Será a Sociologia Económica um
espaço disciplinar especializado, de onde os sociólogos
observam os economistas e a economia? Será um espaço entre
disciplinas, como a psico-sociologia ou a psicologia-social?
Será uma oportunidade de mútuo conhecimento e cooperação
entre economias e sociologias? E, nesta última situação, que
economias e sociologias ligam umas com as outras? Como o podem
fazer?
As respostas a estas questões terão que ser encontrada (por
afirmação ou omissão) mais provavelmente por pessoas presentes
neste Congresso. A vontade e a capacidade de produção de novas
práticas científicas, porém, é estimulada por realidades
exteriores ao grupo. Umas de ordem epistemológica, como são o
(d)efeito tecnocrático ou as modrnas concepções do tempo,
outras de ordem conjuntural, como seja a emergência da Economia
Social, cuja dimensão foi estimada, para Portugal, em ¼ de
milhão de organizações, ½ milhão de activos para um peso de
20% do PIB movimentado a propósito de serviços não-mercantis .
As organizações da Economia Social "participam na
criação de emprego, na manifestação de cidadania activa e no
exercício da democracia". Será que vão "ter um papel
essencial em quase todos os domínios da actividade social"
? Eis o que parece ser uma aliciante pesquisa de Sociologia
Económica.
Da génese e actualidade do (d)efeito tecnocrático
Por (d)efeito tecnocrático entendemos o balancear moderno -
cultural, político, tecnológico, enfim civilizacional - entre
uma razão reducionista, transformadora, agressiva e fria (o
efeito tecnocrático) e o sofrimento das consequências desse
activismo radical, por vezes compensado por solidárias ou
humanistas lambidelas de feridas (o defeito tecnocrático). Dito
de outro modo: o moderno modo experimental de aprendizagem e de
reflexividade é eficaz, mas tem os seus custos sociais (a
distribuição dos benefícios e das consequências são,
naturalmente, objecto de lutas sociais, de onde têm saído
vencedores e vencidos: assistimos desde à duzentos anos, com um
agravamento nos últimos trinta anos, a um aprofundamento das
desigualdades sociais, ou pelo menos da sua tematização) e tem
os seus custos ecológicos (só já na segunda metade deste
século foram descobertos e, ao contrário dos custos sociais,
tendem a atingir toda a população humana de forma cada vez mais
semelhante).
Ao contrário do que acontecia nas civilizações agrárias,
modernamente os ciclos de expansão e recessão são artificiais,
i.e. são independentes do pulsar dos elementos naturais.
Dependem mais do pulsar da produção industrial, da
solidariedade social ou das políticas institucionalmente
implementadas, em particular as políticas financeiras. Uma longa
tradição civilizacional europeia, como nos mostrou Weber, está
na origem deste sistema particular que temos vivido, que colocou
o Homem no lugar de Deus e a Máquina no lugar da Natureza. Se é
certo que a primeira das substituições é a mais polémica,
valiosa e característica, não é menos verdade que sem o
sucesso dos processos racionais de exploração da natureza pela
máquina, a Cultura moderna não seria viável, tanto na sua
viabilidade prática, como na possibilidade de ser compreensível
e acessível a uma grande massa de pessoas.
A Ciência é o nosso novo Deus e a Tecnologia o seu totem. Esta
é a revelação que está na própria origem da Sociologia, com
Comte. É certo que, dado o defeito tecnocrático ter
consequências sociais negativas e particularmente evidentes para
os que não beneficiam directamente do efeito tecnocrático , na
Sociologia as correntes anti-positivistas, como a atenção aos
problemas sociais, foram sempre particularmente activas. Que esse
facto, não nos faça esquecer que a Sociologia se construiu e
afirmou como Ciência, assumindo como referência central uma
epistemologia laica, profundamente inscrita na matriz
civilizacional ocidental, polarizada por oposição às chamadas
Ciências Ocultas e às Teologias. Ora, da mesma maneira que não
é possível decantar as teorias sociais das ideologias que
previamente as fundam e que lhes concedem dinâmica e capacidade
explicativa e heurística, por maioria de razão é impossível
conceber a produção da teoria social fora do quadro moderno
que, radicalmente simplificado, é descrito pelo positivismo.
