(Versão provisória da comunicação apresentada no 1º
Congresso Português de Sociologia Económica realizado em
Lisboa, 4 -6 de Março de 1998 )
Índice
0. Introdução
1. O processo de globalização
2. A globalização é uma nova época económica ?
2.1. A subida rápida e sustentada do nível de vida médio
2.2. A estrutura económica
2.3. Os novos espaços económicos relevantes
2.3.1. A economia mundial contemporânea
2.3.2. A economia nacional
2.4. Um novo sistema económico
3. A globalização é uma nova fase do crescimento económico
moderno ?
3.1. As transformações tecnológicas e organizativas
3.2. As transformações institucionais e espaciais. A ordem
económica internacional
4. Conclusão
5. Referências bibliográficas
Resumo
As inúmeras e contraditórias análises que se têm debruçado
sobre os processos de transformação sócio-económicos em
curso, para os quais o termo globalização tem sido
genericamente aceite, agrupam-se fundamentalmente em duas
posições. A dos que procuram detectar naqueles processos uma
nova época económica e os elementos característicos e
distintivos dessa anunciada época e mesmo desenvolver uma teoria
da sua dinâmica. A dos que, pelo contrário, entendem que a
globalização, tal como os primeiros a procuram, é um mito.
Esta comunicação visa contribuir para uma reflexão que
sublinha a continuidade e a ruptura no processo histórico ao
discutir e delinear possíveis respostas para a questão: O que
há de novo no processo de globalização?
Abstract
The numerous and controversial analyses on the ongoing social,
economic changes, for which the expression
"globalization" has been widely accepted, can be
gathered into two arguments. One tries to identify in those
processes a new economic epoch, to go into its distinctive
features and even to build a theory of its dynamics. The other,
on the contrary, argues that globalization is actually a myth.
This paper aims to improve on the analysis of continuity and
disruption in historical process trying to answer to the
question: What is new about the globalization process?
0. Introdução
As inúmeras e contraditórias análises que se têm debruçado
sobre os processos de transformação sócio-económicos em
curso, para os quais o termo globalização tem sido
genericamente aceite, agrupam-se fundamentalmente em duas
posições. A dos que procuram detectar naqueles processos uma
nova época económica e os elementos característicos e
distintivos dessa anunciada época e mesmo desenvolver uma teoria
da sua dinâmica. A dos que, pelo contrário, entendem que a
globalização, tal como os primeiros a procuram, é um mito.
Ambas as posições têm naturalmente as suas forças e as suas
fraquezas.
No que respeita às suas forças, e na perspectiva da análise
histórica, os primeiros sublinham a importância dos espaços
supranacionais, e nomeadamente da economia mundial, enquanto
espaço relevante para a análise sócio-económica, os segundos
assentam as suas posições na análise comparativa de dois
períodos históricos separados por cerca de um século: as
últimas décadas do século 19 e do século 20.
Este texto visa contribuir para uma reflexão que sublinhe a
continuidade e a ruptura no processo histórico ao enquadrar,
discutir e delinear possíveis respostas para a questão: O que
há de novo no processo de globalização? Para tal, e uma vez
apontadas as características mais consensuais daquele processo,
decompô-la-emos no que parecem ser algumas sub-questões
relevantes neste contexto:
- A globalização é uma nova época económica? Implica novos
espaços económicos relevantes? Implica um novo sistema
económico?
- A globalização é uma nova fase do crescimento económico
moderno? Implica uma nova ordem económica internacional?
1. O processo de globalização
Para o tipo de reflexão que pretendemos introduzir, é útil
sintetizar as principais tendências do processo de
globalização e não apenas o seu significado mais estrito ou o
seu resultado mais visível: a crescente integração das
economias nacionais que compõem a economia mundial
contemporânea.
Privilegiando naturalmente a vertente económica, mas sem
esquecer que se trata de um facto social total, é relativamente
consensual apontar as seguintes tendências de transformação
social, mutuamente condicionantes, de âmbito tecnológico,
organizativo, institucional e espacial:
i. A aceleração das inovações tecnológicas nomeadamente no
campo da informática, dos cabos de fibras ópticas e da
miniaturização com reflexos particulares na acessibilidade,
difusão e integração em rede da informação. Inovações
igualmente no domínio da produção de energia, em especial com
a biotecnologia, a biomassa e os supercondutores, cuja difusão,
contudo, está relativamente atrasada. O seu impacto faz-se
sentir através da redução rápida dos custos em geral e dos de
transacção e informação em especial.
ii. A transformação dos sistemas de produção no sentido da
menor dimensão e maior flexibilidade, por um lado, e da
exogeneização de fornecimentos, por outro. Estas inovações
visam conciliar as vantagens da produção em massa, do modelo
denominado "taylorista-fordista" (velocidade e custos
unitários baixos), e as vantagens da produção artesanal
(qualidade e diferenciação do produto) através da introdução
contínua de inovações, do melhor aproveitamento dos
conhecimentos e criatividade no sistema produtivo e da redução
dos mecanismos burocráticos a favor do mercado na articulação
entre as unidades relacionadas nos processos produtivos.
iii. A transformação do modo de funcionamento e organização
da economia no sentido do predomínio do mercado e da iniciativa
privada de acordo com a ideologia liberal. Esta transformação,
que se traduz na redução do papel do Estado na economia, tem
como objectivo ganhos de eficiência produtiva e incentivo à
inovação. Nesta evolução ressaltam dois efeitos com uma forte
componente social: a flexibilização do mercado de trabalho e a
redução do fornecimento de serviços sociais e mesmo, graças a
inovações tecnológicos, de alguns bens considerados até há
pouco, do ponto de vista técnico, como públicos ou
quase-públicos.
