus olhos serão uma ponte/não sei o que
eide seguir". A autobiografia prossegue. Escolhemos, em
razão da economia do texto desta comunicação, terminar a sua
transcrição, com estes dois últimos versos, metáfora do que
podendo nunca ter alcançado a grandeza da causa pública, nem
por isso deixou de passar de boca em boca, sendo, ainda hoje,
história contada nas minas da Borralha, como pudemos comprovar
no decurso do trabalho de terreno.
A longa transcrição comentada, remete-nos para a relação
entre o não moderno e o moderno, e justifica-se, aliás na linha
dos ensinamentos colhidos em trabalhos recentes de autores como
Bruno Latour e Isabelle Stengers, pelo facto de, ser, a nosso
ver, esta a forma mais adequada de dar conta do que consideramos
um rito de passagem que terá acompanhado, pela via do
Volfrâmio, a entrada das populações do norte e centro do
país, no mercado e respectiva internacionalização. Ganha
assim, para nós modernos, novo sentido o eco que nos chega de
Spinoza "Quando estas personagens formadas pela prática
decidem escrever acerca de um assunto político tratam-no
indubitavelmente muito melhor do que os filósofos, pois nada
ensinam que não seja aplicável" .
A problemática da gestão da informação na indústria, tratada
por G. Bowker, a propósito do estudo da indústria extractiva,
no caso, a petrolífera, serve-nos de quadro de referência para
o ensaio feito, de leitura interpretativa desta história popular
portuguesa a vários títulos paradigmática da paradigmática
"questão do volfrâmio".
Representativa da inabilidade de gestão da informação, no
sentido de registo de patente que lhe dá Bowker ao tratar a
companhia petrolífera Schlumberger onde se patenteavam as
descobertas de forma a manter o poder sobre elas, a história do
Borralha é duplamente representativa quer , a nível macro e
numa escala global, da posição portuguesa no que concerne ao
registo /patente das minas de minério do séc. XX, quer a nível
micro e na escala local, no que se refere aos modos de
articulação dos poderes/saberes.
Produzida por e integradora de mitos, a autobiografia em verso de
Domingos Alves Borralha ancora-se no espaço-tempo da
origem/despedimento do indivíduo, enraízada embora na
circulação social pela via popular e antiga do panfleto
"folheto , à margem da história oficial.
2.1.3. O Volfrâmio, objecto de fronteira. Porquê?
Pudemos seguir até aqui , ainda que sob a forma deslocada de uma
análise de narrativa popular, porventura a que melhor nos
poderia , porém, restituir toda a complexidade do que chamamos
"rito de passagem", a metamorfose de uma pedra do
caminho à mercê do pastor que guarda o rebanho, em minério
disputado e prontamente investido da forma de bem económico com
a correspondente entrada no comércio jurídico, para que,
registada a sua propriedade, da exploração subsequente a nova
mercadoria se impusesse no mercado a um tal ponto que, iremos
ver, se nos apresente como barómetro do mercado, ou semióforo,
designação àquela preferida, porquanto, a vários títulos,
terá investido de significação um novo espaço, o de um
mercado internacional. De que modos e porquê? Ao caracterizá-lo
como objecto de fronteira procuramos enunciar tão-só o que
pensamos estar em jogo e que, mediante sucessivas mediações,
desenvolveremos adiante, ao analisar genericamente, na terceira
parte deste texto, o plano de intersecção interno. Com efeito,
o volfrâmio=volfro =ouro preto= tungsténio = WO3 participa,
enquanto objecto de fronteira, de muitos mundos sociais. Como se
verifica, desde logo e de forma explícita na própria língua.
É-o nos laboratórios, práticas de terreno e saberes técnicos
do geólogo, do topógrafo, do engenheiro de minas, do analista
químico.É-o, também, no contrabando, na ou da pilhagem
nocturna, nos autos policiais, no "objecto do crime",
e, em caso limite, nas falsificações . É-o ainda, do secreto,
nas redes de espionagem e de diplomacias cruzadas, nas
convenções, convénios e acordos bilaterais, luso-alemães e
luso-britânicos (1942/1943), que dão corpo formal à
neutralidade activa do governo de Salazar no quadro da II Guerra
Mundial, aspecto retomado adiante. É-o, por outro lado, dos
cambistas, comerciantes e banqueiros, financeiros das companhias
de transporte e de seguros, redes de actores com forte
protagonismo na política de preempção. É-o por fim, nas
multímodas representações literárias e sociais, nos mitos do
Eldorado e da Fárria, marcas nas terras revolvidas e nas
memórias revoltas das populações. Investigá-lo supõe assim
"traduzi-lo " de mundos para mundos, de problemas para
problemas, generalizar, sem porém deixar que perca singularidade
e integridade. É necessário descobrir os"pontos
obrigatórios de passagem " que são para Latour e Law , o
ponto de vista central do investigador profissional a que todos
os outros se vão referir, enquanto, para S. Leigh Star e seu
modelo ecológico, esta tradução dos objectos de fronteira se
opera a partir de vários pontos de vista e múltiplos pontos de
passagem simultâneos. (STAR, 1989) Em que medida o mercado
mundial e, nesse contexto, o comércio do volfrâmio podem ser
ponto obrigatório de passagem na economia das traduções do
objecto Volfrâmio como objecto de fronteira entre mundos sociais
diferentes ? Ou, também, em que medida a economia das
traduções do Volfrâmio como objecto de fronteira entre mundos
sociais diferentes pode ser ponto obrigatório de passagem na
compreensão do mercado mundial ?
2.2. Desterritorializações / reterritorializações
Fonte : KEMLER, 1950:27
O mapa reproduzido , que cartografa os tipos de solo, ilustra e
serve de suporte gráfico ao nosso argumento, a nível macro, que
considera a fronteira como objecto.
