I CONGRESSO PORTUGUÊS DE SOCIOLOGIA ECONÓMICA

 

 

Desemprego de Longa Duração - Trajectórias, Estratégias e (Re)Inserção Social dos Desempregados: Os Casos do Seixal e da Azambuja

Introdução
Esta comunicação está relacionada com duas investigações projectadas, uma delas já em curso , outra ainda em fase preparatória . Ambas partem das mesmas assunções, nomeadamente aquelas que relacionam com a descrença nas virtualidades do mercado para, por si, resolver os níveis crescentes de desemprego manifesto. Ou de que não basta introduzir mecanismos políticos correctores às insuficiências do mercado, tornando-se crucial, neste terreno, as relações sociais desencadeadas pelos agentes sociais intervenientes.
Escolheu-se o nível local porque se pressupõe que as condições particulares de povoamento, de organização económica e social, as particularidades culturais, as qualificações concretas da população activa, a história local do empresariato e do salariato, as iniciativas dos órgãos administrativos, políticos, sindicais e empresariais locais, entre outros, assumem grande relevância na análise desta problemática. Escolheu-se também um metodologia que permita não só conhecer a realidade, mas que seja capaz de implicar os actores sociais envolvidos nesse conhecimento e que potencie capacidades para intervirem na procura de soluções alternativas.
A metodologia adoptada é a da investigação-acção.
Fazem-se intervir na análise as seguintes vertentes: (des) qualificação social dos indivíduos e da sociedade local; (des) envolvimento de desempregados, de empregadores e de dinamizadores de emprego; (in) existência da sociedade providência e/ou do estado providência .
As hipóteses de que se parte são as de que (a) se assiste a uma dualização social crescente, com a ampliação da base dos estratos sociais inferiores através do desemprego de exclusão, nas zonas em que a sociedade providência é mais débil, quando a desqualificação individual é elevada e as estratégias empresariais de reconversão económica são predominantemente do tipo defensivo; (b) nas zonas em que a sociedade providência é mais forte, o poder local é também participado por outras estruturas da sociedade civil, que não só pelas autarquias, e a inovação-dinamização empresarial, embora presente, é rudimentar, a dualização social é menor, embora com o sacrifício do estrato superior, beneficiando assim o estrato inferior. E, ainda (c) que inserção profissional não é sinónimo de integração social.