iv. A transformação do modo de organização e funcionamento da
função política no sentido do alastramento da democracia
liberal. Trata-se de um processo paralelo ao verificado no plano
económico acima referida, em que o mercado é considerado o modo
mais democrático de expressar as necessidades e vontades da
sociedade. As consequências sociais são importantes e
contraditórias: a redução e alteração dos meios do controlo
social fomenta a participação social mas potencializa novas
divisões e conflitos sociais, muitas vezes de carácter étnico
e cultural. Trata-se de uma tendência fomentada , entre outros
factores, pela acessibilidade e baixo custo das tecnologias de
informação que, sem controlo eficaz, ultrapassam a censura
interna típica imposta pelos regimes repressivos.
v. A transformação do espaço no sentido da aceleração da
integração dos mercados nacionais de factores, bens e serviços
e dos padrões culturais, nomeadamente de consumo, assente no
papel de empresas com sistemas produtivos operando em diferentes
espaços nacionais, é, naturalmente, a consequência das
inovações tecnológicas, organizativas e institucionais que
aqui se sintetizaram.
2. A globalização é uma nova época económica?
A questão que se coloca a propósito da detecção de uma
eventual nova época económica iniciada há cerca de 10 ou 15
anos, a era global, é a de saber se, nos seus aspectos básicos,
a época do crescimento económico moderno (CEM) - KUZNETS (1966)
-, desencadeada há cerca de 200 anos, se desestruturou e está a
ser substituída por novas estruturas e padrões de funcionamento
capazes de caracterizar um processo distinto no longo prazo.
Muito sinteticamente, os principais aspectos distintivos desta
época económica relativamente às outras que a antecederam
são:
i. A subida rápida e sustentada do nível de vida médio;
ii. Uma estrutura económica moderna caracterizada por processos
de industrialização e terciarização;
iii. A formação de novos espaços económicos relevantes: as
economias nacionais e a economia mundial contemporânea;
iv. O predomínio da economia capitalista de mercado como modo de
organização e funcionamento da economia.
2.1. A subida rápida e sustentada do nível de vida médio
A subida rápida e sustentada do nível de vida médio é fruto
na época do CEM, do aumento significativo da produtividade dos
recursos económicos resultante fundamentalmente de inovações
tecnológicas, organizativas, institucionais e geográficas. Por
seu lado estas são sobretudo consequência da aplicação
sistemática de conhecimentos científicos em sentido lato às
actividades económicas de produção.
Não parece possível negar a permanência desta característica
nos nossos dias nem, tão pouco, perspectivar a curto e médio
prazo, uma mudança decisiva neste padrão, mesmo que se
vislumbre alguma evolução no significado do termo nível de
vida.
Efectivamente, mesmo admitindo a impossibilidade de manter o
crescimento estritamente quantitativo do nível de vida a prazo -
NUNES & VALÉRIO (1997: 236-241) - a inevitabilidade de uma
transformação dos padrões culturais da humanidade, no sentido
da alteração da prioridade à expansão do consumo, não se
vislumbra. Para além da lentidão inerente às transformações
das estruturas culturais, dois factores extra-culturais
contribuem para esta continuidade: por um lado a difusão
tendencial, ainda que lenta, do CEM para áreas que ainda não
entraram nesta época, facto cujo resultado será um aumento,
mais ou menos rápido, como a experiência e teorias históricas
demonstram - GERSCHENKRON (1966) - dos níveis de consumo de bens
materiais nessas áreas; por outro lado, o efeito das inovações
mais recentes no campo das comunicações, nomeadamente da
comunicação social, com destaque para a televisão associada ao
video e às redes de satélites, mas também para a internet e
mesmo para a comunicação estritamente privada como o telefone,
na promoção e criação de expectativas de altos e
diversificados padrões de consumo.
Note-se ainda que a crescente sensibilidade aos problemas
ambientais e sociais inerentes aos actuais padrões de consumo,
nomeadamente as deseconomias externas inerentes à actividade
económica, não se repercutiram ainda na alteração
significativa da contabilidade social. Os indicadores sintéticos
do nível de vida médio mais comummente utilizados continuam a
assentar na avaliação tradicional do produto ou seu
equivalente. Das tentativas de construção de índices de
progresso e bem estar social, algumas já antigas - SKLAIR (1995:
21-23) - que têm inerente um conceito de nível ou qualidade de
vida menos estritamente quantitativo, apenas o índice de
desenvolvimento humano da ONU, que envolve apenas três
indicadores, tem tido ampla utilização. O agravamento daqueles
problemas tenderá, antes da alteração de aspectos culturais, a
incentivar a inovação no sentido de substituir e poupar formas
de energia e materiais poluentes, sem que isso se repercuta
sensivelmente nas taxas de crescimento do produto per capita ou
de outro indicador de bem estar.
Finalmente, não carece de demonstração ou exemplificação o
facto de os níveis crescentes do produto e consumo médio da
população mundial continuarem dependentes da aplicação da
ciência à actividade económica através de inovações que
criam novos bens e serviços ou reduzem o custo de outros,
aumentando a sua procura e difundindo o seu consumo. O aumento do
produto per capita continua, como desde há 200 anos,a ser o
resultado sobretudo da melhoria da qualidade dos factores
produtivos - MADDISON (1995: cap. 2). A fase do consumo de massa
anunciada nos EUA nos anos 20 continua a sua difusão em termos
regionais e a sua diversificação em termos de produtos.
