I CONGRESSO PORTUGUÊS DE SOCIOLOGIA ECONÓMICA

 

A Assistência Social Para a Criança e o Adolescente e a Formação do Sujeito

 

Na história da assistência social voltada ao "menor"1, no Brasil, pode-se capturar o desenvolvimento de forças contrárias ou favoráveis à garantia dos direitos sociais dessa população e o papel da subjetividade como elemento de transformação e conquistas sociais. A história se produz pela interação entre sujeito e objeto, no que depende fundamentalmente das ações humanas, sem restringir suas alterações a causas estruturais. Sujeitos em construção e não meros expectadores emudecidos, os pobres buscam na exterioridade elementos para criar ou consolidar um plano de vida e projetam estratégias cotidianas de sobrevivência que podem transformar sua história, como o furto, a agressão, a amizade, o sonho e outras formas de comunicação com o mundo. Neste sentido, as políticas assistenciais e as redes de solidariedade constituem um instrumento fundamental para a construção do sujeito e da esfera pública. As políticas sociais e o sujeito, sob esse aspecto, são resultado de múltiplas correlações de forças. O processo de exclusão social no Brasil tem raízes no modelo econômico que relega a segundo plano o desenvolvimento social e privilegia a esfera privada sobre a pública, desde a época colonial, como constatam alguns autores. A privatização do espaço público aparece na história brasileira através do coronelismo. Leal (1986), em texto de 1942, demonstra que a "esfera pública" local ou nacional encontra-se tradicionalmente ausente ou voltada para a defesa do privado. Sem escola, assistência social e médica, o povo desinformado busca no coronel um benfeitor, permitindo o estabelecimento das bases de uma política de favores e não de direitos. As conseqüências desse sistema evidenciam-se na trajetória do pobre, da assistência social e das demais políticas sociais, sobretudo desde 1930, num país onde "... a questão social é problema policial ... , (onde) a mesma fábrica do progresso fabrica as questões sociais" (Ianni, 1989:147). No decorrer da história, por outro lado, a insistência do pobre em criar estratégias para amenizar ou reverter as conseqüências do modelo econômico sobre sua vida alinha-se às lutas do conjunto da classe trabalhadora, como instrumento de conquista dos germes dos direitos sociais, a partir das necessidades do capitalismo nacional e internacional 1. A GÊNESE DA ASSISTÊNCIA E AS CONQUISTAS SOCIAIS A história da assistência social voltada ao "menor" é feita de sombras e luzes, é uma su-cessão de tragédias salpicada de centelhas luminosas que apontam para a construção da cidadania. Penetra-se um pouco nesse quadro, através da história do fazer cotidiano dos usuários da assistência, em que se evidenciam tanto sua peculiar ambigüidade quanto o movimento inovador sempre pronto a emergir das entranhas da sociedade. A questão da assistência como um mecanismo de apoio aos "menores" percorre a história. Por volta do XIV século, o paradigma dominante via a assistência social como uma prática antieducativa, geradora do ócio. Seus usuários eram concebidos como párias da sociedade e os vadios e mendicantes como elementos ou membros de grupos sociais perigosos (Stoffels, 1977). A crença comum era de que a existência de pobres se devia à própria assistência e de que o fim desta significaria o término da miséria. Em meados desse século, na Europa, pobres e desocupados eram forçados ao trabalho em obras públicas ou oficinas de caridade, prática que terminava por beneficiar principalmente os proprietários de terras. Marx denomina de sanguinária a legislação social2 desse período, por subtrair ao pobre os direitos de ir, vir e estar, e considerá-lo um objeto,

* Artigo extraído da tese de doutoramento A Urdidura da Cidadania no Cotidiano da Criança e do Adolescente Abandonados, defendida na PUC-SP, em 1997, da dissertação de mestrado, De Menor a Cidadão - Filantropia, Genocídio, Políticas Assistenciais, defendida na PUC-SP, em 1992, e de outras publicações e intervenções em congressos e seminários.