A exploração mineira do volfrâmio e consequente
comercialização, particularmente no período da II Guerra,
traduz a nosso ver, a reterritorialização de uma área
geográfica correspondente à de Portugal, país com as
fronteiras estáveis mais antigas da Europa. Com efeito, esse
processo histórico pressupõe ser desde logo visto na
perspectiva de uma diversa configuração espacial, como se o
quadrilátero geográfico-político em que se delimita fosse
sofrer, desterritorializando-o no sentido da orientação
geológica dos filões, uma deslocação a sudeste, de 45 graus,
retraçando o quadrilátero do volfrâmio, o seu lado superior,
algures a norte, na oblíqua de Finisterra a Oviedo. A
exploração internacional do Volfrâmio vai tomá-lo para si
enquanto objecto que reconfigura em quadrilátero do então
chamado 'ouro negro' , o que lhe permite jogar, a seu favor, com
a duplicidade de fronteiras - políticas e de extracção
mineral. Tal proporciona aos beligerantes, em particular aos
nazis, driblar os tratados, os acordos internacionais, isto é,
fazer das fronteiras objecto, num espaço desterritorializado que
reterritorializam à medida das exigências do comércio e da
fuga às restrições que convencionam. Acontecia não poucas
vezes que eram compradas concessões com pleno conhecimento de
que não viriam a produzir volfrâmio mas eram obtidas para
'cobrir', na travessia da fronteira, o contrabando mineral de
outras concessões, ou manter sob controlo uma concessão
limítrofe.Tal situação permite compreender que tenha chegado a
ser de um terço, da metade do volfrâmio obtido oficialmente
pela Alemanha, volume de minério feito passar clandestinamente
para Espanha. Com efeito, as redes alemãs canalizavam o
volfrâmio adquirido no mercado livre ou negro,
preferencialmente, por via terrestre,enquanto os Aliados o faziam
por Gibraltar. À fronteira estava pois reservado um importante
papel explorado intensamente pelos beligerantes, que punham e
dispunham dela na medida dos seus interesses, transformando-a
assim em objecto de natureza económica.
3. O VOLFRÂMIO SEMIÓFORO DE MERCADO
Mas como no caso dos seres naturais, para que um objecto
manufacturado seja valorizado é preciso que seja raro. Esta
raridade não pode reduzir-se a uma relação diferencial entre
uma oferta e uma procura mas depende de outros objectos que
compõem o seu ambiente.(Chateauraynaud, 1995:134)
Num contexto particular , o do mercado mundial de volfrâmio e
nessa situação portuguesa, a nosso ver, como exemplo da
pregnante instituição em que se tornou o mercado, iremos agora
introduzir alguns traços e problemáticas do comércio do
volfrâmio português com as suas respectivas posições no
mercado mundial deste produto mineral-metálico, sugestivamente
chamado o metal do séc. XX, pelas aplicações de que é
objecto. Também a esta luz, tal leva-nos a introduzir o estudo
obrigatório das representações dos que em maior pormenor o
analisaram, sob este ponto de vista, curiosamente engenheiros de
minas, e não os que classicamente se ocupam de estudos
económicos, aspecto a desenvolver mais directamente. Com efeito,
o acento que se coloca nos "caracteres visíveis, supõe o
reenvio a qualquer coisa que presentemente não está lá ou que
é pura e simplesmente posto como invisível." (POMIAN). Ora
é precisamente este autor que nos esclarece, que, desde que uma
coisa entra num jogo de troca, adquire uma significação e
torna-se um semióforo. Segundo a leitura que do mesmo faz
Chateauraynaud (1995: 134), uma coisa não tem, apriori,
caracteres visíveis nos quais possa investir-se uma
significação. São criados através de signos distintivos,
etiquetas, marcas, indicações de origem. Os caracteres
visíveis servem de suporte às relações invisíveis que,
contrariamente às relações físicas, são estabelecidas não
tanto pela mão, quanto pelo olhar e pela linguagem, isto é pelo
que, designamos, no caso vertente, por linguagem da mercadoria.
3.1. Dialecto e gíria de um "negócio da china"
É do senso comum, dizer-se do chamado tempo do minério, que
" Muito se produziu, muito se exportou, muita riqueza entrou
no país. Não é infundada a fama do "ouro negro",
assim concretizada " A soma de 4,5 milhões de contos é
muito, principalmente para nós que somos pobres (o valor real
foi ainda bem maior). (CARNEIRO, 1959: 74). Tomando pois por base
o volfro dos "sem ponto de partida" vamos traçar o
plano de intersecção com que pretendemos conferir alguma
visibilidade às redes configuradoras da economia subterrânea em
que, em boa medida, julgamos ter assentado o processo de
extracção e comercialização desse minério.
Conforme referimos, a história oficial do volfrâmio inicia-se
com o registo da mina e desenvolve-se a partir do "ponto de
partida". O nosso ponto de partida é aqui anterior. É o
dos sem ponto de partida, aqueles que ao não acederem ao
manifesto e registo de qualquer mina ficam de fora da história
oficial. Em parte, por isso, se procedeu a uma primeira análise
da autobiografia em verso do Borralha, a nosso ver bem
representativa do que designamos camada mítica de um processo
social, mobilizando discursos émicos da sua
construção-representação. Parte-se do que não chega a ser
para o que é, não se parte do que é, para nos encerrarmos
nele.