A problemática do desemprego
A questão do (des)emprego constitui uma das principais, se não mesmo a principal, preocupação que afecta actualmente não só a economia dos nossos países, mas o próprio tecido social, que se vê desagregado sob o signo da precariedade e da exclusão.
O mercado de trabalho de hoje é sobretudo um mercado selectivo que faz das categorias mais frágeis, em termos de possibilidade de integração no mercado de trabalho, as primeiras vítimas deste reforço de selectividade. Trata-se de uma situação que afecta sobretudo as mulheres, os jovens à procura de primeiro emprego e os "mais idosos" (indivíduos com 50 ou mais anos de idade).
Como refere Freyssinet (1991), a crise provocou o alargamento do desemprego a novas categorias como os trabalhadores ditos "mais idosos". As permanentes modificações nas estruturas de emprego conduzem a que estes indivíduos já não sejam encarados como "empregáveis" , sendo sobretudo o alongamento do seu estado de desempregado que torna singular esta população. A menos que beneficiem de medidas específicas, estes parecem estar condenados a um desemprego de longa duração e à degradação das suas capacidades de trabalho, e, no limite, ao abandono da própria procura de emprego.
Têm sido feitos alguns esforços políticos no sentido de inverter esta situação, nomeadamente através de operações integradas de desenvolvimento e de medidas específicas aplicadas a estas categorias, mas uma certa imprevisibilidade e instabilidade nas transformações das organizações produtivas têm dificultado a adaptação pretendida. As interrogações que se colocam a este nível são múltiplas: é ainda possível falar em pleno emprego? Que soluções alternativas se podem encontrar?... É pois urgente uma reflexão e confrontação de ideias.
Sabe-se hoje que já não será possível haver trabalho assalariado para todos. Sobretudo se se tratar daquele trabalho que se baseia num contrato estável, propiciador de remuneração que é susceptível de alargar progressivamente a capacidade e a diferenciação no consumo privado, que é objecto de reconhecimento social generalizado e que confere aos indivíduos a satisfação de algumas das suas mais profundas aspirações. A própria contestação sindical em torno de um emprego com qualidade radica-se na augústia de inúmeros trabalhadores que estão a perder o emprego e, com ele, as alternativas que se lhes apresentam como possíveis, quer para garantirem a subsistência familiar, quer para obterem o indispensável reconhecimento social .
Só uma parte da população activa vai ter possibilidade de ingressar ou de prosseguir uma relação salarial do tipo da que se enunciou, ficando a outra parte, progressivamente, próxima de uma situação de exclusão social. Esta atinge não só aqueles que se vêem afastados, de uma forma ou outra, do mundo do trabalho e que vêem goradas as suas tentativas de integração ou reinserção neste, mas também, se bem que de uma forma mais camuflada, aqueles que embora integrem o contingente dos que estão já no mundo do trabalho, têm neste uma posição precária. Ou seja, embora não formalmente excluídos do mundo do trabalho, eles increvem-se igualmente numa dinâmica de exclusão social, uma vez que a sua posição enquanto membros activos carece de uma definição concreta e definida, o que impede a sua plena inserção nestes colectivos. A emergência do "trabalho independente" (os "recibos-verdes") e domiciliário constituem a forma última da precarização do emprego. Situados nas franjas da actividade estes indivíduos encontram-se em posição potencial de exclusão.
Mesmo aquela parcela da população activa, ou potencialmente activa, que pode aspirar a obter um emprego estável está sujeita a uma grande tensão permanente, que se liga com as profundas e constantes mutações do sistema produtivo de bens e serviços, que exigem novas e múltiplas qualificações, também em contínua transformação, e que suscitam formas mais dinâmicas, e até certo ponto contraditórias, tais como o empenhamento pessoal e colectivo, o conhecimento teórico e aplicado, a criatividade e a adaptação àquilo que existe.
Podemos dizer então, e de uma forma sintética, que nos tempos actuais duas vertentes se delineiam para os empregados e candidatos a empregados: (1) a da tensão, que só promove e reconhece os que são bem sucedidos na competição que, por sua vez, é cada vez mais acentuada; (2) a dos que vão ficando progressivamente marginalizados da sociedade salarial, mas também muito angustiados, porque não prevêem uma solução alternativa capaz de garantir a sobrevivência familiar, o reconhecimento social e a independência perante os demais cidadãos, aos quais têm de recorrer para garantir a sua própria sobrevivência.
Esta segunda vertente é constituída por estratos diferenciados , como sejam, por exemplo:
1) a dos que "saltitam" de modo intermitente entre
. empregos com contratos a prazo, umas vezes com garantias de protecção social e com pagamento de impostos e descontos obrigatórios, outras vezes sem qualquer destes requisitos,
. trabalho a tempo parcial,
. formação profissional subsidiada e ministrada em empresas ou organismos de formação profissional, ou formação complementar do ensino superior, geralmente quando é subsidiada através de bolsas de estudo ou paga pelas respectivas famílias, e
. subsídios de desemprego;
2) a dos que acumulam uma ou várias destas formas de ocupação com um auto-emprego;
3) a dos que criam, por iniciativa própria, apoiada ou não, um trabalho independente ou pequenas sociedades (cooperativas, por quotas, e outras que, por vezes, contratam trabalho assalariado); e
4) a dos que permanecem numa situação de dependência, total ou parcial, da sua família ou da sociedade em geral, quer pelo recurso continuado e persistente à assistência pública e privada, quer pelo uso de práticas social e legalmente sancionáveis.
Embora o desemprego não seja um fenómeno recente, é fundamentalmente a partir dos primeiros anos da década de 70 que este atinge um carácter mais dramático e permanente, atingindo valores particularmente elevados com as crises petrolíferas de 1973 e 1979 . Segundo dados do Bureau International du Travail (BIT), entre 1973-75 a taxa média de desemprego para os países da OCDE passou de 3.5% para 5.2%, dobrando quase estes valores entre 79-83 (de 5% para cerca de 9%). Em 1985, a taxa de desemprego situava-se então nos 8.2%, que se traduzida em mais de 31 milhões de desempregados para este conjunto de países.
Alguns factores são apontados para explicar este aumento do desemprego , a saber:
1) O clima de incerteza crescente nos anos 70, que tornava arriscado qualquer investimento;
2) As profundas mudanças no comércio internacional, a concorrência cada vez mais forte do Japão e dos Novos Países Industrializados (NPI) e o rápido crescimento da produtividade do trabalho, concorreram para o desaparecimento de inúmeros postos de trabalho nas industrias tradicionais - tanto nos EUA como na Europa;
3) O aumento mais rápido dos custos da mão-de-obra do que da produtividade conduziu, em diversos sectores da indústria europeia, a compressões de pessoal e à criação de menos emprego;
4) O lançamento de diversos países numa política de expansão, como forma de fazer face à crise petrolífera de 73, embora tenha permitido o aumento do emprego no sector público (até início de 80), acabou por provocar um elevado défice nas despesas do Estado, uma vez que o tão esperado relançamento da produção não teve lugar. Simultaneamente, a inflação subiu em flecha, de modo que após 1980 diversos governos foram obrigados a recorrer a uma política monetária restritiva. A estagnação, ou mesmo declínio, da procura interna e do comércio internacional que daí advieram explica o nítido agravamento do desemprego entre finais de 70 e inícios da década de 80.
Embora mais lentamente, esta tendência mantém-se até aos nossos dias, não conseguindo o crescimento económico alcançado reabsorver os valores de desemprego registados (em 1995 verificava-se a existência de cerca de 18,5 milhões de desempregados na UE).
Contudo, mais importante do que a questão do volume total de desemprego (isto por comparação às taxas de desemprego registadas em alguns países comunitários ), é a existência de certos fenómenos de natureza estrutural que vêem estrangular o mercado de emprego, como sejam, o emprego precário (embora tenha havido um aumento da oferta deste tipo de emprego, este não constitui uma via de resolução do problema, mas contribui sim para um desenvolvimento económico lento e sem modernização), o sub-emprego, o desequilíbrio entre os pedidos e ofertas de emprego (em Fev./96 o Instituto de Emprego e Formação Profissional registou 512.421 pedidos de emprego para apenas 7.163 ofertas de emprego), a selectividade do mercado que afecta principalmente alguns segmentos da população, nomeadamente os jovens, as mulheres, os desempregados de longa duração e os trabalhadores afectados por reestruturações no tecido empresarial, etc.
De facto, este problema passa em larga medida pelas grandes dificuldades competitivas apresentadas pelas empresas portuguesas, uma vez que a abertura dos mercados não lhes tem sido muito favorável, dado o atraso em que se encontram do ponto de vista da tecnologia, da organização do trabalho, da investigação e da inovação produtiva e comercial, perante os seus mais directos concorrentes, os países da Comunidade Europeia.
Aliás, muitos destes problemas ocorrem também noutros países europeus com raízes mais fortes na organização da produção, nas iniciativas expansionistas e com maiores vantagens comparativas. Nesses países o desemprego é tanto ou mais elevado e subsistem também dificuldades para a definição de alternativas e de cenários adequados para se sair da crise. Na verdade é cada vez mais extensiva a substituição da mão de obra por equipamentos próprios de uma sociedade dita da informação. Estes equipamentos, que integram tecnologias de informação e de comunicação (TIC) na produção de bens e serviços, dispensam muito trabalho humano nas grandes organizações produtivas (nomeadamente o trabalho repetitivo e o de enquadramento técnico e hierárquico), precisamente aquelas em que a relação salarial fordista estava mais desenvolvida. Outro aspecto que também se nos apresenta com alguma relevância é o que se liga com as inúmeras reestruturações que as empresas promovem, que dão origem a mercados de trabalho com novas localizações das organizações em termos produtivos e geográficos e com exigências de qualificações diferentes, consequências essas que não são do conhecimento daqueles que acorrem ao mercado para obter emprego, nem daqueles que ainda estão em período de formação escolar e profissional. Em consequência disso, a formação profissional e a circulação no mercado ficam, como se referiu anteriormente, prejudicadas.
Temos assim, por um lado empresas em reestruturação, que se vão adaptando com alguma dificuldade às vicissitudes do mercado concorrencial dos produtos e do mercado de trabalho de que necessitam e que vão procedendo frequentemente à redução do número dos seus trabalhadores; por outro lado, temos (1) trabalhadores desempregados com formações profissionais elementares e desajustadas à procura, (2) desempregados que permanecem nessa situação durante largos tempos sem encontrarem saída, mesmo os jovens que acabaram de sair do sistema escolar ou escolar-profissional, (3) instituições que respondem fora de tempo às novas exigências das transformações produtivas, porque pouco previsíveis, (4) organismos - privados ou públicos - que vão formando os trabalhadores em áreas que revelam pouca previsibilidade das necessidades futuras, (5) a permanência de uma "cultura de assalariamento" que não tem correspondência com a realidade factual no domínio da contratação de trabalho, etc, para além de necessidades generalizadas de reprodução e de reconhecimento, para as quais não foi encontrada uma resposta satisfatória e global (no sentido em que compromete todos os cidadãos de forma empenhada).