** Doutor em Ciências Sociais, pela PUC-SP; professor nas Faculdades Integradas de Osasco - FIEO e em outras Universidades; membro do Instituto Catequético Secular São José-ICSSJ e do Núcleo de Estudos pela Cidadania - NECI-PUC. 1 O termo "menor" indica, neste texto, crianças e adolescentes tratados como objetos sem vontade e desejos, pelo sistema sócio-econômico brasileiro. Apesar do ECA propor a superação dessa terminologia, ela ainda não foi superada pela prática social.

2 Marx (1982:851) relata o conteúdo da lei do pobre: "Henrique VIII, lei de 1530 - mendigos, velhos e incapacitados para trabalhar têm direito a uma licença para pedir esmolas. Os vagabundos sadios serão flagelados e encarcerados. Serão amarrados atrás de um carro e açoitados até que o sangue lhes corra pelo corpo; em seguida, prestarão juramento de voltar a sua terra natal ou ao lugar onde moraram nos últimos três anos, para se porem a trabalhar." A partir de 1547, na Inglaterra, Eduardo VI estabelece do confinamento ao enforcamento àquele que se recusasse a trabalhar. Em 1572, Elisabeth reforça a posição de Eduardo VI e acrescenta a sem vontade, desejos e direitos econômicos.

 

 

Os confinamentos3, enfatiza Foucault (1991), possuíam a função de isolar os párias, entendidos como perigosos ao sistema, e de fornecer ao mercado mão-de-obra barata. Nos séculos XVI e XVII, a ideologia que sedimentava o mundo acabava por desvincular a pobreza das relações econômicas e jogar sobre o indivíduo a responsabilidade por sua tragédia. Esse princípio perpassa o advento do capitalismo e repercute no Brasil, desde o período colonial. Num sistema econômico organizado em torno da relação senhor-escravo, os indivíduos conhecidos como homens livres estavam praticamente excluídos do processo social. Destituídos de terras e sem ter onde trabalhar, permaneciam nas ruas e praças das cidades ou eram levados aos presídios na condição de prisioneiros ou trabalhadores, para serem utilizados em obras públicas, na expansão do território nacional e das capitanias e na destruição dos quilombos. Por vezes, eram contratados como capatazes e caçadores de escravos. Outros eram criminosos e ladrões. "O vadio é aqui o indivíduo não inserido na estrutura de produção colonial e que pode, de um momento para outro, ser aproveitado por ela ..." (Souza, 1986:64.) Nesta trama, os excluídos eram levados a atacar e a destruir seu grupo social. Até o século XVIII, o Estado brasileiro não protege os interesse os interesses do trabalhador. "Ele será unicamente monstro sem alma, o titular da violência, o impiedoso cobrador de impostos, o recrutador de homens para empresas com as quais ninguém se sentirá solidário ..." (Faoro, citado por Souza, 1986:93). Os pobres eram presos e, quando não exterminados, permaneciam acorrentados em locais precários (Souza, 1986:119; Souza Neto, 1992:176). A omissão do Estado movia cristãos e algumas paróquias e confrarias a assumirem a assistência, movidos pelo binômio caridade e trabalho. Ao mesmo tempo que a mentalidade dominante de "ganhar o pão com o suor do rosto", de inspiração bíblica, permitia à sociedade inferir que a riqueza é fruto do esforço pessoal e da bênção divina, dar esmolas aos pobres equivalia à remissão dos pecados: "... como a água apaga o fogo, a esmola apaga o pecado" (São Cipriano, citado por Stoffels, 1977:32.) Esta ideologia somente pôde ser ultrapassada à medida que o desenvolvimento das forças produtivas criou condições objetivas para seu desvelamento. O projeto dos fazendeiros, no final do século XIX, era formar um contingente de mão-de-obra de reserva com os trabalhadores emigrados da Europa4, para se beneficiarem da lei de oferta e procura, sem necessidade de recorrer à violência (Kowarick, 1987:88). Em 1881, essa situação começa a criar mal-estar em âmbito nacional e internacional. Os governos de origem dos colonos passam a impedir a migração de novos trabalhadores rurais, forçando o governo paulista a pagar a metade das dívidas que os colonos tinham assumido com os fazendeiros. Somente a intervenção do Estado permitiu o rompimento do trabalho cativo. Em 1886, "... nas vésperas da abolição, enquanto os escravos dos cafezais paulistas fugiam das fazendas, ... imigrantes italianos faziam o percurso inverso, dirigindo-se para plantações. ... muitos escravos, por não encontrarem alternativas de sobrevivência, voltaram aos cafezais ..." (Kowarick, 1987:95). Absorvidos inicialmente nos locais para onde não se dirigiam os colonos, os ex-escravos eram desvalorizados pela ideologia emergente que os tachava como párias e inaptos para a nova forma de trabalho, itinerantes da miséria, avessos ao trabalho e ligados a uma vida errante, dedicada à caça e pequenas plantações de sobrevivência. (Kowarick, 1987:111.) A partir de 1914, principalmente no pós-guerra, ao diminuir a imigração de trabalhadores para o Brasil, a classe dominante teve que reformular sua ideologia, para absorver a mão-de-obra nacional. Os fazendeiros de café de São Paulo passaram a buscar braços no Nordeste e os trabalhadores nacionais, considerados indolentes e vadios, começaram a ser tão valorizados quanto os estrangeiros.