2.2. A estrutura económica
A alteração da estrutura da economia inerente aos processos bem
sucedidos de CEM, em especial no que respeita à composição
sectorial da actividade económica e à utilização sectorial
dos recursos produtivos, traduz-se no facto de ela passar a obter
a maior parte do seu produto e ocupar a maior parte dos seus
recursos nas actividades transformadoras em sentido lato
(incluindo os transportes e as comunicações - KUZNETS (1971) -
e nos serviços. Tipicamente, as primeiras fases do CEM viram o
crescimento rápido das actividades transformadoras, enquanto as
últimas décadas foram caracterizadas pelo processo de
terciarização. As causas desta evolução são, por um lado, as
alterações no padrão da procura associadas ao aumento do
nível de vida médio e às diferentes elasticidades
procura-rendimento dos vários bens e serviços, e por outro, à
diferente incidência sectorial das inovações.
Ora as últimas décadas mostram a continuidade e a acentuação
desta tendência, nomeadamente o rápido crescimento do peso dos
serviços em detrimento agora não só do sector agrícola (o que
sofreu no após-guerra os maiores aumentos de produtividade) mas
também do sector secundário, mantendo-se válidas as
explicações do fenómeno - MADDISON (1991: 73-74).
Efectivamente o progresso técnico até, pelo menos, à Segunda
Guerra Mundial foi bem mais rápido nos sectores produtores de
bens do que nos produtores de serviços, onde, consequentemente,
os níveis de produtividade tenderam a manter-se relativamente
baixos. Este aspecto justifica o facto de a tendência em termos
da estrutura do emprego, nomeadamente o aumento do peso da
população activa empregue nos serviços, ter em muitos casos
ultrapassando o sector secundário ainda durante o período entre
as guerras - KUZNETS (1971: 249-258) e MADDISON (1995: 38).
Note-se, contudo, que, já em 1970, a esmagadora maioria dos
países da OCDE mostram uma composição sectorial do produto
fortemente terciarizada (superior a 50%) - OCDE (1998).
Naturalmente os momentos de viragem de estrutura variam de
economia nacional para economia nacional e a forma como são
classificados os subsectores, nomeadamente os transportes e
comunicações, condiciona a detecção precisa desses momentos.
Aquela aparente dificuldade em substituir trabalho por capital
neste sector nos países desenvolvidos foi apenas superada com a
última vaga de inovações e, no que respeita aos aspectos
organizativos, associa-se, também pelas suas características
técnicas (necessidade de simultaneadade entre produção e
consumo) ao processo de desregulação e privatização iniciado
há quase duas décadas e ao desenvolvimento e alargamento dos
processos de internacionalização ou globalização das
estruturas produtivas. Note-se que as alterações da
organização do sistema produtivo referidas no ponto 1 levaram
igualmente a que certos serviços, que tradicionalmente eram
contabilizados no sector industrial por estarem integrados em
empresas industriais, passassem, por subcontratação a empresas
especializadas, a ser contabilizados no sector terciário,
acelerando ainda mais aquelas tendências.
Note-se, por outro lado, que um dos indicadores em que é mais
nítida a intensificação dos processos de integração é a dos
investimentos directos estrangeiros (IDE) associados à acção
das empresas multinacionais ou transnacionais. Ora, como é
assinalado em ADDA (1997 I:120-121), se a primeira onda de IDE
actou fundamentalmente para a exploração de recursos primários
e a segunda, no após-guerra, visou fundamentalmente o sector
industrial, a onda actual está particularmente dirigida ao
sector dos serviços, o responsável pelo crescimento
excepcionalmente rápido verificado nestes fluxos - THE
ECONOMIST, 18/10/1997. Segundo aquele autor, pelas
caraterísticas técnicas dos serviços, concorrer a nível
internacional neste âmbito implica a implantação de empresas
nos mercados, entretanto possibilitada pela rápida redução dos
monopólios estatais em sectores como a electricidade, água,
telecomunicações, transportes aéreos, bancos e seguradoras.
Também actividades tradicionalmente privadas, muitas vezes
associadas às empresas multinacionais, como as empresas
publicitárias, de consultadoria, agências de viagens, de
hotelaria, ou meios de comunicação (agências noticiosas,
cadeias de TV) se expandem neste contexto.
Se parece indiscutível que a forte redução dos preços dos
serviços , em consequência do impacto privilegiado das
inovações e sua difusão nesse sector, (incluindo o
aparecimento de novos produtos), teve impacto significativo em
termos de procura, não parece igualmente contestável que a
elasticidade procura-rendimento dos serviços como a diversão, o
turismo, a educação, a informação, a gestão de poupanças,
etc. seja positiva.
2.3. Os novos espaços económicos relevantes
Do ponto de vista espacial a época do crescimento económico
moderno criou e consolidou novos espaços económicos
nomeadamente a economia mundial contemporânea e as economias
nacionais.
2.3.1. A economia mundial contemporânea
Como acima se referiu o significado mais estrito do termo
globalização é o da crescente integração das sociedades e
economias nacionais que integram a economia mundial
contemporânea.