O maior sucesso da Economia, tal como ela hoje se pratica
normalmente, deve-se ao facto de a rainha das Ciências Sociais
ter conseguido libertar-se - em grande medida - das práticas
anti-positivistas. Através do ensino de um repertório de
técnicas prontas a usar, os economistas podem colocar as suas
competências no mercado como um serviço normalizado, cuja
promoção é feita por especialistas em divulgação ...
científica (?).
A ambiguidade do estatuto e da forma de divulgação de saberes
deve-se à dupla pertença institucional das Ciências Sociais
modernas. Nas Universidades que institucionalmente as acolhem
cruzam-se as lógicas corporativas dos cientistas e
investigadores com a dos professores e dos aspirantes a
profissionais do ofício. Os primeiros eventualmente mais
sensíveis a perspectivas desconstrutivistas e anti-positivistas,
os segundos eventualmente mais interessados em efeitos práticos
imediatos, portanto em compêndios e formas de comunicação
codificada que lhes permita distinguirem-se de outros
profissionais e produzir o efeito de fechamento social
respectivo.
Divulgação científica passou, há não muitos anos, a ser uma
expressão reservada pelo movimento de democratização da
ciência, na procura de relegitimação popular do estatuto dos
cientistas . Significa, desde então, um esforço de traduzir em
linguagem comum os argumentos e raciocínios científicos, o que
nos remete preferencialmente para tipos de abordagens
anti-positivistas, descrições de actos criativos, em vez da
apresentação museológica da ciência acabada, típica dos
compêndios e mais facilmente manipulável por via da
interiorização dos efeitos eficazes. Este optimismo positivista
faz abstracção dos defeitos ... tecnocráticos, não raras
vezes por forma arrogante e autoritária, de temos visto
inúmeros exemplos nos últimos anos de progresso neo-fontista,
em particular esgrimindo contra grupos ecologistas ou
populações que se opõe os seus "interesses
particulares" ou "interesse geral" da construção
de auto-estradas.
A abordagem management da economia, aliás como a macroeconomia,
tem todas as vantagens e desvantagens dos produtos normalizados.
Em fase de efeito tecnocrático, tem oportunidade de se
multiplicar, tal como os clones, eventualmente até com
benefício para as sociedades. Porém, em fase de defeito
tecnocrático, perdem utilidade e tornam-se entraves à procura
de novas soluções, provavelmente tão normalizadas quanto as
anteriores, mas novas, i.e. sem um defeito tecnocrático evidente
e sentido como um mal crónico, explorado e sofrido em doses
individuais e sociais desiguais.
A crescente aceleração dos processos de mudança que
caracteriza a sociedade e a economia em que vivemos é possível
porque nos libertámos do tempo cíclico solar que organiza a
vida camponesa. E, claro, isso é positivo pelo progresso que
permite e pelas expectativas e realidades da mobilidade social
ascendente que promove. Tal aceleração é, também, uma forma
de evitar os efeitos do defeito tecnocrático. Como todo o
investidor sabe, uma das formas mais eficazes de evitar as
dificuldades momentâneas é saltar em frente, investir mais,
mesmo endividando-se de forma irreversível. Foi este raciocínio
que levou um simples corrector inglês, sediado numa cidade
asiática, num derradeiro salto sobre o abismo, a executar a
manobra financeira que levou à falência uma sólida e centenar
instituição bancária britânica. Foi o mesmo raciocínio que
afundou a dívida pública dos países do Sul, originou uma
superliquidez nos países do Norte que não têm parado de
agravar as desigualdades sociais glocais.
Face à reemergência do problema social, que Durkheim chamou
anomia, Marx exploração e, hoje, os economistas chamam
desemprego, uma onda humanista anuncia um novo ciclo histórico
dominado pelo combate ao defeito tecnocrático.
