I CONGRESSO PORTUGUÊS DE SOCIOLOGIA ECONÓMICA

 

Redes sociais e Empresarialismo em Portugal

A compreensão do fenómeno do empresarialismo tem passado por teorias motivacionais bem como pela teoria económica clássica. No domínio da sociologia a conceptualização deste fenómeno passa pelo seu reposicionamento à luz da teoria das redes sociais. Se não é aqui desejável proceder a uma crítica da leitura de empresarialismo como motivação ou produto de construtos da teoria económica, pretende-se no entanto alinhar pela recente sociologia económica enfatizando as configurações sociais da sua produção.

Num texto seminal, apontado como clássico, Granovetter (1992) lança a hipótese de a obtenção de emprego assentar na capitalização das redes sociais de quem procura. Mais ainda estima que é dos laços fracos produzidos em rede que nascem vantagens informativas competitivas (se por laços fortes se entende intensidade interactiva deduz-se que nova informação foi esgotada). Na mesma linha Burt (1992) explora e refina a ligação entre força dos laços e vantagens sociais competitivas. Argumenta que as vantagens não dependem tanto da força dos laços como da estrutura das redes sociais. Este movimento é concomitante a uma deslocação da conceptualização da procura de emprego para a de empresarialismo social. Para Burt o entrepeneur é alguém que faz a ponte num buraco estrutural, isto é, liga duas partes de outra forma socialmente afastadas fazendo assim encontrar recursos com oportunidades. O entrepeneur é "a funcionalidade" de uma relação de outra forma improvável. A moeda de troca é assim a informação a tempo e consubstanciada numa pessoa que é credível. Neste sentido podemos introduzir na análise o grau de formalização das relações para diferenciar o espaço relacional bourdiano criando um espaço tipológico de qualificação das redes sociais definido em torno dos vectores grau de formalização vs. intensidade.

Se estas ideias informam a base do que entendo correcto para uma outra definição de entrepeneur cabe ainda desenvolver a conceptualização deste espaço relacional. Parece-me que as redes sociais são não só função do indivíduo como também dos diferentes papéis que desempenha. Assim a cada papel cabe por abstracção um plano relacional cujo ponto de intersecção se constitui como o lugar social da empresarialidade. É minha hipótese que cada plano reticular se define por um perfil de capitais próprio. O lugar social da empresarialidade é aquele que permite a conversão interplanos, e inter-redes, das diferentes espécies de capital. Este movimento informacional é mais uma vez balizado por tempo e fidúcia. Vectores estes que moldam não só a acessibilidade interplanos como inter-redes. "Jogo o acesso a indivíduos pertencentes às minhas redes, mas também às redes das pessoas a quem acedo". Essa possibilidade, teóricamente infinita, é na prática limitada pelos tempos de circulação da informação e pela garantia investida no contacto, a fidelidade da aposta. Assim para a empresarialidade, mais importante que factores motivacionais ou macro-económicos, parece ser esta capacidade de tradução social.

A imagem tradicional do entrepeneur dada pela teoria da Gestão que valoriza a competência artefactual (aqui entendida por novidade num sistema produtivo por exemplo) é alargada para englobar a competência de criatividade social, menos tecnológica, mais accional.

O entrepreneur mobiliza o trabalho social produzido na rede em que se insere e da qual se estabelece como catalizador social ou centro de gravidade. No fundo entende-se a aqui a empresarialidade como uma actualização específica da capacidade de capitalização. "Casamo-nos, vamos à escola, procuramos emprego, criamos empresas". As redes sociais se produzidas como espaços de capitalização de recusrsos têm ainda o efeito adicional de produção de um efeito de realidade sobre a diminuição do risco, uma socialização do risco.

A aplicação desta utensilagem teórica ganha corpo na compreensão da criação de pequenas empresas em Portugal. Este contexto situacional produz em si mesmo novas especificidades. O plano familiar destaca-se na hierarquia dos planos, estabelecendo-se como recurso central viabilizador destas empresas. Porém a centralidade da família (sede social dos institutos de reprodução antroponómica: herança, fiscalidade, etc.) não obvia o recurso a outros planos, antes estes revitalizam-se numa nova apropriação. A rede familiar tem características específicas responsáveis por esta diferença. Nasce-se para dentro desta rede, constituindo esta a gramática básica de integração, do espaço relacional individual, do mundo social a criar, e viabilizando os processos básicos de reprodução. Mas se a família é adscritiva é também moldável. Conjuga traços de estabilidade com potencial para reformulação. A rede familiar permite um tempo de exposição às relações potencialmente relevantes muito alto. A família fornece aqui os capitais relevantes em qualidade.

Por último, avançam-se algumas hipóteses exploratórias. Baseadas na família, as pequenas empresas caracterizam-se pela sua quantidade e alta taxa de mortalidade. Pergunta-se se esta elevada taxa esconde a transmissão e reprodução dos capitais, especialmente por via familiar, fenómeno a que os indicadores convencionais de actividade económica são cegos. Se considerarmos uma diferente unidade de contagem, por exemplo a de transmissão da mesma empresa e metier dentro da família poder-se-à por ventura proceder a uma re-contagem das empresas, desta feita não como eventos em si únicos, mas antes como heranças objectivamente descontínuas mas subjectivamente estáveis. Esta ideia lança a hipótese da necessidade de reconceptualizar as grelhas com que a administração lê a actividade económica. Se as decisões políticas são pensadas em função destas grelhas de classificação do económico-social, então é natural que desconheçam essa realidade e que os resultados não deixem de ser lidos como aquém dos esperados. A concretizar-se este mecanismo de criação de empresas qual poderá ser o papel do Estado enquanto interventor político no estímulo ao empresarialismo?

 

Bibliografia:

Bourdieu, P. (1992) An invitation to reflexive Sociology, Chicago: University of Chicago Press.

Burt, R.S. (1992) Structural Holes: The social structure of competition, Cambridge, Mass: Harvard University Press.

Granovetter, M.S., Swedberg, R. (1992) The Sociology of economic life, Boulder: Westview Press.

Mafalda Cardim

Doutoranda da London School of Economics and Political Science

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