Ora, em rigor, a evolução da humanidade no muito longo prazo
pode ser vista como um processo de criação e progressivo
alargamento de espaços globais, isto é auto-suficientes
relativamente ao desempenho das funções sociais básicas. No
que respeita à função económica é possível falar de
economias globais no sentido da auto-suficiência relativamente a
bens (recursos e bens finais) essenciais. Essa auto-suficiência
é conseguida pela interdependência entre as unidades
económicas baseada em graus de especialização mais ou menos
complexa, quer sectorial (economias locais) quer igualmente
regional (economias-mundo) e em formas de concorrência
igualmente mais ou menos complexas.
Até há cerca de 200 anos terão existido vários espaços com
aquelas características que progrediram lentamente, em termos da
sua dimensão, demográfica e económica, sofreram recessões e
em alguns casos se desagregaram ou foram integrados no tipo de
espaços mais complexos: as economias-mundo - BRAUDEL (1989).
Esta evolução foi compatível com sociedades e economias
tradicionais caracterizadas, entre outros aspectos, pela pequena
incidência e regularidade das inovações. Desde então a
aplicação da ciência à actividade económica desencadeou uma
nova época económica (CEM) em que sociedades e economias
modernas criaram condições para a formação de um único
espaço com aquelas características, a economia mundial
contemporânea, enquanto único espaço global existente à
escala planetária. Este processo, no essencial concluído no
final do século 19, graças a inovações em vários sectores de
actividade, particularmente nos transportes e comunicações,
corresponde a um período de aceleração, alargamento e
intensificação das relações económicas entre os diferentes
espaços económicos que existiam no mundo.
Assim, a grande ruptura em termos da alteração de espaços
económicos globais terá sido entre a situação em que existiam
vários espaços globais e aquela em que passa a existir apenas
um espaço com aquela característica. Ora, essa ruptura
verificou-se na viragem do último século. Note-se que as
transformações que se vêm desenhando neste final de século,
nomeadamente a maior integração das economias socialistas de
direcção central e as estratégias fortemente pró-mercado dos
novos países industriais, não alteram no essencial a situação
então criada. As estações orbitais ou a acessibilidade física
a outros planetas não constituem ainda, nem se vislumbra que
venham a constituir a curto ou médio prazo, a formação de
novos espaços económicos nem que venham a ser integrados no
contexto de uma economia-mundo extra-terrestre. Voltaremos a esta
questão no ponto 3.
2.3.2. As economias nacionais
Enquanto economia-mundo, a economia mundial contemporânea
integra várias economias parciais, não auto-suficientes em
relação e bens essenciais, e que, com o processo de crescimento
económico moderno, se vieram a constituir num tipo específico
que é comum referir como economia nacional. Muito sinteticamente
uma economia nacional caracteriza-se pela unidade e
especificidade do regime económico - o que a torna um espaço
aduaneiro, um espaço monetário, um espaço fiscal e um espaço
jurídico - e da política económica - o que a torna um espaço
político - NUNES & VALÉRIO (1995: 47) e VALÉRIO (1996:
11-13).
Como enquadrar, neste contexto, as transformações deste final
de século?
Três aspectos são normalmente apontados como inerentes à era
global: a intensificação da integração económica dos
espaços nacionais a nível mundial, a lógica global dos
sistemas produtivos e os limites na utilização dos instrumentos
tradicionais de política económica por parte das economias e
dos estados nacionais. A questão está, assim, em saber se
aquele processo está a fazer desaparecer os espaços nacionais
enquanto espaços económicos relevantes e se, mais
concretamente, esses espaços deixaram de constituir espaços
políticos. Tratamos neste ponto do primeiro aspecto e no ponto
2.4 do segundo e terceiro.
No que respeita ao primeiro aspecto sublinhámos já que o
verdadeiro momento de salto qualitativo se terá verificado há
cerca de um século quando a disponibilidade de meios técnicos e
institucionais configurou verdadeiras economias nacionais e
simultaneamente lhes permitiu criar a economia mundial
contemporânea - FOREMAN-PECK (1995: cap 6-9).
Mas, mesmo a detecção, neste final de século, de um salto
quantitativo marcante nos fluxos de factores e bens entre
economias nacionais é controversa. Trata-se de uma questão para
a qual tem sido recolhida muita evidência empírica - HIRST
& THOMPSON (1996), BAIROCH (1997) e THE ECONOMIST (97/10/18 e
seguintes). Não cabe naturalmente aqui repôr a questão, mas,
de forma sumária e genérica os números indicam, em termos
absolutos, uma aceleração significativa daqueles fluxos e uma
redução igualmente significativa do controlo nacional à
movimentação de bens finais e recursos (com excepção, em
relação a este último aspecto, do factor trabalho) .
Contudo, em termos relativos, nomeadamente quando se toma os
valores dos fluxos em termos dos produtos nacionais ou da
população, as conclusões gerais serão muito menos
espectaculares, verificando-se mesmo graus de integração na
economia mundial inferiores, ou apenas em recuperação,
relativamente aos níveis de início do século .
Acresce que, neste final do século, paralelamente ao processo de
globalização, pretensamente diluidor dos espaços nacionais,
verificaram-se com intensidade semelhante processos de
integração económica regional mais ou menos formais,
incorrectamente designados como regionalização, aspecto que
será igualmente referido no ponto 3. Trata-se da constituição
de espaços tendencialmente com as características de uma
economia nacional que abrangem vários estados nacionais. A sua
formação não só decorreu paralelamente à intensificação da
globalização como terá sido um elemento a ela favorável. A
sua utilização como instrumento de protecção regional para
economias em estagnação ou recessão, potencialmente
obstaculizador da globalização, terá vindo a ser superada
pelos efeitos favoráveis de preparação gradual de muitas
economias nacionais para a redução de entraves à mobilidade
dos fluxos económicos, para o estímulo à concorrência, para
reformas legislativas e harmonização de políticas (reduzindo
potencialmente o número de entidades no mundo com capacidades de
soberania em política económica) .