A esta escala e na linguagem da mercadoria que se adopta,
conservando-lhe o dialecto próprio e identificando-lhe a gíria,
o volfro está indissociavelmente ligado à actividade dos
pilhas, dos apanhistas, os do quilo, os empreiteiros, ao
contrabando e redes de mediações em relação às companhias
mineiras e aos testas de ferro dos alemães . Durante a II Guerra
(1939-1944), a exploração de outros recursos, para além do
volfrâmio, o encobrir a carência de bens necessários ao
suporte da economia sob as condições prevalecentes no mundo -
deficiências de matérias primas, produtos acabados, ou
transporte - atitudes políticas, e certas considerações
militares, quer por parte dos responsáveis portugueses, quer dos
beligerantes, tudo se referia ao Volfrâmio, sua exploração e
controlo. Ilustra bem o que referimos a seguinte descrição
feita, à época, por um engenheiro e professor de minas, no
prefácio de um pequeno manual prático, cuja ampla divulgação
e entusiasta recepção a imprensa (nacional e regional) registou
largamente. "Este livro não se destina a técnicos - para
isso os assuntos aqui tratados superficialmente, exigiriam uma
obra de muitos volumes, para a qual, o compilador não tem
competência. É consagrado às centenas de pessoas que, nesta
triste época de guerra, se dedicam, no nosso país, aos
negócios de minas e de minérios, pessoas a quem devem
interessar as noções dos assuntos aqui versados. ... será para
nós recompensa bastante a satisfação de ter contribuído ...
para melhorar as lamentáveis condições em que... se negoceia
com a nossa riqueza mineira. A exploração mineira representa
hoje para o nosso país um manancial de ouro. Mas esse manacial
estancar-se-á, deixando apenas tristes desilusões, se nos
limitarmos a aproveitar a maré. Em vez de malbaratar a fortuna,
embora facilmente ganha, saibamos transformá-la em verdadeira
riqueza, empregando-a em explorar tantas outras, dando bases
sólidas às indústrias a que a guerra tenha criado ambiente
favorável.Assim, mas só assim, Portugal resistirá
galhardamente aos terríveis embates da crise do após-guerra.
Ultimamente a exploração do volframite e da cassiterite tem
tido grande influência na vida económica do nosso país.
Queixam-se algumas pessoas de que esta exploração desvia muitos
braços dos trabalhos agrícolas e encarece a vida;... temos de
considerar algumas centenas de milhar de pessoas que agora vivem
das minas e que a lavra destas tem evitado a fome a muitíssimos
trabalhadores e às suas famílias. A balança pende de uma
maneira muito acentuada para o lado do benefício.O Estado
também lucra muito, porque os impostos mineiros, os direitos de
exportação e a contribuição industrial que incide sobre as
oficinas de tratamento de minérios devem, este ano, somar muitos
milhares de contos. A Direcção Geral de Minas... tem facilitado
a exploração mineira....
Dizia-se que Portugal é um país pobre em minérios. O autor
destas linhas... há anos conseguiu que a Associação Industrial
Portuense representasse ao Governo a lembrar a conveniência de
se fazer o reconhecimento das nossas riquezas mineiras... Hoje
são os concessionários e os operários que fazem com a mira no
lucro, esse reconhecimento, o qual confirma as nossas
previsões... Destes trabalhos alguma coisa deve ficar, alguns
jazigos mostrarão ter valor para serem explorados depois de
terminada a guerra."
Passado mais de meio século desde que foi publicada a obra em
referência de cujo prefácio extraímos a longa transcrição,
certas palavras, conceitos, expressões, lidas em
complementaridade com as expressões do longo subtítulo da
mesma, podem servir -nos, numa primeira fase, para indicar
algumas particularidades do processo de exploração e comércio
do Volfrâmio, com destaque, no que se refere ao tema do mercado,
aqui em estudo, para os seguintes tópicos - falsificações,
fornecedores de material, gabinetes técnicos e laboratórios -,
nos quais se subsume todo uma configuração de redes - pilhas,
os do quilo, volframistas e outros protagonistas do contrabando e
mercado negro e/ou mercado livre.
Sobre as redes dos pilhas, outro aspecto do problema volfrâmio,
já por nós introduzido, na perspectiva de mulheres que também
integraram essas redes parece-nos útil contrastar aqui,
precisamente, o que, em ofício de 25 de Junho de 1945, comunica
o eng. J. de A., director técnico do Couto Mineiro de Adoria, de
que é concessionária a EMISA, aos administradores da mesma
" Nestes três últimos dias tem os pilhas feito incursões
às nossas minas com o intuito de roubar minério. É um grupo de
18 a 20 pessoas com carcácter de "quadrilha"
relativamente organizada, cjo chefe é um tal A. A nossa acção
não pode ser eficaz, por esses homens virem armados, com as
armas descaradamente à vista, e eu não permitir que os
n/guardas actuem com fogo por prever daí graves
consequências.Aproveito a ocasião para pedir
a fineza de
não reduzirem à pouca guarda que etmos, pois que ficaremos numa
situação muito precária de defesa, não só das minas
como
de todo o equipamento, ou seja , materiais, maquinismos,
instalações, etc.No primeiro dia em que pretendiam entrar nas
galerias, quando avistaram os guardas, limitaram-se somente a
insultar a Empresa e seu pessoal. Da segunda vez, porém, tiveram
os guardas de fazer uso das armas, fazendo tiroteio para o ar
.
Como se trata de 'pilhas' de reconhecida 'categoria' e alguns,
larápios de profissão,
repetirão as tentativas feitas,
demais, que teem quem lhes compre o minério e desculpam-se que
precisam de governar a sua vida. Tratando-se dum caso bastante
melindroso, rogo a V.Exª o favor de me darem instruções sobre
a forma de proceder".