pena da marca a ferro aos que perambulassem pelas ruas. 3 Esta prática destinava-se a abrigar "... os filhos dos pobres, os vagabundos, os desempregados, os rebeldes ao trabalho e os pequenos ladrões ... punir os que se recusavam a trabalhar e ajudar aqueles que estavam em necessidade" (Pino, 1992: 144). 4 O término do trabalho escravo no Brasil exigiu a constituição do trabalho assalariado. Era "... urgente forjar abundante força de trabalho que se submetesse à disciplina do trabalho nas fazendas. Porque ... subjugar ... livres e libertos, se era mais viável importar trabalhadores destituídos de recursos e instrumentos produtivos, sem acesso à terra ..." (Kowarick, 1987:71). Para constituir mão-de-obra abundante, os fazendeiros desvalorizaram a nacional, justificando a importação da mão-de-obra pauperizada da Europa, que não tinha outra saída a não ser vender sua força de trabalho aos fazendeiros. "Habituados a uma vida sem aspirações ... mostram ... pouca ambição e indolência ... devido ao seu estado de fraqueza ...... tonificado seu organismo ... tornam-se elemento de trabalho se não melhor, pelo menos igual ao estrangeiro." (Leme, citado por Kowarick, 1987:123.) Esses dados históricos permitem inferir que as conquistas de cidadania devem ser entendidas no interior das relações sociais, frente à percepção de que o Estado resulta de diversas correlações de forças. A crise que culminou em 1888, ao ser abolido o trabalho escravo, encontrou desdobramentos em 1930, com a abertura para uma nova fase da história brasileira. O direito do senhor sobre a propriedade e o domínio total sobre o escravo asseguravam-lhe o poder de administrar os conflitos sociais sem a gerência do Estado, significando a abolição do escravatura a primeira "... interferência do poder público nas relações de produção". Com a implantação do trabalho assalariado no Brasil, iniciou-se a passagem do "ser escravo ou livre, pobre, objeto sem desejos" para o "ser trabalhador, sujeito de direitos". Num contexto contraditório de múltiplas lutas, o conjunto da classe trabalhadora vai exercitando e conquistando a cidadania. Em conferência sobre a Legislação Social Trabalhista, no Instituto de Engenharia de São Paulo, em 1934, Street Jorge assim se referia ao período precedente: "Se entre nós o trabalhador nunca teve, depois da ... lei social da libertação dos escravos, uma vida que se pudesse ... chamar de trágica, havia entre nós, ... incontestavelmente, abusos e injustiças contra crianças, mulheres e mesmo operários homens, no que diz respeito à idade de admissão, do horário e do salário ..." (Simão, 1981:67.) As organizações dos trabalhadores - sindicatos, ligas operárias, federações e associações de vertentes reformistas, comunistas ou anarquistas - reivindicavam a melhoria de vida do proletariado, então destituído de quaisquer direitos sociais. Promoviam congressos e greves, sensibilizavam outros grupos, levando-os à solidariedade com sua causa. Da pauta de suas reivindicações constavam a diminuição "do horário normal do trabalho para oito horas, descanso semanal para toda a categoria ..., indenizações às vítimas de acidentes de trabalho, regulamentação do trabalho nas fábricas, proibição do trabalho aos menores de quatorze anos, seguro obrigatório para doenças e pensões, substituição do contrato coletivo pelo contrato individual de trabalho ..." (Pinheiro, 1985:166). Essas metas permeiam as lutas dos trabalhadores no século XX e, a cada embate, ampliam-se e adquirem novos significados. Em função das pressões maiores ou menores das organizações civis, o Estado vai sendo forçado a fazer com que o "espírito" da legislação seja respeitado por todos. O conjunto da classe trabalhadora sentia-se ameaçado na conquista de seus direitos pelo risco de desemprego, frente ao exército de mão-de-obra disponível. Além disso, tinha pela frente "... uma classe dominante politizada e consciente