Como em muitas aspectos da globalização, os processos de
integração económica regional começaram fundamentalmente no
após-segunda guerra tendo-se acelerado nas últimas décadas.
Contudo, as organizações e mecanismos que têm impulsionado
tipicamente os dois processos são distintos: como refere OMAN
(1994: 16), no primeiro caso o processo será fundamentamente
microeconómico, no segundo é basicamente político. Voltaremos
à questão no ponto 2.4.
Note-se entretanto que, em rigor, não há nenhum processo de
integração económico concluído, a não ser que se considerem
os processos de unificação económica do século 19, facto que
revela igualmente a resistência da economia nacional em reduzir
o seu papel.
2.4. Um novo sistema económico
Com o CEM desencadearam-se alterações claras no modo de
organização e funcionamento da economia. Por um lado
verifica-se o predomínio esmagador de unidades económicas com
especialização funcional e sectorial das produções, por outro
verifica-se o predomínio da troca capitalista baseada na
especialização de produção entre unidades económicas
distintas, sobretudo de iniciativa privada, em detrimento do
autoconsumo, e o predomínio do mercado como forma de regulação
em detrimento da rotina e de formas mais ou menos abrangentes de
mando - veja-se NUNES & VALÉRIO (1995: 47-60).
Verificaram-se igualmente situações, a nível de espaços
nacionais, em que a troca socialista, baseada na especialização
de produção entre unidades económicas distintas, sobretudo de
iniciativa estatal, e em que a direcção central, como forma de
regulação, se sobrepuseram à rotina e ao mercado. Contudo,
este tipo de funcionamento e organização, actualmente em
rápido processo de desestruturação, nunca predominou a nível
da economia mundial contemporânea.
É a este aspecto que se prendem as questões controversas,
referentes às economias nacionais, pendentes do ponto anterior:
a da eventual existência actual de uma lógica global dos
sistemas de produção em ligação estreita com um tipo
específico e novo de unidades económicas; a dos limites na
utilização dos instrumentos tradicionais de política
económica por parte dos estados nacionais, ou, de um modo mais
geral, da sua acção na economia, que se liga às formas de
regulação económica. Apesar dos dois aspectos estarem
interrelacionados, abordamo-los separadamente.
As unidades económicas típicas do processo de globalização
são as empresas multinacionais, são elas as grandes
dinamizadoras dos processos de integração económica,
nomeadamente da mobilidade e expansão dos fluxos de bens [cerca
de 1/3 do comércio internacional corresponde a trocas entre
empresas multinacionais] e capitais em especial dos investimentos
directos estrangeiros e da tecnologia - THE ECONOMIST (22/11/97).
A sua enorme flexibilidade em termos de alterar a localização
da sua actividade produtiva a nível mundial torna-as elementos
bem adaptados aos sistemas produtivos em transformação no final
do século. Em rigor, a sua forte expansão inicia-se no início
dos anos 60, apesar dos anos 20 terem sido importantes na sua
maturação e diversificação e de em vários sectores elas se
terem formado a partir de meados do século 19 . Naturalmente, os
meios técnicos ao seu dispor (nomeadamente de comunicação), os
sectores que a sua actuação mais cresceu (serviços) e os
espaços para onde expandiram maioritariamente as suas redes
produtivas (os novos países industrializados ou mercados
emergentes) e mesmo a sua organização interna
(flexibilização) alteraram-se, mas as causas da sua expansão
nos finais deste século são idênticas às que levaram ao seu
surgimento e expansão algumas décadas antes. Sublinhe-se,
contudo, que no essencial se trata de unidades económicas
complexas, com especialização funcional e sectorial das
produções típicas da época do CEM e que não se libertaram de
uma identidade nacional. Em média, cerca de 2/3 do stock de
activos das empresas multinacionais está no país de origem, 2/3
da sua produção é obtida no espaço nacional de origem com 2/3
dos activos empregues. Não existiram, por isso, ainda
verdadeiras empresas transnacionais, isto é, sem uma clara
ligação nacional, com uma gestão internacionalizada e sem
qualquer sujeição ou protecção de regulamentações nacionais
- (HIRST & THOMPSON (1996: 19-20).
Muitos vêem na actuação das multinacionais, em especial no seu
papel no investimento directo estrangeiro, o grande factor da
redução do papel e da capacidade de actuação dos estados
nacionais na economia e, em geral, a redução da relevância das
economias nacionais. Esta tendência, que se traduz no reforço
do mercado como modo de funcionamento da economia, aparece
associado, naturalmente - KORNAI (1990) -, ao aumento da
propriedade privada e à liberalização do comércio e dos
movimentos de capital. Neste contexto, a questão da análise da
ruptura ou da continuidade do sistema económico pode ser vista
de dois modos.
Por um lado, aqueles factos podem ser encarados como estando em
consonância com o que referimos sobre a época do CEM e o
funcionamento da economia mundial contemporânea, enquanto
economia-mundo comercial: o predomínio do sistema capitalista de
mercado, apesar das adaptações sofridas, conjunturalmente, no
sentido um sistema de economia mista de mercado regulado - NUNES
& VALÉRIO (1997: 172-173) - e mesmo do desafio que
constituiu o socialismo de direcção central a nível de algumas
economias nacionais até ao final dos anos 80 - NUNES (1997) - e,
com excepção do período entre as guerras, a crescente abertura
externa das economias nacionais.