Poucos dias depois, em novos ofícios para os administradores da
Empresa, sob a refª. "Assaltos por 'pilhas' e para o
Director da Direcção Geral de Minas e Serviços Geológicos,
dá-se conta, de incidentes ocorridos, que indiciam o conflito
intenso que envolveu a actuação cruzada de diversas redes
locais, nacionais e estrangeiras, afinal em torno do que,
sabiamente uma informante, mineira, mulher e filha de mineiros e
também 'pilha', caracterizava assim : "debaixo daquele
chão nós procurávamos o que não tinhamos perdido"
"
Segundo o que por nós foi observado, e de que
depois fomos informado, os pilhas nesse dia estavm na
disposição de, pela madrugada, reforçarem não só os que lá
dentro roubavam, com os que cá fora vigiavam. Tivemos que actuar
rapidamente, no que nos auxiliou o
chefe dos Correios em
Cerva, pois que embora fora de horas conseguiu pôr-nos em
ligação com o Vice-Presidente da Câmara e assim, utilizando
mesmo uma camionete de passageiros dentro de uma hora estavm a
auxiliar-nos duas patrulhas da GNR que, juntamente com os nossos
homens fizeram 11 prisões, no que muito contribuiu o Exº Sr,
Krull, pela maneira como soube conduzir as buscas no interior
.No
entanto soubemos que no concelho andam grandes pedidos para
arranjar a liberdade dos pilhas, pelo que será conveniente
conseguir com que a PVDE os venha buscar o mais breve possível
."
Como esta muitas outras 'queixas' idênticas foram feitas.
Complexifica ainda esta dimensão, a de uma configuração de
reportórios (NUNES, 1994) de saberes técnicos e práticos,
elementos constitutivos e constituintes do nosso argumento, e
cuja necessidade de análise, por a atravessarem, apenas se
sublinha e introduz.Assim, na linha das análises sociais mais
profícuas últimamente conduzidas sobre a sociedade portuguesa,
designadamente por e sob orientação de Boaventura Sousa Santos,
e relativamente à tensão entre os princípios de estruturação
social próprios da regulação e/ou da emancipação, a
transcrição patenteia essa tensão na medida em que denota
explicitamente e de um modo exemplar, não só os dois termos
essenciais dessa tensão, como um dos modos mais importantes, que
não o mais visível, de regulação dos mesmos, através do
papel social dos saberes técnicos - charneira irresolvida entre
os saberes práticos e as determinações oficiais do poder -
aqui, carregado de uma visibilidade invulgar, inerente talvez ao
facto entre nós pouco comum de se tratar da apresentação de
uma obra técnica preparada para divulgação
"massificada", logo dotada de características
inerentes ao senso comum, garante afinal do impacto pragmático
desejado, mas imbuída também do desejo de alcançar
implicações sociais, técnicas e culturais (in)determinadas.
3.1.1. Da mercadoria Volfrâmio (boletins de análise e
certificação de qualidade): ao metal tungsténio.
"O volfrâmio ou tungsténio é um metal representado em
química pelos símbolos W e Tu.
Possui peso específico
muito elevado - 17 a 19kg por dm3. Funde só a temperatura muito
superior a 3.000º.(
) O principal minério de tungsténio
é a volframite, a que os nossos mineiros chamam indevidamente
volfrâmio e também volfrão. É um tungstato de ferro e
manganésio; cada um destes metais entra na proporçaõ de 5% a
20%. . A volframite chega a ter 76% de anidrido tungstítico
(WO3) ou seja, 60,3% de tungsténio
"(COSTA,1942: 7-
21)
O "rito de passagem"da pedra ao minério, atrás
dialectalmente identificado, dá lugar aqui, em gíria técnica,
a um outro processo técnico-científico de identificação
química e laboratorial, que mobiliza todo um complexo conjunto
de dispositivos cuja relação com o mecanismo de mercado se
torna evidente, impondo-se-nos que entremos em linha de conta com
o que nos obrigará a proceder ao estudo da interrelação destas
duas dimensões, em regra consideradas autonomamente. Trata-se de
um tópico que, apesar da sua importância para o desenvolvimento
do novo argumento aqui introduzido, só mais tarde poderemos
trabalhar no âmbito dos estudos sociais das práticas e saberes
técnicos.
Para a formação do preço por unidade do minério de volfrâmio
era tido em linha de conta o teor deste em anidrido
túngstico.Desde logo porque, para chegar à identificação de
uma tal unidade, se procedia, designadamente no mercado
inglês,da seguinte foma. Tomando por base a tonelada de 1016 Kg
e sendo o preço estabelecido por unidade de anidrido túngstico,
poderá dizer-se que o minério tem uma unidade quando em 1016 Kg
contém 10,16 Kg de anidrido tungstico; ora, se o minério tiver
o teor de 67%, ou seja, de 67 unidades de anidrido volfrâmico,
WO3, e o valor a preços de mercado estiver em 300sh/unidade, o
preço da tonelada de minério (1016Kg) seria de 300x 67 = 20100
sh., sendo ligeiramente inferior o preço da tonelada métrica.