dos seus interesses ..." (Pinheiro, 1985:167), enquanto suas forças políticas eram fragmentadas e desarticuladas. Para conter as organizações dos trabalhadores, a resposta da classe dirigente fez-se presente na Lei de Adolfo Gordo, em 1906, que estabelecia a expulsão de qualquer empregado estrangeiro que fosse denunciado, sem necessidade de provas, pelos patrões ou pela polícia (Carone, 1977:16), com o objetivo de enfraquecer as lutas dos operários brasileiros. Uma outra forma de intimidar os proletários era a aplicação de multas ou demissão para os que não fossem assíduos, pontuais, mantivessem o ritmo da produtividade ou se afastassem do serviço sem autorização. Os aprendizes estariam sujeitos a castigos físicos. Tais normas "... foram objeto de constantes reclamações do operariado ..." (Simão, 1981:68). Em São Paulo, nenhum "... conforto tem o proletariado ... As casas são infectas, as ruas ... não são calçadas, há falta de água ..., escassez de luz e de esgoto" (Bandeira, citado por Simão, 1981:61). Frente à metamorfose capitalista, os operários reagem através de greves5. A partir de maio de 1943, uma nova legislação social, sistematizada e ordenada na CLT, passará a regulamentar os conflitos entre capital e trabalho, incorporando parte das reivindicações anteriores do operariado. Ela permitirá ao Estado controlar as organizações dos trabalhadores e ao proletário e às demais classes criar condições para obter e garantir os direitos civis e sociais. Se observarmos as conquistas dos trabalhadores e sua ação política, nesse período, "de baixo para cima", iremos nos deparar com a ausência da classe operária. Se pensarmos em sua atuação

5 De 1930 a 1940, houve 59 greves na capital e 31 no interior (Simão, 1981). Elas pipocavam desde 1888, aumentando a cada ano. A partir de 1931, pela criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, o Estado passa a intervir nesses conflitos. "a partir de cima", ela estará presente. Sua importância na conquista das políticas sociais, apesar de sua fragilidade, consiste no fato do Estado ter que dialogar com ela durante o processo de acumulação do capital. Em resumo, assim como "... não se pode falar em possibilidade operária, também não se pode falar simplesmente em manipulação operária. ... Weffort prefere falar em aliança (tácita) entre setores de diferentes classes sociais, onde a hegemonia sempre se encontra do lado dos interesses vinculados à classe dominante, interesses que não podem realizar-se sem atender a algumas aspirações básicas das classes populares ..." (Chauí, 1978:93). As questões sociais demonstravam a incapacidade da burguesia industrial negociar com os proletários, cujas pelejas reivindicatórias continham mais uma defesa de sobrevivência do que um projeto político. Isso se torna claro, porque algumas de suas reivindicações também promoviam o desenvolvimento do processo de acumulação. A intervenção do Estado, por sua vez, era dúbia, ora envolvendo-se com o operariado, e procurando assegurar-lhe um ou outro direito civil e social, outras vezes reprimindo violentamente suas reivindicações. Esse princípio de tratar a questão social como policial termina por responsabilizar a própria vítima: "Há estudos em que a 'miséria', a 'pobreza' e a 'ignorância' parecem estados de natureza, ou da responsabilidade do miserável, pobre, analfabeto. Não há empenho visível em revelar a trama das relações que produzem e reproduzem as desigualdades sociais." (Ianni,1992:97.) Entendemos que a população subalterna reage, que ela não é apenas passiva, amorfa ou mórbida perante as questões sociais e que a construção de uma sociedade autoritária, que considera como favores os direitos sociais, não constitui somente uma resposta natural a sua fragilidade. Seria "... injusto e parcial desconsiderarmos os esforços feitos pela população no sentido de superar o autoritarismo. O insucesso de muitas lutas sociais e