Objectivos Genéricos
A. Em primeiro lugar sabe-se que a ideologia mais comum na sociedade salarial contemporânea acalenta a esperança persistente de se vir a ter um emprego estável e bem remunerado, dificultando deste modo o investimento pessoal em alternativas válidas, em caso de desemprego. Por outro lado, também as instituições de ensino e formação e as organizações ou instituições que regem os destinos da preparação para o trabalho, as da intervenção reguladora no mercado de trabalho e as da criação de organizações económicas, mantêm regras e padrões de funcionamento que estão muito mais vocacio-nadas para as estruturas económicas do passado do que para aquelas que a breve trecho as irão, pelo menos em parte, substituir.
Daí a opção por uma investigação feita em cooperação com as instâncias mais interventoras neste campo e os próprios desempregados, para que deste modo se apropriem daquilo que vier a ser produzido , além de outras motivações metodológicas adiante referidas.
Deste conjunto de cooperantes destacam-se os seguintes:
(1) por um lado, (a) os organismos locais/regionais com decisão em matéria de em-prego, de colocação, de fomento do emprego, de criação de iniciativas originais nesta matéria (nomeadamente Centros de Emprego, Câmaras Municipais/Juntas de Freguesia, Enti-dades Financiadoras, Governos Civis) (b) as instâncias de formação de base regional (Universidades e outras Escolas que conferem cursos de índole profissional), (c) as or-ganizações que congregam os actores sociais (Organizações Sindicais, Patronais e, eventualmente, Partidos Políticos), (d) outras entidades com alguma capaci-dade de inter-venção ou que tenham tido iniciativas interessantes (alguns Empresários, Gabinetes de Fomento às Iniciativas Locais de Emprego, ou à criação de "ninhos" de empresas, ou de Tecnopólos), (e) órgãos de informação e de veiculação ideológica (Rádios e Jornais lo-cais, Centros de Cultura e Recreio), etc;
(2) por outro lado, os traba-lhadores que se encontram nesta situação de vulnerabilidade, es-pecialmente (a) alguns desempregados de longa duração e (b) alguns dos que procuram o primeiro emprego, (c) serviços a que eventualmente recorram para a sobrevivência, (d) familiares de desempregados, (e) associações de desempregados, etc.