O fenómeno a que hoje se chama globalização, ou melhor, a luta
verbal e conceptual em torno do tema, mais não é do que o
(d)efeito tecnocrático típico da modernidade. Para uns é o
resultado positivo da crescente facilidade de transporte e
principalmente comunicações na Terra que permite acelerar os
processos de mudança - especialmente no que aos capitais diz
respeito - e assim evitar os defeitos tecnocráticos. Para outros
é o resultado negativo da exclusão social deste processo e, bem
mais grave do que isso, o controlo da vida dos excluídos - por
via do Estado, do Sistema Financeiro e da Comunicação Social -
de forma a que estejam sempre disponíveis a cumprir os papéis
(de trabalhadores ou de consumidores) que economia capitalista
lhes quiser destinar.
A importância conceptual do factor tempo
Os antropólogos ensinaram-nos que o tempo circular camponês foi
substituído por um tempo linear. Um tempo tão imprevisível
como o clima foi substituído por um tempo que evolui como um
vector, que progride, que se acelera com a produtividade e sob o
controlo estatal, marcado pela cadência inexorável dos
relógios pessoais.
O tempo circular é concebido como uma representação
ultrapassada do tempo. Um tempo não eficiente, um tempo
pré-moderno. Da mesma forma que o trabalho industrial ou
burocrático vai tornando obsoleto o trabalho campesino
tradicionalmente dominante, podemos imaginar o tempo moderno
representado por um vector, em pose de Super-Homem, atravessando,
pelo centro, círculos evanescentes, inertes, impotentes, em
representação de um passado antigo, i.e. que não volta mais,
de qualidade inferior ao presente que nos é dado como natural.
A noção de progresso, a superioridade, a inevitabilidade e a
certeza do progresso integra a nossa noção de tempo. Ou será
mais exacta a afirmação inversa? Mas este tempo linear também
inclui uma noção de potência, de capacidade, de liberdade
humanas, mais ou menos individual, mais ou menos social. Tal como
o relógio de ponto, também a representação moderna de tempo
demarca o mundo das necessidades do trabalho social, do mundo das
liberdades individuais.
As classes dirigentes de todas as sociedades sempre tiveram mais
oportunidade e necessidade de prospectivar, de imaginar o futuro,
de conceber o tempo de forma mais linear do que a rotina
quotidiana. Trata-se de um instrumento e de uma prerrogativa dos
poderoso. Comparado com o tempo circular anual de um planeamento,
uma vida humana é linear, porque atravessa vários ciclos e
pode, em princípio, dominá-los ou pelo menos pilotá-los.
Comparada com o conjunto do horóscopo, com um todo não
racionalizado e, por isso, não dominável, cada uma das nossas
vidas é circular, é a realização de um destino. O círculo
temporal é, pois, entendido, de diversas formas, conforme a
situação e as convicções de cada um, como um base de
referência para a nossa vida familiar e comunitária.
O tempo vectorializado serve melhor as representações relativas
às aspirações da vida institucional moderna, que é vida de
forma logicamente independente da vida das pessoas concretas que
a suportam. Para uma instituição não há pessoas
insubstituíveis. A vida institucional é sempre um episódio na
vida de um seu servidor.
O tempo oficial é linear na vida oficial de cada ser humano
moderno. Mas da mesma forma que subsiste uma economia paralela,
também o tempo circular subsiste na mente das pessoas para as
quais as oportunidades de planear o seu próprio futuro são
inexistentes ou muito reduzidas.
Tonnies defendeu ser a vontade essencial, aquela determinada por
impulsos não controlados, a mais livre, a verdadeiramente livre.
Logicamente a humanidade teria mais oportunidades de ser livre
nos tempos pré-modernos. Apenas a rotina ambiental do ciclo
agrário anual, as suas crenças pessoais e o poder guerreiro dos
senhores a envolvia. A vontade arbitrária, o poder
racionalizante e coercivo do Estado, aquilo a que mais tarde se
chamou Big Brother, por seu lado, não era, como continua sem
ser, equitativamente distribuída pelos diversos grupos sociais.