políticas ... revela o conjunto de obstáculos à transformação" (Chauí, 1987:61). Nosso pressuposto é de que a análise das conquistas sociais deve considerar as contradições sociais, a partir do que é "... central em Marx: o caráter contraditório do capitalismo, ... onde o Estado e a sociedade se inter-relacionam conflituosamente ..." (Pereira, 1989:64). Assim, teríamos condições objetivas para constatar que o Estado capitalista brasileiro, através das políticas sociais, ora oprime, ora liberta o conjunto da classe trabalhadora. Enfatizamos que é nas relações sociais que o trabalhador se descobre como sujeito de sua história. 2. A HISTÓRIA DO "MENOR" NO BRASIL Abandono, brutalidade, violência, fome, abuso sexual, exploração no trabalho, privação, perambulação pelas ruas e praças, extermínio, mortalidade precoce destacam-se na história do "menor" no Brasil. Já no período colonial, os jesuítas viam na criança não a peculiaridade de uma pessoa em desenvolvimento, mas a "... garantia da constituição de progenituras mais angélicas do que diabólicas. ... O pepino torcido desde pequeno evitaria 'os medonhos pecados' ... A lida com os pequeninos representaria uma atividade regeneradora ..." (Priore et alii, 1991:15). Os jesuítas, identificados com a ideologia religiosa do século XVI, pareciam acreditar que a criança indígena era um ser sem desejos e vontades, como os animais, e que, através do batismo, recebia uma alma. Deles são os primeiros trabalhos voltados à criança e ao adolescente, de que temos notícia no país. Nóbrega, em carta de 1554, apresenta as justificativas para as casas em que acolhiam órfãos e filhos dos gentios: "Minha intenção, quando esta casa se principiou, foi parecer-me que nunca meninos dos gentios se apartariam de nós e de nossa administração, e o que se adquiriu foi para eles. Dos moços órfãos de Portugal nunca foi minha intenção adquirir a eles nada, nem fazer casas para eles senão quando fosse necessário para com eles ganhar os da terra e os ensinar a doutrina. E esses haviam de ser somente os que para esse efeito fossem mais necessários e de cá se pedissem." (Azzi, 1992:22.) No século XVIII, os filhos deixados pelas mães "... à noite, ... freqüentemente eram devorados pelos cães e outros animais que rondavam pelas ruas da capital brasileira. Em outras ocasiões, morriam ... de fome ou de exposição aos elementos. Algumas mães deixavam os filhos nas naves das igrejas ou às portas dos conventos ... Outras abandonavam as crianças na praia, para que se afogassem ..." (Russell-Wood, 1981:237). O número de crianças abandonadas nas praças, terrenos baldios e nas portas das igrejas era tão elevado que o orçamento público só tinha condições de fazer-lhes uma assistência precária. Uma das soluções foi criar a "roda dos expostos" nas Santas Casas de Misericórdia, segundo a tradição portuguesa, inicialmente em Salvador e Rio de Janeiro. A deposição da criança na "roda" garantia o anonimato dos genitores, num período em que a doutrina eclesiástica supervalorizava o matrimônio, o adultério era considerado execrável e o reconhecimento de filhos bastardos uma atitude degradante (Mesgravis,1972; Souza Neto,1992). Conquanto preservasse a instituição do casamento, esse princípio redundava na condenação da criança, uma vez que o "... preconceito contra a mãe solteira, em proporção direta a sua posição social e brancura, obrigava-a a colocar o filho ilegítimo na roda dos expostos" (Russell-Wood, 1981:245). De acordo com alguns documentos, as crianças abandonadas nas "rodas dos expostos" permaneciam nas Santas Casas de um a dois meses. "As que sobreviviam eram enviadas a 'criadeiras' pagas pela Santa Casa, devendo permanecer na companhia dessas mulheres até a idade de sete anos ..." (Lima e Venâncio, 1991:67). No reverso desse projeto, quer religioso, político ou jurídico, responsabilizava-se o indivíduo por seu infortúnio. Havia interesse dos