B. Em segundo lugar, pretende-se, relativamente à componente pesquisa da investigação-acção:
(1) quantificar elementos sobre os desempregados de longa duração e dos que procuram o primeiro emprego, residentes em zonas críticas de emprego industrial. As relações entre os traços individuais dos desempregados, as trajectórias de vida e as estratégias individuais são componentes importantes desta quantificação
(2) aprofundar a problemática a partir de situações-tipo identificadas e a identificar , melhorando assim a qualidade da informação e a capacidade de interpretação - diagnóstico de toda a informação obtida e de proposição de soluções viáveis.
(3) aprofundar o conhecimento sobre iniciativas de criação de micro-empresas por parte de desempregados, potenciais e reais, bem como proceder à despista-gem de casos de evidente sucesso e insucesso e das causas desses resultados.
(4) conhecer os casos de emprego assalariado recente após situação de desemprego, as condições do seu recrutamento e os investimentos pessoais para melhoria da sua qualificação e para a obtenção desse emprego.
(5) intervir no campo da pesquisa-acção, tal como se refere na parte metodológica.

C. O levantamento sócio-económico de cada região seleccio-nada é uma componente também privilegiada neste projecto. Deste modo ficar-se-á a conhecer as várias formas de emprego, o nível de instrução, idades e sexos da população residente, as formas de reprodução das famílias, as potencialidades de desenvolvimento, as necessidades locais mais prementes em maté-ria de produção de serviços (e de bens), as instituições/organismos intervenientes no emprego ou susceptíveis de virem a sê-lo, as sub-culturas relativas ao emprego, à sobrevivência, à solidariedade, ao ensino escolar-profissional e a formas continuadas e complementares da formação inicial, ao reconhecimento social, à (in)dependência dos cidadãos perante o Estado e a sociedade civil e acessibilidade a meios de informação, de comunicação e de cultura modernos.
Este levantamento é feito de forma participativa com as várias entidades/organismos anteriormente referidos, sendo, a este nível, utilizados ainda estudos credíveis já elaborados sobre os vários te-mas.

D. Uma vez contabilizada a situação objectiva e subjectiva dos cidadãos desempre-gados que persistem nessa situação ou que a conseguiram ultrapassar de forma positiva, e das entidades susceptíveis de se virem a empenhar num processo de renovação do "tecido" social, e aprofundadas a problemática e a intenção de empenhamento, dar-se-á lugar ao quarto objectivo, o de, colectiva e interactivamente, se diagnosticar a situação global e se proporem medidas adequadas às potencialidades locais/regionais que permitam a alteração da situação crítica analisada.