Se é certo que com a generalização da escolaridade se obteve
uma paz urbana, arbitrada pela Razão "arbitrária",
partilhada entre os cidadãos assim civilizados, a classe média,
não é menos certo que se criou um Sul (mais económico e social
que geográfico), onde tal escolarização efectivamente não
ocorreu ou não teve sucesso. Como partilhar uma concepção
linear de tempo com quem a entende como uma provocação à
circularidade tradicional e actual da sua própria vida? Que
éticas de resignação e de esperança têm permitido a coesão
social? Afinal, que práticas económicas são viáveis e
sustentáveis a prazo?
Uma das consequências da concepção dominante sobre o tempo é
que, tal como nos ensina o método científico, quando a ele nos
referimos, temos de abstrair de todo e qualquer conteúdo com
que, na prática, se relacione. O tempo objectivo tanto conta se
estamos a dormir - e não damos pelas horas - ou se estamos à
espera - e cada minuto parece uma eternidade. Da mesma forma o
tempo linear - cujo modelo-ideal macro-económico é o juro -
tanto conta os mesmos minutos quando o ciclo económico é
virtuoso como quando o ciclo económico é vicioso. Ou quando o
ciclo social é de efeito tecnocrático ou quando ciclo social é
de defeito tecnocrático.
O que acontecerá quando ambos os ciclos, económico e social,
coincidirem na baixa? Como geniais previsões muito mais bem
fundadas que aquelas que agora poderia aqui fazer provaram
falhado, resta-nos chamar a atenção para o facto de haver,
actualmente, uma renovada agitação em sectores de actividade
económica e social exteriores ao Estado - ou em dinâmica de
externalização relativamente à Administração Pública - e
exteriores ao Mercado, ao sector privado da economia. Chamam-lhe,
alguns, Economia Social.
A concepção moderna de tempo mais usada pelo senso-comum
radicaliza-se (racionaliza-se) num presente, e apenas considera o
passado para poder antecipar um efémero futuro linearmente
acelerado. As elites com poder de iniciativa e de reflexão,
porque têm oportunidade de vivenciar o poder do tempo linear,
procuram conceber e antecipar as mudanças e as transformações,
conscientes da complexidade desse objecto de investigação.
Porém, com os instrumentos científicos de que dispõem, o
melhor que podem fazer é fotografar um passado recente,
apresentá-lo como presente e imaginar o futuro. A Razão (ou
será razão) dos interesses dominantes faz-nos imaginar um
futuro infinito para o (d)efeito tecnocrático, um futuro
positivo para todos. E como nós o desejamos!
Os mundos modernos da Ciência
Muitos cientistas (todos?) revoltaram-se contra as exigências de
rigor formal, em particular aqueles que lidaram com objectos mais
complexos e/ou mais práticos, como é o caso dos cientistas
sociais. Os cientistas mais tecnocráticos podem, com mais
facilidade, ignorar/naturalizar as questões epistemológicas,
pois o contacto com a prática é mediado e controlado por
poderosos sistemas. Dessa aliança, os últimos ganham uma
legitimidade social cientificamente reforçada e aumentada , a
somar à legitimidade jurídico-económica (a propriedade
privada) e às legitimidades políticas, mais contigentes. Os
cientistas ganham a possibilidade (e a facilidade) de definir
critérios redutores do real em função das possibilidades e
interesses dos sistemas financiadores, i.e. é-lhes permitido que
exercitem toda a amplitude do processo científico, garantindo as
condições materiais indispensáveis, contra a aceitação, por
parte dos cientistas, de que servirão a "sociedade".
Neste preciso sentido pode afirmar-se, usando a terminologia
marxista, que a super-estrutura do saber científico-técnico é,
normalmente, determinada pela infra-estrutura militar-industrial.
O que não inibe, ao contrário possibilita, a ocorrência de
revoluções científicas no sentido khuniano. O radicalismo da
referência ao presente também tem a ver, portanto, com a
iminência de qualquer debate epistemológico poder ter sucesso
(incompreensível, para quem prefere menosprezá-lo),
influenciando assim os fluxos de trocas entre cientistas e a
"sociedade".
É neste ponto que entra a dinâmica da tradição cultural
ocidental.