Por outro lado, parece claro que a maioria dos elementos
essenciais do sistema de economia mista de mercado regulado, que
o diferenciam do sistema capitalista de mercado e se cristalizam
numa forte peso e interferência do estado na regulação da
actividade económica, parecem persistir apesar das
transformações difundidas desde há cerca de quase duas
décadas.
Em qualquer dos enfoques a questão está na avaliação da
evolução recente do papel do estado na economia, no contexto
neo-liberal e de globalização que caracteriza este período e
são inúmeras as análises sobre o tema, tanto a nível nacional
como a nível internacional.
O ponto de partida é o de que a globalização alarga a esfera e
o poder de actuação do mercado reduzindo, por oposição, a
capacidade efectiva do governo intervir na actividade económica,
por ser agora claramente contraproducente e arriscado.
Regulamentações laborais ou outras, aumento de fiscalidade
provocam perdas de competitividade externa de alguns sectores
provocando desemprego ou a deslocação de actividades e factores
para outros espaços. A tentativa de implementação de programas
sociais provocam níveis de despesa que acarretam aumento das
taxas de juro e mesmo problemas cambiais graves.
Contudo, algumas análises - PELAGIDIS (1996) - demostram que o
peso do Estado na economia, continuou a crescer mesmo nos países
que mais tentaram desregular. É isso que se verifica quando se
tomam como indicadores o peso das despesas públicas totais, do
consumo final das administrações públicas, ou das
transferências da segurança social no PIB. Verifica-se
igualmente a rigidez do peso relativo da fiscalidade apesar das
alterações da estrutura, nomeadamente o aumento do impostos
sobre os indivíduos em favor dos que incidem sobre os lucros das
empresas. Esta situação reflectirá o facto de a mobilidade dos
factores, sobretudo do trabalho, ser menor do que os mais
entusiásticos da era global gostariam.
Outras análises - LIPSEY (1997) - apesar de reconhecerem que a
tendência do século 20 para um papel mais alargado por parte do
estado na economia está em reversão, chamam a atenção de que
tal se deve à atitude voluntária e consciente do próprio
estado face ao entendimento de que os sistemas em que o nível de
intervencionismo foi grande, falharam na resolução rápida da
recessão económica dos anos 70. Logo a desregulação teve a
ver à partida, com a política económica dos estados nacionais,
antes de eventuais efeitos idênticos provocados pela
globalização.
Note-se, contudo, que as inovações tecnológicas vieram
impulsionar inovações organizativas que vêm reduzindo as
chamadas falhas de mercado e indirectamente permitem a redução
do peso directo do estado na produção e distribuição em
situações clássicas de intervenção estatal. É o caso
nomeadamente da redução do número de bens públicos e da
redução das situações de monopólio natural. Contudo, em
contrapartida, outras razões clássicas de intervenção estatal
parecem ter aumentado de importância, nomeadamente a gestão dos
recursos colectivos.
Quanto à liberalização das trocas parece claro que ela foi
basicamente o resultado de acordos multilaterais entre os
diversos estados nacionais no âmbito de organismos e
instituições supranacionais. Mesmo em termos dos mercados
financeiros em que a globalização terá sido levada mais longe,
o arranque dependeu de decisões institucionais por parte dos
estados nacionais, nomeadamente, a partir de 1979 , com a
decisão, progressivamente difundida a partir da Grã- Bretanha,
de se pôr fim ao controlo de capitais.
Em dois aspectos, contudo, todos estarão de acordo. A
liberalização e as novas tecnologias de comunicação e
informação reduziram e dificultaram efectivamente o poder de
intervenção regulador do Estado e criaram desajustamentos
sempre que houve diferentes ritmos de evolução, ou mesmo
contradição entre medidas de liberalização, nomeadamente nos
fluxos de capital, e outros aspectos institucionais e
regulamentadores. O caso da crise monetária europeia em 1992-3
após as tentativas de fixação de câmbios no SME, ou as crises
financeiras recentes no sudeste asiático são disso um exemplo.
Mais do que o comportamento das multinacionais, só a "moeda
virtual" - DRUCKER (1997) - terá reduzido a continuação
da relevância dos espaços nacionais no contexto da economia
mundial. No que diz respeito às políticas macroeconómicas,
nomeadamente às políticas monetárias e orçamentais, elas
serão de implementação mais complicada e sensível devido ao
poder real da "moeda virtual", mas no essencial os
princípios básicos para a sua aplicação mantêm-se - THE
ECONOMIST (6/12/97).
Mesmo assim, muitos reconhecem - LIPSEY (1997) e ADDA (1997) que
o poder organizativo e regulador do estado nacional se mantem de
forma particularmente importante nesta fase, e previsivelmente no
futuro mais ou menos próximo, se bem que reorientado para a
criação do ambiente propício ao funcionamento das unidades
económicas, com o objectivo de atrair recursos para o espaço
nacional e ajudar a manter a capacidade concorrencial, para o
reforço da gestão dos recursos colectivos e para o incentivo à
valorização do capital humano e às alterações tecnológicas
(sobretudo para os que advogam o carácter endógeno destas
transformações). Isto é, o reforço de um dos papéis que o
estado tem vindo a desempenhar desde o século passado,
nomeadamente garantir as condições para um forte crescimento
económico nacional no contexto internacional - GERSCHENKRON
(1996).