Metodologia
A analogia com o provérbio «o hábito faz o monge» permite-nos dizer que o «hábito», de confecção difícil, será o objecto científico da análise, o «monge» será o modo como se vai proeder à análise e que o «alfaiate-artista» será(ão) o(s) investigador(es), que tem(têm) como missão essencial provocar a interacção das componentes, para que daí resulte uma produção científica credível e mobilizadora - de mais produção científica e da sua assimilação generalizada. De forma esquemática, essa relação (interacção) pode ser assim representada:

INVESTIGADORES MÉTODO OBJECTO

O objecto da pesquisa definiu-se em função de um problema concreto - o desemprego de longa duração - de actores sociais concretos, seres humanos que habitam o mundo e o interpretam, para sobre ele poderem agir (individual e socialmente) de modo competente. Trata-se, portanto, da análise de um problema social que tem implicações económicas e políticas amplas, que não é redutível a estatísticas e que, como qualquer problema, carece de resolução. Não por meios exclusivamente matemáticos e anónimos, mesmo que graficamente estejam bem representados. Nem tal resolução diz unicamente respeito a medidas gerais aplicáveis, como sejam o abaixamento de salários, a instabilidade contratual, a formação e instrução gerais, ou a feitura de leis que determinem obrigações e direitos e que sancionem os prevaricadores. Esta resolução diz também respeito aos indivíduos que são objecto da análise, simultaneamente sujeitos viventes desta problemática. Sujeitos que, sendo seres humanos capazes de agir socialmente, são susceptíveis de recriar a realidade que os rodeia. Além de serem fonte de conhecimento, concebem o futuro, definem conjecturas, aprendem a modelizar o seu comportamento com as experiências que são capazes de analisar e a construir planos de intervenção.
Baseadas nestes pressupostos, têm sido postas em prática algumas caminhadas de investigação que, tendo começado pela aplicação e interpretação tradicional de questionários feitos a uma amostra representativa da população-alvo, a fazem seguir de uma outra, que se pode apelidar de injecção, junto dos actores sociais, da comunicação escrita ou verbal dos relatórios elaborados, numa linguagem acessível, para ser submetida ao controlo pelos actores. As apreciações feitas serão seleccionadas se forem dotadas de lógica, perante os investigadores e os actores, quer do ponto de vista da acção que desenvolvem e que está a ser objecto de análise, quer do ponto de vista de uma produção científica. Há mesmo investigadores que citam a possibilidade de se entrar numa negociação entre actores e investigadores, relativa às conclusões a elaborar.
Para nós, como para Demazière (1995:5), investigar-se desemprego de longa duração é poder categorizar-se esta situação, é construir uma posição específica no mercado de trabalho, é produzir uma nova representação social da realidade. É, enfim, compreender e transmitir o processo de construção social que lhe está inerente. Mas, para nós, investigar-se o desemprego, é igualmente contribuir para que se accionem os mecanismos que o tornem menos intolerável.
O método pode, neste caso, assumir qualidades de formação perante os actores sociais, contribuindo não só para que o nível de consciência aumente, mas que equacionem mesmo linhas de acção para que a sua resolução se torne possível. Ao mesmo tempo, permite que se faça uma reflexão criteriosa sobre as ciências sociais, nomeadamente no que se refere aos seus produtos e aos processo utilizados.
Começámos esta investigação tentando perceber - ler, ouvir e interpretar (através de documentos, de teorias, de entrevistados locais, de estatísticas) o «estado» da situação económica, social, cultural, política, em duas localidades portuguesas em que se considerou previmente que a problemática seria diferenciada, não só perante o grau de dependência de uma relação salarial estável, mas também pelo modo como as famílias, instituições e organizações dedicadas ao bem-estar se estruturam e mobilizam perante as dificuldades encontradas.
Prosseguimo-la, tentando perceber e interpretar o desemprego registado localmente, em especial o desemprego de longa duração (quer se trate de um primeiro emprego, quer de novo emprego). Escolhemos uma amostra representativa para inquirir desempregados de longa duração . Inquirição que tem como objectivo primordial conhecer trajectórias, interrupções motivadas pelo desemprego, causas do desemprego, consequências objectivas e subjectivas nos modos de se viver e nos relacionamentos com outros, bem como as estratégias prosseguidas para a retoma do emprego e a credibilidade nessas estratégias e a avaliação pessoal feita relativamente a experiências semelhantes já vividas anteriormente.
Para além de retratar uma situação que se queria interpretar à luz de uma teoria que a informa tínhamos em mente outros objectivos: desenvolver o gosto por permitir aos actores um maior aprofundamento do conhecimento (autorizando a elaboração de histórias de vida, em casos que se considerem pertinentes) e criar condições para que, alguns, possam vir a desempenhar um papel diferente do habitual e mais consentâneo com o nível de participação que se ambiciona poder proporcionar, intervindo na própria análise, «negociando» resultados preliminares.
Para além da componente investigação, interessa-nos do mesmo modo a componente acção. Esta foi também um dos objectivos das entrevistas feitas a informantes privilegiados: a de que pudessem participar de uma «Comissão de Acompanhamento», cuja finalidade última seria a de se produzir conhecimento sobre o desemprego, mas também motivação e reflexão sobre eventuais alternativas de empregabilidade. Será assim que, após ter procedido à recolha e redução dos dados, e à sua interpretação (nomedamente dos dados fornecidos pelos informantes privilegiados, pelos questionários, pelas trajectórias de vida de alguns desempregados e também de indivíduos que tenham solucionado recentemento o desemprego de longa duração, e à inventariação dinâmica da situação económica e social local), se irá elaborar um relatório interpretativo (ou diagnóstico, se se quiser) preliminar, para ser discutido por uma «Comissão de Acompanhamento». Comissão mista de investigadores e actores, que se apresentará bi-partida na fase inicial, mas conjunta a partir da segunda ou terceira sessões. Os actores serão escolhidos pelos investigadores, pelo papel - charneira desenvolvido na fase preliminar e em função da possibilidade de intervenção no território da empregabilidade local.
A comunicação desempenha, nesta pesquisa, um papel de grande centralidade. É por ela que se transmitem informações, quer dos actores sociais, quer dos investigadores, mas também que se cria a implicação dos actores e (maior) dos investigadores no processo de investigação, incluindo os seus resultados, para lá de uma conscientização e pressão para a definição de estratégias para a tomada de decisões, que se tomam por essenciais, numa tal problemática. Evidentemente que tais decisões serão necessariamente limitadas, quer no âmbito, quer no contexto, já que se referem unicamente ao local da investigação; não terão nem o carácter de universalidade, nem a ambição de independência de qualquer contexto, como nos propõe a ciência positiva. Mas constituirá um meio privilegiado para se desenvolver a Sociologia Crítica, fazendo emergir novas relações entre pensamento e acção, podendo conduzir, como diz Barel, à necessidade de uma auto-produção do sentido da realidade.