A lição weberiana da convergência dos aspectos mentais e
materiais da civilização ocidental, apesar de famosa e
vulgarizada, encontra os obstáculos à sua interiorização
reflexiva por parte das populações modernizadas, dados não só
os antecedentes culturais mas também a forma institucional
típica das sociedades actuais.
No quotidiano, cada um de nós vive as instituições (por ex: a
escola e o trabalho) como se fossem círculos sociais demarcados
- no quadro dos quais nos são sugeridos comportamentos
apropriados a normativos particulares, como diria Durkheim -,
tempos quotidianos demarcados - dando-nos oportunidades de
desenvolver formas de expressão individuais não articuladas
entre si, como diria Simmel - e fases da vida demarcadas
(infância, juventude, idade activa e 3ª idade).
Por isso mesmo passou a ser útil, para as pessoas modernas,
suportarem investigadores sociais que sejam capazes de as ajudar
a produzir, através da análise, todo o trabalho intelectual de
integração (de identificação) das múltiplas dimensões de
cada pessoa, daquelas em que comparticipa e em que a vão
transformando.
Estamos perante um duplo uso/sentido da Ciência, bem expresso
nas referências a Ciências Duras e Ciências Sociais, que para
se compreender mais profundamente nos pede uma leitura de nível
superior, de nível civilizacional, para melhor se poderem
compreender as dinâmicas institucionais, culturais e
económicas.
Da Economia Social
As tradições religiosas dominantes no Ocidente foram
separando-se da intervenção temporal, realizando um mundo
dualizado. A heteronomia própria da psicologia moderna aprendeu
a legitimar-se e a entender-se nesta oposição entre Almas e
Corpos, vontades essenciais e vontades arbitrárias, entre o
emocional e o positivo, entre o caos simbólico esotérico e a
racionalidade cartesiana. A Sociologia procurou fazer-se umas
vezes como corpo da Alma, como em Durkheim, outras vezes como
alma do Corpo, como em Weber, na esperança de que o saber, e em
particular o saber sobre as culturas, pudesse equilibrar os
poderes do Estado - ditos Política - e os poderes privados -
ditos Economia.
Por isso a Sociedade aparece por vezes coligada com o mercado -
na análise socio-económica - outras vezes com o Estado - na
análise institucional e política.
Raramente à sociedade tem sido reconhecida mais autonomia do que
aquela a que se chama relativa. Mas não será que, nesta
conjuntura de super sobreprodução e concentração de capitais,
de risco humanitário global, de reorganização institucional ,
numa fase de agudização da diversidade em esquizofrenia
desigualitária, haverá uma oportunidade - como se diz no mundo
dos negócios - para mostrar/testar a dimensão pragmática das
teorias sociais? Será que a economia e os economistas, que já
percorreram historicamente um caminho de tecnicização da teoria
económica, sentem a necessidade de reconstruir as suas próprias
noções sobre a densidade e o lugar do social na economia? Não
será que a sociologia, que em grande parte se manteve
desinteressada (e desinteressante) para os poderes dominantes no
mercado, poderia ajudar os economistas? Que sociologias e que
economias estarão disponíveis para ensaiar tal via de
cooperação? Com que alianças de âmbitos disciplinar,
socio-económico e ideológico-político poderiam sustentar tal
projecto?
A hipótese que aqui se propõe, com base na verificação da
crescente importância da quantidade e qualidade das
intervenções em sectores de actividade especiais, a que, para
simplificar, vamos chamar Economia Social , é que a modernidade
não desenvolveu apenas formas de Estado e de mercado
particulares. Também desenvolveu outras formas de viver,
eventualmente menos regulamentadas - e por isso menos normais -
menos integradas - e por isso mais vulneráveis - menos mercantis
- e portanto menos contabilizáveis. Também desenvolveu uma
Economia Social, que tanto funciona como lubrificante do atrito
entre o Mercado e o Estado como com dinâmicas própriaa que
seria importante prospectivar.