Finalmente sublinhe-se que a coordenação internacional continua
a ser realizada por difíceis acordos entre as grandes economias
nacionais. Nem os espaços supranacionais institucionalmente mais
avançados conseguem criar soberanias próprias em detrimento da
dos espaços que as compõem. Mesmo quando os pequenos países
perdem a capacidade de imposição de política económica
autónoma e apenas gerem a coordenação com a de outros países,
verifica-se um reforço paralelo de nacionalismo e o Estado
nacional permanece, ou é encarado, como salvaguarda cultural,
mesmo política, e fonte de protecção contra os efeitos
económicos e sociais da globalização - STREECK (1997).
Assim, é possível considerar que o sistema de economia mista
(em que sempre predominaram unidades económicas de iniciativa
privada) de mercado regulado, apesar da importância dos
processos de privatização, persiste, no essencial, até ao
final do século.
3. A globalização é uma nova fase do crescimento económico
moderno ?
A questão que se coloca a propósito da associação entre
globalização e uma eventual nova fase da época do crescimento
económico moderno enquadra-se no facto de, no processo
tendencial de subida rápida e sustentada do nível de vida
médio, acima referida como a primeira característica do CEM,
terem vindo a ser, contudo, detectadas fases de maior e menor
dinamismo. Apesar de alguns recusarem a estas flutuações
carácter cíclico, outros consideram que as variações da
actividade económica ao longo do CEM são identificáveis no
quadro da sucessão de movimentos cíclicos de período
variável, cada um alternando fases que traduzem posições
distintas em relação à tendência.
De uma forma muito simplificada será possível detectar uma fase
A e uma fase B, em que a posição real do movimento está
respectivamente acima e abaixo da tendência. A fase A será
decomponível numa subfase de expansão em que o movimento se
afasta da tendência e uma subfase de recessão em que se
aproxima dela, enquanto a fase B é decomponível numa fase de
depressão em que o movimento se afasta da tendência e numa de
recuperação em que o movimento se aproxima dela. Centre-se a
atenção, no que releva para uma possível resposta à questão
em causa, nos chamados ciclos Kondratieff com um período de
cerca de 50-55 anos. Finalmente, referência, entre várias
outras, à teoria schumpeteriana para explicar a ocorrência
destas flutuações e o desenvolvimento no longo prazo: as
inovações tecnológicas, organizativo-institucionais e
geográficas, a sua incidência em cachos e a cadeia
inovação-difusão-esgotamento; as alterações no perfil da
procura em parte desencadeado por aquelas. Uma versão moderna
desta abordagem, uma teoria estruturalista do crescimento, é
resumidamente apresentada em LIPSEY (1997).
É agora possível reformular a questão: será a globalização
o processo inerente ao desencadear de uma fase A de um 5º ciclo
Kondratieff que a análise histórica perpectiva para a viragem
de século?
A resposta afirmativa a esta questão foi deixada implícita ao
longo dos pontos 1 e 2, pelo que nos limitaremos a sistematizar
alguns argumentos relevantes.
3.1. As transformações tecnológicas e organizativas
Não é controverso que as últimas duas décadas e meia
corresponderam inicialmente a uma situação de desaceleração
significativa do crescimento e desestruturação dos aspectos
organizativos e mesmo institucionais em que assentara o forte
crescimento do após-guerra, seguida de um período mais recente
em que "tecnologias embrionárias" - LIPSEY &
CARLOW (1996) - vêem a sua difusão rápida à medida que se
realizam melhoramentos e novas aplicações. Também não é
difícil reconhecer que este período corresponde a uma fase de
"ajustamento estrutural profundo" em que os aumentos de
produtividade são ainda lentos e flutuantes por as
transformações organizativas, institucionais e sociais serem
relativamente lentas e se tornarem desadequadas para a recepção
e absorção das rápidas transformações tecnológicas. Para
quem aceita a análise cíclica diria que esta fase corresponde
à fase de recuperação do ciclo económico acima localizada -
NUNES & VALÉRIO (1995: 110-111). Concretamente, a
microelectrónica e os cabos de fibras ópticas constituem
"tecnologia embrionária" em explosão numa verdadeira
revolução tecnológica que tem no sector das comunicações o
seu principal núcleo.
As transformações organizativas, nomeadamente a produção
flexível intra-unidade económica e inter-unidades económicas,
igualmente referida no ponto 1, têm acompanhado de forma mais ou
menos rápida em termos nacionais e sectoriais as
transformações tecnológicas. Os efeitos em termos de mercados
de factores, igualmente no sentido da sua flexibilização, tem
provocado desajustamentos difíceis de controlar, com efeitos
social e psicologicamente perturbantes e a curto prazo negativos
que não cabe aqui analisar. Por outro lado - LIPSEY (1997),
estas adaptações organizativas incluem igualmente alterações
nos sectores sujeitos a economias de escala. Como se tem
verificado historicamente, são os sectores em que a inovação
técnica mais incide os que tendem a beneficiar de economias de
escala. Ora, actualmente, será este o caso dos serviços,
enquanto o sector da indústria de bens de consumo, pelo
contrário, tende a beneficiar de economias de gama.
3.2. As transformações institucionais e espaciais. A ordem
económica internacional
As transformações institucionais e espaciais que acompanham,
nem sempre compassadamente, as transformações tecnológicas,
constituem o que em termos gerais se pode referir como a ordem
económica internacional. Demos a entender acima que o último
quartel do século corresponde, de forma semelhante ao que havia
acontecido no período entre as guerras (em termos cíclicos
correspondente à fase B do quarto ciclo Kondratieff), a uma fase
de desestruturação da ordem económica anterior, que tinha
facilitado a utilização economicamente eficiente do último
cacho de inovações no após-segunda guerra mundial, e de
procura de novas instituições capazes de enquadrar uma nova
fase de forte crescimento.