governantes em salvaguardar a vida dos recém-nascidos "... abandonados, para encaminhá-los a trabalhos produtivos e forçados ..." (Leite, 1991:99). A preocupação de interná-los visava protegê-los do envolvimento com prostituição, pederastia e vadiagem. A mortalidade infantil, aceita naturalmente como a "vontade de Deus", tinha como causas a péssima condição de salubridade e a sujeição a endemias e epidemias pela má qualidade do abastecimento de água, os focos transmissores de doenças em águas paradas, carência dos recursos alimentares, precariedade da educação higiênica e ausência de recursos profiláticos. A legislação social, em 1820 e 1890, como em 1927, apresentava o confinamento como solução de continuidade para a miséria da infância e da juventude, conservando ranços da lei do pobre. Contra artigos do Código Civil do Menor, reagiam alguns empresários e juristas, no sentido de contestar e procurar burlar as leis, alegando que favoreceriam, principalmente, "... a calaçaria da adolescência e a multiplicação das prostitutas e dos criminosos ... numa terra onde tudo está por fazer, onde nem escolas há em número suficiente para desbravar o analfabetismo da população ... aplicada (a lei) sem cautela, na expressão de sua letra, fatalmente lançarão ao regaço da sociedade uma nova legião de candidatos à vagabundagem, ao vício e ao delito. O menor de seus males será a multiplicação de rufiões e meretrizes" (Iamamoto e Carvalho, 1988:139). Os discursos do final do século XIX colocavam a culpa do abandono e desproteção da criança nas famílias. Em 1920 e 1930, os juristas apontavam como causas do abandono as condições econômicas da população e a desagregação familiar. O destino dos "menores" abandonados seria convíver com adultos criminosos, e para prevenir a vadiagem e a criminalidade6, o antídoto seria a educação. A partir dessa ótica, o "menor" foi deixando de ser um problema policial para tornar-se uma questão social. A partir de 1930, a assistência começará a ser assumida pelo Estado, em dois campos distintos, o atendimento à saúde e à criança. Uma heterogeneidade de trabalhos filantrópicos de entidades privadas passará a ser normatizada pelo Estado, para se regulamentar a relação entre capital e trabalho. "É o controle da filantropia mediante seu enquadramento nas normas técnicas que caracteriza o novo Departamento de Assistência Social." (Sposati, 1988:115.) A preocupação de direcionar a filantropia terá como primeiro escopo organizar suporte para o desenvolvimento de políticas econômicas, garantia da acumulação do capital e expansão das indústrias. Na década de 40, vários instrumentos viriam normatizar o funcionamento e a qualidade dos equipamentos que atendiam aos "menores", a exemplo do DNCr e da LBA. A privação dos direitos sociais prosseguirá no regime militar, apesar do estabelecimento da Política Nacional do Bem-Estar do Menor, em dezembro de 1964, sob responsabilidade da FUNABEM, em comum acordo com o projeto da classe dominante, para tratar dos desajustes do "menor" carente, abandonado e delinqüente, atribuídos pela FUNABEM à falta de afeto e amor na família. A implantação da Política Nacional do Bem-Estar do Menor __________________________________ 6 Em 1895, Cândido Nogueira da Mota constata que a criminalidade "... dos menores aumentou a olhos vistos ..." Em 1906, o Secretário de Justiça de São Paulo apontava a prisão de mil e quinhentos menores, por vários motivos: "... gatunagem, 119, 182 por embriaguez, 199 por vagabundagem, 458 por desordens e 486 por outros motivos de menor gravidade" (Londoño, 1991:137). "... compreendeu três aspectos considerados relevantes: a) integração de programas nacionais de desenvolvimento econômico e social; b) dimensionamento das necessidades afetivas, de nutrição, sanitárias e educativas; c) racionalização dos métodos a serem utilizados ... Apesar de ser uma tentativa de equacionar o problema