À medida que a sociedade positiva e construtiva do pós-guerra
vai dando lugar a uma sociedade imaterial e da informação, à
medida que a nata da sociedade, a superestrutura, parece querer
descolar para um mundo virtual , à medida que os riscos
ecológicos e sociais se vão tornando problemas emergentes e de
emergência, à medida que as sociedades e as economias se
transformam, à medida que os valores dos indicadores económicos
e sociais tradicionais explicam menos aquilo que vamos observando
, a existência de uma outra instância institucionalizada de
mediação e conflitualidade social, a par do Estado e do Mercado
pode constituir uma esperança. Mas o que é a Economia Social?
Economia subterrânea, sociedade providência, desenvolvimento
social, organizações sem fins lucrativos, organizações não
governamentais, misericórdias, bancos sociais, cooperativismo,
mutualismo, solidariedade, mercados sociais, trabalho social,
cooperação, prevenção, planeamento social, políticas
sociais, desenvolvimento sustentável, socialismo,
associativismo, comunitarismo, desenvolvimento local,
desenvolvimento integrado, Europa social, modelo social europeu.
Trata-se de uma listagem incompleta que nos remete para mundos
separados por razões morais, religiosas, políticas,
geográficas, económicas, cognitivas e outras, mas que partilham
uma tarefa comum, a saber, organizam reacções - mais ou menos
radicais, conscientes e eficazes - ao efeito tecnocrático.
Propõe-se organizar o pagamento da factura do defeito
tecnocrático.
Parece ser possível identificar tensões sincréticas,
compensadoras da vida moderna. Por oposição civilizacional,
como são os casos negativos dos fundamentalismos religiosos e
dos neo-nacionalismos. Outros movimentos sociais com tendências
sincréticas, estes positivos, no sentido da apreciação que
dele fazem as populações, são os ecologistas, movimentos
estudantis e feministas, mais ou menos radicais. Mas muitos
outros movimentos existem, só que por não terem tendências
sincréticas, por não terem uma imagem/esperança
pre-construída para apresentar a que o vulgo se possa facilmente
referir, têm menos visibilidade pública. Não são
desconhecidas dos políticos as muitas pequeníssimas
organizações que pedem suporte para simplesmente poderem
existir e exercer - fora de um quadro mercantil - a actividade
económica, cívica ou piedosa para que se sentem vocacionados.
Se aceitarmos, como nos ensina Francesco Alberoni, que para haver
um movimento social apenas são indispensáveis duas pessoas
dispostas a agir em conjugação , compreenderemos como a
dispersão dos micro movimentos sociais constitui uma fonte de
energias sociais capazes de produzir as condições para lançar
reacções ou inovações em cadeia.
Fomos construindo o conceito de revolução social, por
oposição a revolução tecnico-económica, com base numa
interpretação das Revoluções Francesa e Russa que as pensa
como novos Génesis. Mas, afinal, as revoluções burguesas
tiveram desenlaces muito diversos conforme os países, mas em
todos os casos foram precedidas de enorme permiscuidade entre as
classes tradicionalmente dominantes e as classes emergentes. O
facto da Economia Social ser indistinta do tecido
socio-económico e dos quadros institucionais e a ambos
subordinada, nuns casos em ruptura com o sistema, noutros casos
subserviente, na maior parte instalada no status-quo, apenas
significa que está em condições de vir a subsistir -
desenvolvendo-se ou apenas sobrevivendo -, depois da queda ou
reorganização dos modos de actuar mais visíveis e
prestigiados..
O desafio será a descoberta, neste campo disforme, dos elementos
inovadores suficientemente poderosos para se afirmarem a favor
dos que, nas condições actuais, estão a perder
esperança de poderem usufruir de um estatuto social e económico
condigno.
