A Economia como Ciência
Social e Moral (Algumas Observações sobre as Raízes do
Pensamento Económico Neo-Clássico: Adam Smith ou
Mandeville?) |
A convicção segundo a qual
conceitos como "individualismo metodológico" e
"egoísmo" - onde autores neoliberais como Hayek vêem
a origem da racionalidade económica e da liberdade - têm as
suas raízes na obra fundadora de Adam Smith, releva de uma
visão redutora. Segundo esse ponto de vista, a tese fundamental
de Smith seria a do homem essencialmente virado para o seu
próprio interesse económico. Na verdade o entendimento da
Riqueza das Nações (RN) é inseparável da Teoria dos
Sentimentos Morais (TSM). Entre os dois livros não há uma
mudança radical da visão do mundo mas, ao contrário, uma
profunda complementaridade demasiadas vezes ignorada. À luz
desse conjunto, a obra assume uma dimensão que não cabe nos
pressupostos da filosofia económica neoliberal..
A concepção neoliberal foi ainda alimentada pela
interpretação empobrecedora de determinados conceitos de A.
Smith. São exemplos, "self-love" que estará longe de
poder ser assimilado ao "egoísmo" individualista e bem
mais perto do que é vulgarmente admitido da noção de
"simpatia", que, por sua vez, não nasce das
"paixões" mas das situações que provocam essas
"paixões".
Por isso Smith não cai na ratoeira hobbesiana que faz depender
as "paixões" do egoísmo. O ser completamente egoísta
(self-interested) não faz parte da ética smithiana, nem a
noção de "self-interest" (conceito unívoco) pode ser
confundida com "self-love" , eminentemente biunívoco
e, logo, inserido na sociedade.
É do lado de Bernard Mandeville e não de Adam Smith que certas
teses ultraliberais encontram afinal a sua verdadeira fonte
inspiradora.
A visão humanista de Adam Smith não pode ser reduzida a uma
concepção onde o económico é um domínio isolável e onde a
moral e os modos de socialização são inúteis, tal como o seu
conceito de "mão invisível" não traduz, por assim
dizer, meras propriedades de um sistema de equações
simultâneas. Tão pouco Smith pode ser classificado como um
dogmático do "laisser-faire". Se confiava nos
mecanismos de mercado, estava igualmente consciente que eles não
funcionariam por si sós, como inúmeras passagens da RN o
testemunham.
Fundamentalmente os dois livros de Smith (TSM e RN) podem ser
vistos como estudos das bases da sociabilidade. O primeiro
traçando os caminhos do comportamento necessário à vida social
e o segundo dos meios pelos quais os homens são capazes de
cooperar uns com os outros.
Estamos longe portanto de universos que preconizam, entre outros,
a "ordem espontânea" , a recusa da "justiça
social" ou o "individualismo metodológico" tantas
vezes defendidos em nome de A. Smith. Procurar definir o objecto
da economia e os fundamentos ético-sociais que lhe são
inerentes parece ser hoje uma tarefa urgente. Tudo indica que a
releitura de Adam Smith se tornou indispensável para
invalidarmos o célebre dito de Oscar Wilde segundo o qual
"a economia é a ciência que conhece o preço de tudo e o
valor de nada