Acresce, porém, que o preço/unidade de minério nos termos que
acabamos de descrever não é proporcional ao número de
unidades, porquanto se diminui o número de unidades, diminui
mais rapidamente o preço do minério.Por fim, também se tem de
atender, no cálculo do preço,à presença prejudicial do
arsénio.Este intróito, em que seguimos a par e passo a lição
de Mendes Costa, permite-nos perceber todo o alcance das
análises laboratoriais e do que nelas estava em jogo, ao
emitirem certificados de qualidade do produto com base nos
respectivos boletins de análise onde se especificavam
características físicas das amostras, (ex. amostra seca a
100ºC.), métodos utilizados, (nitrato
mercuroso-iodo-sulfídrico), rótulo (ex.C.R.C.M., Comissão
Reguladora do Comércio dos Metais - E.M.S., Empresa Mineira de
Sabrosa identificação do contrato de compra (ex. nº, nome e
quantidade da mercadoria). Estes boletins, peças integrantes de
processos com 6 e mais documentos., incluiam também
contratos-tipo de compra/venda de que encontramos dezenas de
cópias no arquivo da E.M.S. / EMISA e um exemplo de clausulado
geral em Mendes Costa (1943: 70). Este processo de certificação
encontra-se relativamente documentado no arquivo citado,
designadamente para os anos 1938 a 1945, em que contabilizamos,
um total de 233 processos (40 em 1938, 67 em 1939, 27 em 1940, 5
em 1941, 0 em 1942 e 1943, 36 em 1944 e 63 em 1945) a cargo de
uma rede vastíssima de laboratórios estrangeiros, de muitos
países da Europa - Alemanha, Inglaterra, Suécia, Holanda,
França, e dos E.U.A., onde se destacam por ex. Daniel
C.Griffith, Benedict Kitto, Williams Harvey, G. Watson Gray de
Liverpool, Staatshutenlaboratorium de Hamburgo, Goteborg Stads
Vagare da Suécia, Faculté des Sciences de Grenoble, etc., rede
em que só a partir de 1940 se começam a integrar laborátorios
nacionais. Inicialmente, os Laboratórios e Serviços de Análise
do Instituto Superior Técnico seguidos pelo da Faculdade de
Ciências da Universidade de Lisboa e os do Ministério da
Economia, até aos laboratórios particulares de engenheiros
químicos industriais, alguns assistentes do IST e aos
laboratórios das próprias empresas, como os da Panasqueira e os
da EMISA, estes, por exemplo em Vila Real e Vila Nova de Gaia,
simultaneamente locais de visitas de estudo e estágios de alunos
da Universidade do Porto e do então Instituto Industrial da
mesma cidade.
Estas redes cruzavam-se, por sua vez , com uma intrincada teia
nacional e internacional de gabinetes técnicos e fornecedores de
materiais e instrumentos de origens e aplicações diversas, que
são requeridos por um complexo de práticas que, intermediadas
pelo mercado, vão da mina ao laboratório e deste àquela, desde
o transporte, à topografia e às prospecção, extracção,
exploração, separação, etc. Recenseando apenas os mais
conhecidos, encontram-se em 1942, para além dos 25 estrangeiros,
espanhóis, franceses, ingleses, alemães
, 13 sediados em
Lisboa, nacionais e ou representações, e 6 no Porto.
3.1.1.1. A contrafacção
Paralelas de certo modo a estas redes e práticas dos
"experts", quase, diriamos, jogando com elas o jogo do
esconde - esconde, outras redes intervem na exploração e
comércio do volfrâmio emicamente designado por um outro
'negócio da china', modo de dizer cujo estabelecimento à luz de
algumas vertentes da nossa história exigiria só por si, aturado
e importante estudo.
Continua aqui a estar subjacente a já atrás sinalizada tensão
entre modernos e não modernos, mas agora sob uma outra forma, a
das diversas modalidades de contrafacção, incluindo as tão
propaladas falsificações cujos contornos seria bem mais fácil
identificar se se limitassem às praticadas com a queima em óleo
de pedras, e outras misturas genericamente englobadas na
designação de "fritadas", simulacros de volfrâmio
por vezes só identificados sob análise química, ou ainda às
variadas formas de outras falsificações praticadas no jogo do
mercado negro e do contrabando, que introduzindo-se nas pregas
das guerras dos preços, abarcam desde verdadeiros contos do
vigário a estratagemas mais ou menos engnehosos, com a prática
de regulação estatal, via controlo da C.R.C.M., traduzida por
exemplo no uso obrigatório de guias de trãnsito, a acompanhar
os lotes de minério enviados para tratamento, venda ou
exportação, cujo preenchimento frequentemente se iludia, com a
conivência e o beneplácito de muitas outras redes.
A contrafacção tinha, ainda, a outros níveis, manifestações
jurídico-económicas bem mais sofisticadas. Era, por exemplo, o
caso dos chamados vendedores profissionais de alvarás, sobre os
quais se chegou a produzir doutrina e jurispridência, como em
relação ao ocorrido entre 1941 e 1943, com a Mineira de Foz
Côa Ldª, em que se verifica a dupla venda de manifesto mineiro,
a falsificação de editais, a inclusão fraudulenta no processo
de peças forjadas, isto, entre outros actos de contrafacção
descritos em minuta de recurso para o Supremo Tribunal
Administrativo, entretanto publicada .
3. 2. O quadrilátero do Volfrâmio
Na questão do volfrâmio o Doutor Salazar foi mais longe do que
nós esperávamos" (Sampaio,Cons.Embaixada em Washington,
conversa c/P.Culbertson, State Department. M.N.E., 30/7/1944)
A luta entre o Eixo e os Aliados, pelo controlo dos recursos
portugueses em volfrâmio, "alma dos canhões", pode
entender-se como um marcador político, económico e social
designadamente na medida em que permite apreender algumas linhas
caraterizadoras do conflito de interesses estrangeiros em
Portugal e a um teste à força económica e política da
Alemanha, Grã-Bretanha e Estados Unidos. Vários autores,
sobretudo estrangeiros, se têm debruçado sobre este "casus
belli" que nós iremos aqui apenas introduzir. É a W.N.
Medlicott, que vamos colher vários modos do seu entendimento,
fazendo-o, naturalmente como se estivessemos a aceder, por meios
informáticos, a uma base de dados, isto e´, usando só
'descritores' (entradas) sob as possíveis formas, porém, em que
podem apresentar-se, enquanto tradutores de contéudos, e
facilitadores do acesso organizado à informação/conhecimentos.