Alguns resultados preliminares da investigação da Azambuja

1. Contexto socioeconómico

Integrado na província do Ribatejo, distrito de Lisboa, o concelho da Azambuja caracteriza-se por profundas assimetrias entre as suas freguesias mais rurais (do Alto Concelho) e as mais urbanas e industrializadas (freguesias da Azambuja e Vila Nova da Rainha). Estas assimetrias verificam-se não só ao nível da sua capacidade de atracção (mais elevada nestas últimas, dado aí se concentrarem as grandes ofertas de emprego, chegando aquelas a registar uma certa desertificação), como também ao nível das características socio-demográficas (os níveis de analfabetismo são mais elevados nas freguesias mais rurais, e as suas condições de habitabilidade mais rudimentares).
Com uma taxa de actividade de 41,2% (segundo Censo de 1991), a Azambuja caracteriza-se por uma crescente tendência para a terciarização da sua actividade económica (com 47% da sua população activa a trabalhar neste sector, sendo que destes, 60% dizem respeito aos serviços pessoais e colectivos), apesar do peso que a indústria exerce ainda (com cerca de 35% da população activa).
O tecido produtivo é composto sobretudo por PME's (98%), sendo que 77% são pequenas empresas (menos de 10 trabalhadores). Em termos do volume de emprego, embora as grandes empresas representem apenas 2% do total de empresas, asseguram 37.5% do emprego. De salientar que cerca de 80% do emprego industrial encontra-se concentrado em apenas três grandes unidades (sector automóvel), com destaque ainda para as indústrias alimentares (abate de aves, conservas e desidratação de frutos e hortícolas, produção de concentrado de tomate, panificação e similares), que, conjuntamente com as primeiras representam 92% do emprego industrial do concelho.
Ao longo dos últimos anos o tecido produtivo tem sofrido algumas alterações (com as inevitáveis consequências que estas provocaram em termos de emprego), e que se tem traduzido por (a) reestruturações, que conduziram à dispensa de centenas de trabalhadores; (b) a exteriorização de determinados serviços até então assegurados por empregados da própria empresa, (c) falências de algumas unidades, que embora localizadas fora do concelho empregavam muitas pessoas da Azambuja; mas também (d) pelo surgimento de novas unidades ligadas à movimentação de mercadorias (armazenamento, entreposto de comercialização, ...), que vieram absorver parte da mão-de-obra disponível no Concelho (sobretudo jovens); e (e) por um grande desenvolvimento das actividades promovidas pelas Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e que vieram dar emprego sobretudo a mão-de-obra feminina. O surgimento destas novas fontes de emprego conduziu, por um lado, a uma efectiva diminuição da taxa de desemprego (passando, segundo dados do IEFP, de 14,3% em Abril de 1995 para 12% em Junho de 1997) e, por outro lado, a novas formas de trabalho, com um carácter precário, e com situações contratuais que passam por contratos de 3/ 6 meses ou até mesmo sem contratos, e com salários mínimos.