Para pensar o sentido e o valor das tensões analíticas e
sincréticas na sociedade actual, partindo, como é o caso, da
sociologia e da economia, pode dizer-se que a estratégia mais
eficaz será participar - ou observar, para os que preferem
sentir-se mais seguros - em movimentos sociais. Não apenas
estão numa posição privilegiada para mediar entre os que
estão fora do sistema, por opção ou como consequência de
processos de exclusão, e os que se debatem para o aperfeiçoar,
sem prescindir dos poderes adquiridos. Também porque são os
movimentos sociais que tem interesse e necessidade, tal como os
cientistas sociais, em sintonizar discursos e realidades de forma
racional, pois disso depende a eficiência da sua acção e,
portanto, a sua própria existência
Notas finais
As desigualdades sociais e económicas crescentes, um dos
objectos de estudo centrais para ambas as disciplinas, Economia e
Sociologia, estão ancoradas tanto no nosso quotidiano, ou na
nossa tradição cultural, como no nosso percurso civilizacional.
Tanto a pilotagem como a ruptura com o ciclo moderno do (d)efeito
tecnocrático (balanço psicológico, prático e político entre
o uso de processos técnicos prefigurados e o uso de
compensações humanistas e afectivas), fenómeno que têm
ajudado a separar as visões económicas das sociológicas e que
justifica algum paradoxo pleonástico da expressão Economia
Social, podem constituir motivos aliciantes de investigação
conjunta.
A Economia Social, como objecto de estudo, mobiliza a nossa
atenção, a um tempo, para as sinergias entre o mercado, a
sociedade e o Estado, para iniciativas de inovação
socio-económica, para a defesa e conservação de modos-de-vida
em que a dimensão essencial da liberdade (como Tonnies a
definiu) possa ter maior expressão. Por isso pode ser
considerada uma fonte de inspiração inovadora para aqueles
sociólogos que, sem desejarem perder a sua identidade
profissional, procuram na economia um valor acrescentado. A
Economia Social, por ser um conceito em devir, pede de nós um
esforço de cooperação com todos os que dele se aproximam,
activistas, políticos, ou investigadores. O que constitui,
eventualmente, um espaço de cooperação equilibrada entre as
duas Ciências Sociais rivais.
Prospectivar a Economia Social
Resumo:
Questiona-se o lugar académico da Sociologia Económica.
Defende-se a estratégia de privilegiar a Economia Social, como
objecto de estudo.
As desigualdades sociais e económicas crescentes, um dos
objectos de estudo centrais para ambas as disciplinas, Economia e
Sociologia, estão ancoradas tanto no nosso quotidiano, ou na
nossa tradição cultural, como no nosso percurso civilizacional.
Tanto a pilotagem como a ruptura com o ciclo moderno do (d)efeito
tecnocrático (balanço psicológico, prático e político entre
o uso de processos técnicos prefigurados e o uso de
compensações humanistas e afectivas), fenómeno que têm
ajudado a separar as visões económicas das sociológicas e que
justifica algum paradoxo pleonástico da expressão Economia
Social, podem constituir motivos aliciantes de investigação
conjunta.
A Economia Social, como objecto de estudo, mobiliza a nossa
atenção, a um tempo, para as sinergias entre o mercado, a
sociedade e o Estado, para iniciativas de inovação
socio-económica, para a defesa e conservação de modos-de-vida
desalinhados dos valores globalizáveis (dominantes). Por isso
pode ser considerada uma fonte de inspiração inovadora para
aqueles sociólogos que, sem desejarem perder a sua identidade
profissional, procuram na economia um valor acrescentado. A
Economia Social, por ser um conceito em devir, pede de nós um
esforço de cooperação com todos os que dele se aproximam,
activistas, políticos, ou investigadores. O que constitui,
eventualmente, um espaço de cooperação equilibrada entre as
duas Ciências Sociais rivais.
Abstract:
The paper discuss the academic status of Economic Sociology and
argue that it would be a good strategy to take the Social Economy
(the Third Sector) as the object of study.
Being the growing social and economic inequalities attached to
our every day lives, to our cultural tradition, to our
civilisational path and being these issues both disciplines
central objects of concern, Economics and Sociology can produce
together cooperative research, namely about the ways to change
the modern technocratic (d)effect cycle.
The Social Economy, as a study object, mobilise our attention to
focus synergy between the market, the society and the state for
socio-economic innovation initiatives, to focus preservation and
defence of non globalized standard ways-of-life, to focus
balanced cooperation between our two disciplines and also between
other rational, scientific and effective approaches.
António Pedro Dores