Restringimo-nos ao uso de um, desdobrado embora, pelo menos por
três designações - Volfrãmio, Wolfram, Tungsténio. Com
efeito, a sua obra The Economic Blockade, história oficial da II
Guerra Mundial publicada sob os auspícios de Sua Majestade, a
Rainha, e com direitos reservados da coroa, permite-nos fazer uma
pesquisa indiciária de referências ao Portugal (periférico)
cruzando-as com as do Wolfram e Tungsten. Assim a pag. 32, vol.I,
surge-nos a primeira referência ao Wolfram. "A Germânia
não tinha produção doméstica de bauxite. Entre os
"ferro-alloy metals" não tinha produção doméstica
de molibdénio, cromo, manganésio, tungsténio
(Wolfram-Volfrâmio), ou titânio". Refere-se a falta de
produção doméstica alemã de tungsténio, colocando entre
parêntesis o termo wolfram. A utilização posterior do termo
Wolfram é sempre indirecta, reservando-a para os fornecimentos
do minério à Alemanha (pág.323, vol.I ) . A pp. 513 "...
era conhecido p. ex. que 5 t de Wolfram português fora enviado
nas linhas aéreas da Germânia de Espanha para Itália".
Mas mais importante do que fica dito, é o que se diz quando se
utiliza uma ou outra das designações do mineral. É que, com o
uso do termo tungsténio, verifica-se uma simetria, porquanto a
sua utilização é referida ao Reino Unido, directa ou
indirectamente, mas sempre em relação com este. Assim lista a
página 340 de Materiais estratégicos ... tungsten p. 367, p.
369 "Tungsten : 6% vinham de áreas que os Aliados podiam
controlar", p. 373 "the possibility of United States
purchases of tungsten from China was discussed, but non definite
decisison had been taken before the fall of France". A p.
400 "The estimated pre-war exports of Chinese wolfram
(tungsten) ...".
A questão do Volfrâmio traduz-se para a do tungsten pelos
ingleses quando referida ao seu lado do quadrilátero e para a do
Wolfram quando está em jogo avaliarem a posição germânica do
outro lado do quadrilátero.Se é possível dizer que na língua
também se toma partido,a questão na língua portuguesa trai a
tradução,ao adoptar o germanismo por que ficou para sempre a
ser conhecida.
Daí que, partindo embora, das versões que autores portugueses
dão desta problemática, a nossa análise se tenha basicamente
centrado na questão da gestão de informação, o lado
"secreto" da questão, e se assuma como um princípio
de leitura de documentos preparatórios que podem ter estado na
formação de decisões e declarações públicas e oficiais.
Trata-se fundamentalmente de notas e apontamentos manuscritos de
Oliveira Salazar, telegramas e missivas de embaixadores e
representantes diplomáticos portugueses, documentos particulares
do Secretariado da Propaganda Nacional e de outros organismos do
aparelho do Estado Novo, que integram o espólio do designado
arquivo de Salazar. As tensões, as linhas de fractura, a
gestação secreta dos compromissos atravessam o quadrilátero do
volfrâmio e configuram -no e reconfiguram-no a um ritmo quase
alucinante, mas sempre aquém da dinâmica dos movimentos
económico-sociais desencadeados: Haja em vista, por exemplo, a
existência neste arquivo de 55 documentos sobre as
negociações/pressões a propósito da cessação da
exportação de volfrãmio português, em apenas 2 meses, (entre
21 de Maio e 30 de Julho de 1944), que, acabando por conduzir à
promulgação do embargo e cessação da produção, não
impediram no entanto a continuação da exportação para a
Alemanha nazi, designadamente de 260 toneladas conforme denúncia
da Inglaterra, com base em relatórios dos seus espiões
colocados no país de origem, Portugal, nos locais de passagem,
Espanha e França, e no país de destino, a Alemanha.
Exemplar da política de ocultamento de manifestações sociais
induzidas pelo caso volfrâmio cuja divulgação ocorrida no
estrangeiro era vista como ameaça e como tal destinada a
"guardar em casa" e posteriormente passível de
desmentido é o que a seguir se transcreve, também, pelo
significado das várias e polémicas leituras, feitas à época,
sobre o que acima introduzimos sob o tópico "a história
dos sem ponto de partida": "EUFORIA (BOOM ) DO
VOLFRÂMIO EM PORTUGAL. Lisboa (A.P.) Os camponeses portugueses
estão possuídos de uma vertigem de euforia sem igual. Todas as
noites se verificam nas aldeias serranas grandes orgias. A
aguardente corre aos litros, o dinheiro muda de dono com
inacreditável rapidez. Assalariados tornados novos ricos compram
às duzias canetas de tinta permanente, relógios de pulso e
alfinetes de gravata. Pobres diabos, que ganhavam até agora 8
marcos por semana, só já vivem de atum, caviar e champanhe.
Ao "ouro negro" de Portugal, o volfrâmio, se deve esta
abundãncia de dinheiro. Os preços deste metal importantíssimo
para a indústria de armamentos subiram em curto prazo de tempo
mais de 120%. Centenas de camponeses e assalariados, a maior
parte sem licença, esgravatam nas serras onde o volfrâmio quase
só tem de ser levantado e transportado para fora dali. Portugal
possui os mais ricos jazigos de volfrâmio da
Europa".Imprensa estrangeira do SNI: 2-10-1950. "
O lado subterrâneo deste negócio, isto é, a análise do
volfrâmio português e a economia política é aqui introduzido,
através do trabalho que prosseguimos sobre um outro arquivo de
natureza diferente do anterior, posto/observatório da vida e da
história das populações portuguesas, no período entre 1938 e
1950, que nos fornece simultaneamente, elementos importantes para
uma análise transversal (sociológico-histórica) da sociedade
portuguesa, a meio do nosso século, a qual foi varrida por uma
verdadeira tempestade, e, documenta, por outro lado,
directamente, a vida curta mas intensa e multifacetada (universos
de relações no plano interno e internacional) de um complexo
mineiro industrial-comercial, testa de ferro dos interesses
alemães e operando com companhias nazis de grande poder e
influência na Península Ibérica, como a ROWAK/ SOFINDUS (
LEITZ, 1995: 72-73) uma empresa, a EMISA, criada por um cambista
da Rua das Flores, Porto, e de uma companhia mineira, a Companhia
Mineira do Norte de Portugal, duas concessionárias mineiras,
associadas por força dos interesses sobre o volfrâmio. A seu
tempo, veremos como fontes destes dois arquivos se complementam e
completam, permitindo-nos equacionar pistas de descrição e
compreensão das redes de actores que cruzam, se movimentam e
sustentam lógicas próprias de mundos diversos, desde o
industrial, quase sempre aqui subordinado ao mundo mercantil,
caracterizado pelo sentido de oportunidade, ao mundo doméstico,
definido entre outras características, pelo paternalismo e
proteccionismo, passando pelo mundo cívico, no sentido do
político e do militar.