2. Desempregados
Atributos pessoais
Através das entrevistas já realizadas foi possível verificar que a maioria dos desempregados são mulheres, com uma idade média de 44 anos. Estas apresentam baixas qualificações, sendo quase um traço comum o analfabetismo ou a instrução primária .
A este propósito reunimos alguns exemplos: "não sei ler, mas sei alguns números, só assino o meu nome porque aprendi a copiar, aprendi sózinha. O meu pai tinha dez filhos e nenhum sabia ler, nem escrever" (ent. nº7) ; "tenho a 4ª classe, o que era muito bom para a altura" (ent. nº8).
Os desempregados são provenientes de estratos sociais mais baixos: "(...)os meus pais eram bastante pobres, trabalhavam os dois no campo" (ent. nº6); "(...) os meus pais trabalhavam numa quinta aqui na Azambuja, ele guardava gado e a minha mãe fazia o serviço doméstico" (ent.nº14), com rendimentos do agregado familiar que serão inferiores a 140 contos por mês e um capital escolar reduzido, com um percurso escolar irregular.
O perfil destes desempregados faz-nos antever a dificuldade de empregabilidade, já constatada por vários autores, quando se referem à idade, à escolaridade e ao sexo.

Trajectórias profissionais
Verificou-se que estas variam consoante estejamos a falar de homens ou mulheres. Assim, no caso dos primeiros, tratam-se sobretudo de pessoas que possuiam um contrato efectivo e que foram "vítimas" de reestruturações, ou mesmo de falências, por parte das empresas em que trabalhavam. Para alguns as saídas foram negociadas com a entidade patronal, tendo sido paga uma indemnização: "quando saí disse para eles que não queria vender o meu emprego ... e depois de um momento para o outro fiquei sem ele, e vim de lá com 38 anos. Chamaram-me a mim e a muitos colegas, tivemos de aceitar; para o fim quando lá chegava, já a minha máquina estava ocupada" (ent. nº8).
Para os casos de falência e despedimentos os trabalhadores receberam subsídio de desemprego: " (...) por enquanto estou a receber subsídio de desemprego, o pior é se esta situação se prolonga por muito tempo... Imagine uma pessoa estar em casa sem ganhar" (ent. nº2). Casos há em que nem subsídio de desemprego recebem, como é possível ver na resposta de algumas entrevistadas: "andei nas vindimas, claro aí nem descontam e agora não recebo subsídio de desemprego" (ent. nº7); "trabalhava a dias, fazendo horas para várias casas, como nunca descontei, não tenho subsídio de desemprego" (ent nº 14).
No caso das mulheres que tinham um contrato a prazo e que não conseguiram renová-lo, obtivemos também alguns testemunhos: "(...) estive numa empresa a fazer limpezas, depois acabaram os seis meses e fiquei desempregada" (ent.nº6); "despediram-me para não me passarem a efectiva; tem sido assim a minha vida" (ent. nº7). Estas, são sobretudo trabalhadoras sazonais, ou seja, que prestam serviço apenas nas alturas em que o trabalho abunda e isso acontece em determinadas épocas do ano, como, por exemplo, na campanha da apanha do tomate, em que a fábrica de transformação recorre a mão-de-obra do exterior só para fazer face a um acréscimo de matéria-prima, própria daquela altura do ano: "(...) trabalhei na fábrica mas é só no tempo das campanhas, este trabalho só dura aquele x tempo, depois ficamos em casa" (ent. nº6) . Esta mão-de-obra excedentária é dispensada logo que o processo de fabrico retoma o seu volume normal de produção.
Conforme se constata ao longo destes testemunhos, é frequente a existência de emprego repetitivo e a dificuldade em converter este tipo de emprego, num outro, com características de estabilidade e, certamente, exigente no que se refere a níveis de qualificação.
Uma trajectória que se evidencia é a de alternância entre emprego precário e mal pago e subsídios de desemprego; trajectórias que, como referem algusn informantes privilegiados, acaba por se reflectir na forma como a família se organiza: as famílias, nesta situação, programam já a sua vida neste sentido, trabalham meio ano, para poderem passar o outro meio com subsídio de desemprego.