Sublinhámos igualmente que esta procura assentou na actuação
decisiva dos espaços nacionais. Por um lado foi no seu âmbito
que foram redefinidos e adaptadas os sistemas económicos num
contexto geral pró-liberal, apesar de importantes diferenças
nacionais . Por outro lado coube-lhes, mesmo com dificuldades,
escolher e conduzir o acentuar da abertura externa das suas
economias, reformulando, reforçando e criando as organizações
e instituições que a nível supra-nacional, quer regional quer
mundial, vêm enquadrando o processo de globalização.
No plano monetário, o aprofundamento e alargamento, mais ou
menos rápido e formalizado, dos processos de integração
económica, levou ao esforço de harmonização de políticas
económicas regionais e ao estabelecimento, mais formalizado no
caso da Europa, de um sistema monetário de câmbios fixos. A
nível internacional o fim do SMI de Bretton Woods acabou por
estabelecer um sistema de câmbios flutuantes mas controlados
pela cooperação dos bancos centrais, em especial das economias
hegemónicas a nível regional - os EUA, a RFA e o Japão - a
desregulação dos mercados financeiros e a manutenção do FMI,
que se associa à difusão de políticas de estabilização num
contexto neo-liberal.
No plano internacional, a conclusão do Uruguai Round em 1994, em
especial a substituição do GATT por um organismo com as
capacidades da OMC, representaram um impulso significativo na
redução dos proteccionismos, sobretudo dos não tarifários,
que vigoraram na prática até então, no alargamento do âmbito
da aplicação dos acordos e numa maior capacidade para arbitrar
conflitos. Neste contexto espera-se que controle a aplicação de
sanções unilaterais que, nomeadamente os EUA e a CEE/UE,
tenderam a implementar neste final de século.
Note-se que o retorno a um multilateralismo geral e a definição
clara das regras do sistema monetário e financeiro parecem ainda
não consolidados, reforçando a ideia de que a ordem económica
internacional, que eventualmente favorecerá um forte crescimento
económico baseado no pleno desenvolvimento das inovações
tecnológicas e organizativas, ainda carece de estabilização e
que nos encontramos na fase de recuperação do ciclo.
As transformações espaciais neste final de século, à
semelhança do que aconteceu em fases correspondentes de ciclos
anteriores, traduzem-se no processo de alastramento do CEM a
novos espaços e no aprofundamento da integração de certos
espaços na economia mundial contemporânea. As consequências
confirmam igualmente, no essencial, processos históricos
anteriores. Verificam-se alterações na
especialização/complementaridade, na concorrência entre
economias nacionais e, em consequência, na hierarquização e na
hegemonia no contexto da economia mundial.
Efectivamente, os processos de transição da esmagadora maioria
das economias socialistas de direcção central, que envolvem,
desde a viragem da última década, uma parte significativa dos
espaços económicos mundiais, representam um aprofundamento
importante da integração económica mundial. Eles implicaram
reformas liberais e pró-mercado, um salto abrupto para a
abertura externa, uma aceleração da terciarização das
estruturas económicas e uma convergência de padrões culturais,
nomeadamente de padrões de consumo.
Quanto à difusão e maturação do CEM nos chamados NIC, ou
mercados emergentes, os modelos de crescimento económico e a
acção do estado que as enquadrou, expressaram com bastante
rigor as ideias económicas neo-liberais e congregaram na
prática as mais claras manifestações de globalização.
Não cabe no âmbito deste trabalho a análise das consequências
da reestruturação institucional e espacial em curso, o que para
alguns constitui o verdadeiro sentido da expressão "ordem
económica internacional" . Sublinhe-se apenas que, entre o
reforço das relações entre os países desenvolvidos e as
tendências de multipolaridade no centro da economia-mundo
actual, típica de uma fase de reestruturação da
economia-mundo, a hegemonia americana declinante permanece
apoiada em mecanismos novos que de algum modo permitem o seu
prolongamento. Esses mecanismos têm a ver com os aspectos
estritamente económicos, mas as novas tecnologias associadas ao
reforço da língua inglesa (a dos dois espaços hegemónicos
durante a época do CEM) dão agora à difusão dos padrões
culturais e de consumo um mecanismo importante de hegemonia .
4. Conclusão
O processo de globalização não corresponde a uma nova época
económica mas apenas a mais uma fase dessa época. Concretamente
a que prepara a 3ª revolução industrial, em termos da análise
cíclica a fase de recuperação do quarto ciclo Kondratieff e
que se prolongará para a fase de expansão do 5º ciclo
kondratieff.
Como nas fases correspondentes de ciclos anteriores, nomeadamente
os finais do século 19 e os anos 30 do século 20, vêm-se
desencadeando processos de desestruturação tecnológica,
organizativa, institucional e espacial, quase sempre
descompassadas, que provocam o aumento da desigualdade social e
regional, perturbações sociais graves, exacerbação de
nacionalismos, luta pela hegemonia económica, criação de novas
ideias económicas e sociais para a resolução dos problemas.
Dois factores acrescem para o aparente maior dramatismo deste
final de século: o facto de se estar a viver estas
perturbações e os mais de 120 satélites que tornam
instantânea a circulação global da informação.
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