3. 2.1. Portugal no desconcerto do mundo (1938-45)
"neutralidade activa e geométrica":
Continuando a linha de análise anterior, pormenorizemos agora
uma outra escala de observação deste objecto de estudo, ou
seja, o que na introdução designamos de plano de intersecção
internacional . Iremos fazê-lo numa perspectiva de
complexificação do problema, ao optarmos por um trabalho de
arqueologia feito sobre uma determinada categoria de textos,
considerados secretos - resumos, pareceres, apontamentos de
conversa, informações internas, etc. - documentos produzidos
nos bastidores do governo de Salazar e do seu Ministério dos
Negócios Estrangeiros. Ao agir assim, isto é, optando pela
procura de um "conhecimento intensivo (DESROSIERES:1989:1)
onde o micro e o macro se nos apresentam não como opostos mas
como duas maneiras heterogéneas de construir a totalidade
(ibidem : 3), se podemos vir a conferir a este objecto, outra
visibilidade estamos a colocar-nos, no entanto, no centro da
polémica que se mantém latente no quadro da investigação
histórica e das ciências sociais - a da oposição entre duas
formas de pesquisa, a monográfica e a estatística e dois modos
de construir a generalidade (ibidem:1 -8).
O contexto é o de "guerra económica", como
classicamente tem sido apresentado. A vida económica portuguesa
é marcada, entre outros factores, pelas prolongadas
negociações e renegociações do acordo clearing luso-alemão,
as ocorridas particularmente entre 1938 e 1942, e que envolvem
interesses comerciais de variados países europeus, em diversas
regiões do mundo, com destaque, no caso de Portugal, para os
produtos coloniais e posições estratégicas das colónias
portuguesas, designadamente Moçambique e Cabo Verde, e também
das ilhas, em particular os Açores. Do extenso dossier
preparatório, que contém designadamente textos de alteração
ao protocolo referente ao material de guerra alemão encomendado
pelo governo português, para além, por exemplo, de minuciosas
análises e estatísticas da evolução comercial de diversos
países europeus considerados de economia análoga à nossa
(Grécia, Hungria, Checoslováquia, Roménia, Bulgária),
constituído pelos mais diferentes tipos de documentos
basicamente produzidos por e trocados entre, o Departamento de
Questões Económicas e a Direcção Geral dos negócios
políticos e económicos do Ministério dos Negócios
Estrangeiros e a Legação Alemã em Lisboa, com a intervençâo
do Banco de Portugal, mediador, através de bancos suíços, para
pagamentos e divisas, destacamos : " Até meados de 1936, as
contas do nosso 'clearing' com a Alemanha fechavam com um saldo a
favor da Alemanha, da ordem de 1 ou 1,2 milhões de Marcos, saldo
este que o Banco de Portugal cobria com entrega de divisas. De
meados de 1936 para cá a posição inverteu-se e a conta do
Banco de Portugal junto de Verrechnungskasse acusa um saldo
positivo que já ultrapassa 3,5 milhões de marcos, com
tendência para aumentar
A inversão de posições que acaba
de dar-se no nosso intercâmbio com a Alemanha deve ser
atribuída à coincidência dos dois factores seguintes: a)
diminuição das nossas compras no mercado alemão resultante da
valorização do Reichsmark em relação a outras moedas
recentemente desvalorizadas (franco francês, franco suíço,
gulden holandês, lira italiana, etc.).b) aumento das compras
alemãs em Portugal, em resultado da reorganização do mercado
espanhol
"(Resumo Parecer de Tovar, 14 de Abril de
1937). Segue-se todo um conjunto de documentos, sempre analisados
em notas manuscritas de Oliveira Salazar. Relativos a
negociações, contactos, resumos económicos e contenciosos ( de
que é exemplo, a queixa da legação alemã, envolvendo firmas
portuguesas, uma das quais, representante de empresa estrangeira,
acusada de, com maquinações do correio português, passar para
o consulado britânico em Lisboa, importante correspondência
comercial trocada entre casas comerciais de Portugal com a
Alemanha, é ameaçada de ser incluída na Lista Negra), estes
documentos de bastidor dão conta das alterações que vão
ocorrendo, e que simultaneamente contribuem para preparar, em
interrelação com as rápidas e sucessivas mudanças da
situação internacional, mesmo que sendo só reservado a
Portugal, o papel de intermediário e placa giratória.
Recentrando-nos de novo no protagonismo que o volfrâmio
português vai desempenhar neste cenário de guerra, verificamos
em informação confidencial (15 de Julho de 1940), que "o
Governo Alemão tem a intenção de adquirir por enquanto de
Portugal e debaixo de todas as reservas as seguintes quantidades
de mercadorias :mensalmente cerca de 45 toneladas minério de
estanho, mensalmente cerca de 45 toneladas de minério de
wolfrâmio
"(sublinhado na própria nota) e segue-se um
pequeno rol de outras mercadorias onde se destacam as conservas
de sardinha e produtos coloniais(amendoim, sisal, copra, sementes
de palmeira, sisal, etc.