Estratégias perante o emprego
A maioria dos entrevistados apresenta um espírito de resignação para aceitar a sua situação, daí que quando inquiridos relativamente a um emprego para o futuro, apontem para postos de trabalho que exigem pouca qualificação, uma vez que já interiorizaram que as suas qualificações são insuficientes : "(...) foi sempre o meu sonho, mas sei que não tenho capacidades para isso" (ent. nº 9).
Muitas das mulheres querem um emprego mas não deixam de referir que, por questões familiares ou de saúde, não dispõem de muito tempo para o procurar: "(...) o meu pai está muito doente, e sou eu que tenho de andar com ele a caminho do hospital...esta situação prejudica-me bastante porque eu não me sinto com disponibilidade para poder ir procurar emprego" (ent. nº6).
Como se verifica, existe uma grande falta de dinamismo, e até uma certa "acomodação" por parte dos desempregados à sua situação, esperando, regra geral, que o Centro de Emprego os chame, embora a maioria dos entrevistados nunca tenha sido contactado pelo Centro para uma oferta um emprego.
A motivação para procurar novo emprego é, deste modo, fraca, uma vez que a idade e a escolaridade já não permitem, segundo estes, encontrar novo emprego. Este fraco dinamismo poderá encontrar alguma explicação no facto de certas pessoas que se encontram na situação de desemprego utilizarem formas alternativas de subsistência, seja através de "biscates", do cultivo de alguns bens de primeira necessidade para autoconsumo, ou ainda pelo recurso à família como fonte de apoio, a chamada economia subterrânea : "(...) os meus pais ajudam-me muito " (ent. nº9); ou ainda; "os meus sogros ajudam muito sobretudo comprando roupa para a minha filha" (ent. nº 2); "aqui atrás tenho criação de patos, galinhas e faisões, tenho também um pombal, quando alguém precisa, eu dispenso; na altura dos melões também vendo" (ent nº8).
A fraca participação dos desempregados relativamente à procura de emprego repercute-se também num nível mais geral de relacionamento social. Poucos participam nas actividades associativas, de algum partido político, sindicato ou associação cívica. Esta vertente de não participação parece apontar para a existência de uma estratégia de exclusão social.
Por parte dos desempregados mais jovens ainda à procura do primeiro emprego, notou-se que desenvolvem estratégia de empregabilidade, nomeadamente através de iniciativas próprias de abordar o mercado de trabalho: "tenho procurado estágios mesmo não remunerados, para ir aprendendo; tenho de ganhar experiência porque as coisas vão-se modernizando e as pessoas não podem estar muito tempo fora do sistema" (ent. nº4); "estou a tirar um curso de informática e secretariado para ver se consigo encontar emprego nessa área" (ent. nº13).
Este estudo parece confirmar a ideia que a idade do desempregado enquanto indicador de interesse pela procura activa de emprego se confirma, já que por parte dos jovens se nota uma ambição de encontar um emprego de que gostem e de vencer a situação em que hoje se encontram, apresentando uma maior confiança no futuro .
Relativamente à criação do próprio emprego como alternativa à situação de desemprego, parte deles aponta a falta de recursos financeiros próprios, a falta de apoios e o excesso de burocracia por parte das entidades susceptíveis de dar o auxílio desejado e a falta de informação sobre as ajudas que se podem ter, como um grande entrave a este tipo de iniciativa. Muitos referiram, ainda, não ter conhecimento de que poderiam candidatar-se a um programa de criação de próprio emprego.
De facto, não só parece existir ignorância relativamente aos programas específicos neste campo, como as características anteriormente referidas (atributos pessoais) contribuem para um grande afastamento desta estratégia alternativa ao desemprego. E, apesar de insuficientemente analisadas, parece-nos que, da parte das instituições para o emprego, não têm sido criados os meios para a criação de emprego próprio, quer os de carácter de informação, quer os da sua viabilização prática, que permitam a esta constituir-se como uma alternativa válida.

3. Criadores de próprio emprego
Embora se esteja ainda numa fase inicial das entrevistas, pelos contactos já efectuados é possível retirar algumas impressões, que são complementadas por entrevistas já realizadas junto de alguns informantes privilegiados:
1ª) os casos registados de criação de próprio emprego dizem sobretudo respeito a trabalhadores altamente qualificados que detinham, antes de ficarem desempregados, uma profissão específica (serralheiro, mecânico, etc.) e que acabaram por abrir a sua própria oficina;
2ª) quanto aos que efectivamente chegaram a criar o seu próprio emprego/ negócio verifica-se que, regra geral, o recurso a programas de apoio (do IEFP, IAPMEI) nem sequer é utilizado, optando aqueles por recorrer a empréstimos bancários ou a familiares. Dos 6 criadores de próprio emprego contactados, apenas 3 tinham concorrido a um destes programas, tendo 2 destes acabado por desistir, por "complicações burocráticas". Os outros 3, embora tivessem conhecimento da existência destes programas optaram por outras vias, até porque tinham ouvido dizer que "a burocracia é tanta que as pessoas acabam por desistir" - destes 6 apenas 1 chegou a receber financiamento por parte destes programas.
Neste caso, as trajectórias destes indivíduos, podem ser reveladoras de algum nível de inserção social. Mas corrobora-se a dificuldade de relacionamento com as instituições a quem incumbe a resolução desta problemática.



MARIA TERESA SERÔDIO ROSA
MARIA FORTUNATA R. GONÇALVES
PAULA ISABEL MARQUES FERREIRA


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