Pouco depois (31 de Março de 1941), está já elaborado
documento preparatório das negociações do Acordo Luso-Alemão
sobre volfrâmio, para vigorar até final de 1942, a)A
exportação de volfrâmio será repartida por duas cotas iguais,
de 2,800 T. anuais cada, de minério a 65%: uma atribuída à
Grã-Bretanha e América, outra à Alemanha e países
continentais;b) A produção das minas pertencentes
às
sociedades Beralt Tin & Wolfram, Ltd., (concessionária da
Panasqueira) Stanley Mitchell e Sociedade de Minas do Cabril
será totalmente consignada à cota inglesa e americana; a
produção das minas pertencentes actualmente às sociedades
Empresa Mineira de Sabrosa,(concessionária de uma rede superior
a 30 minas e coutos mineiros, particularmente dos distritos de
Vila Real e Vila Pouca de Aguiar) Companhia Mineira das Beiras, (
concessionária de minas em Trás-os-Montes, distrito de
Bragança e Beiras, distrito de Viseu) Companhia Mineira do Norte
de Portugal,(mais tarde associada à Emisa e ao Grupo Mineiro de
Arouca) Minero Silvícola Ldª e Sociedade Nacional da Indústria
Mineira Ldª. será totalmente consignada à cota alemã e
continental dentro do mesmo limite. A restante produção do
país será dividida pelos dois grupos
até preenchimento de
qualquer cota
; c) A compra e venda para exportação,
serão efectuadas pela Comissão Reguladora do Comércio dos
Metais , ao preço de 150$00 o quilo, cativo do imposto e da taxa
a fixar
;d) o valor do volfrâmio a exportar para a Alemanha
e outros países continentais será pago exclusivamente em
mercadorias, naõ havendo por isso pagamento em divisas;e) Os
preços das referidas mercadorias serão os anteriores à guerra
acrescidos do custo a ctual dos transportes
As mercadorias
serão postas de conta do vendedor na fronteira portuguesa; f) Se
o valor do volfrâmio a fornecer à Alemanha
exceder o das
mercadorias oferecidas em compensação (ferro e aço, máquinas
para minas, vagões, papel de jornal, entre outras constante de
lista anexa), o governo alemão compromete-se a aumentar o
fornecimento daquelas, ou a fornecer outras, tais como : carris,
material para instalações eléctricas, redes telegráficas e
telefónicas, máquinas industriais e carvão; (
)
Matérias constantes de alguns destes pontos vão depois ser
objecto de apresentação da posição alemã, em numerosos
outros documentos.
CONCLUSÃO
A nossa hipótese inicial era a de que o mercado do Volfrâmio
poderia ser entendido como barómetro da proximidade/afastamento
de conflitos e tensões intrenacionais, mormente, guerras. Tal
relacionava-se com o facto de se tratar de um metal estratégico,
dominatemente até ás décadas 50 / 60 do nosso século, ou
seja, enquanto, como se afirma em doumentos da II Guerra Mundial,
"a ciência não lhe havia ainda encontrado
substitutos".
Através do estudo subjacente a esta comunicação, pudemos
chegar à formulação de uma outra hipótese - o volfrâmio
semióforo de mercado em Portugal ? - que, sem negar aquela,
todavia a desloca do interior de um campo, à partida dado, para
a 'terra revolvida' do movimento "turbilhonar" em que,
em grande medida, se traduziu o processo de exploração do
volfrâmio em Portugal. Esta deslocação pressupôs e permitiu,
através de sucessivas mediações - desde a análise do mito de
origem que compõe o que consideramos um rito de passagem da
pedra ao minério e deste a mercadoria, até à sua definição
enquanto "objecto de fronteira", participante de
múltiplos "mundos socias", mantendo sempre a sua
singularidade - se tornasse, por fim, visível, o que nos
questiona na "questão do Volfrâmio".
Desta análise, a nível micro, resultou a necessidade de tentar
compreender, então, a nível macro, a amplitude do movimento de
deslocação iniciado, através da introduçaõ da análise da
desterritorialização/reterritorialização do espaço
geográfico da exploração do minério, onde a fronteira funcina
como interface das transacções que conferem ao objecto
volfrâmio e, sobretudo a esta análise, natureza rizomática
(Deleuze), relevando-se assim, a transversalidade e a não
hierraquização do processo.
Seguidamente, e no cruzamento, sobreposição e bifurcação dos
planos de intersecção nacional /internacional, daquele
movimento "turbilhonar", resultado de tensões entre
forças fortemente reguladoras umas, e desreguladoras, outras,
chegamos à apreensão das redes configuradoras de um novo
espaço de significação que, a nosso ver, poderia indiciar, em
contexto de guerra, a afirmação (ou formação) do mercado em
Portugal.
Por fim, pensamos ter deixado sugerido neste texto os elemntos de
que se compõe o que poderemos considerar um caso na sociologia
económica, uma vez que o volfrâmio /tungsténio/volfro,
enquanto objecto da economia, carece, para ser entendido, do
estudo sociológico do seu enlace económico.
Fonte: Cerveira 1986 Conferência realizada na Ordem dos
Engenheiros Lisboa
Fontes (manuscritas, impressas e orais)
Documentos de arquivo
Salazar (dossier Volfrâmio) T.T.
Emisa e CªMªN.P. A.D.P.
Relatórios técnicos. I.G.M.
Entrevistas informais ( Cerva-Ribeira de Pena, Borralha, Arouca,
Trás-os-Montes)
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Maria Otília Pereira Lage - Universidade
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