sociologicamente, prevalece na prática a ótica assistencialista da transformação da personalidade individual." (Passeti, 1991:158.) Em 1976, a Comissão Parlamentar de Inquérito revelou a existência de 13.542.508 "menores" em situação de carência, que ainda possuíam laços com os pais ou responsáveis, e de 1.909.570 "menores" abandonados, sem nenhum vínculo familiar. "Informava ... (a CPI) que, em 1975, 11.812 delitos haviam sido praticados por menores." (Queiroz et alii, 1984:51.) Em 10 de outubro de 1979, surgiu um Novo Código de Menores, com o fim de "protegê-los", pelo confinamento e controle. Entre os motivos da falência desta prática, encontra-se o elevado contingente de 36 milhões de "menores" carentes, na década de oitenta. (CNBB, 1987:13.) Depois de ter sido uma das marcas do regime militar, apesar do Brasil ter chegado a ocupar, então, o nono lugar entre as potências econômicas do mundo ocidental, a condição de miséria e privação dos "menores" persiste na Nova República. As pesquisas do início da década de noventa apresentam o Brasil entre os últimos lugares no que tange ao desenvolvimento social, com altas taxas de mortalidade infantil, analfabetismo, crianças na rua, falência do sistema de saúde e da previdência, falta de habitação, extermínio da população infanto-juvenil7, violência no campo por causa da terra e violência por parte de policiais (OESP, 12/04/1990). Para reverter esse quadro, o MNMMR e a Pastoral do Menor lograram, numa articulação política com outros segmentos da sociedade civil, criar o ECA, legislação que permite a garantia dos direitos sociais da criança e do adolescente. Contudo, a trajetória do "menor" e mesmo da classe trabalhadora no Brasil, demonstram que as leis, por si só, não asseguram os direitos sociais. Ao sancionar o ECA, interpretando esse movimento, o ex-presidente Collor de Mello, em discurso de 31 de maio de 1990, proclamava: "Temos de dizer basta! Não podemos continuar a ser o Brasil das carências inaceitáveis e desumanas que afetam nossas crianças. ... É preciso mudar ... Vamos enfrentar o problema com determinação ... Precisamos de todos ... (para lutar) pelo bem-estar e pela felicidade de nossos filhos ... O problema do menor no Brasil não é um caso de polícia ... É preciso fazer respeitar os direitos da criança ... Não sou eu quem determina que a criança seja objeto prioritário da ação do Estado. O Estado tem a missão fundamental de corrigir e compensar as distorções que surgem com maior ou menor intensidade com o funcionamento da economia de mercado ... Temos de tirá-las (as crianças) das ruas e dos desvios da marginalidade, encaminhá-las à escola, motivando-as para o estudo ... levá-las de volta ao seio da família ... " O discurso delineia as condições necessárias à passagem de uma "política de genocídio" para a consolidação das políticas sociais. Não obstante nossa divergência do governo Collor, um dos projetos necessários à sociedade brasileira é a garantia dos direitos sociais estabelecidos na Constituição Brasileira de 1988 e no ECA, "obras arquitetadas por diversos segmentos da sociedade civil organizada". Através dessas Leis, pode-se diminuir e mesmo dirimir as tragédias de meninos e meninas.Os direitos nelas preconizados resultam de lutas multisseculares no Brasil e fora dele, num conflito constante entre o capital e o trabalho: "... as políticas sociais do Estado ... não são medidas boas em si mesmas como soem apresentá-las os representantes da classe dominante e os tecnocratas estatais. Não são ... más, em si mesmas, como alguns apologetas da esquerda soem dizer, afirmando que ... são instrumentos de manipulação e de pura escamoteação da realidade da classe operária ..." (Faleiros, 1991:55). __________________________________ 7 Em 1990, foram assassinados 457 "menores" nas principais cidades brasileiras, a maioria deles sem antecedentes criminais (OESP, 04/04/1991), por grupos de "justiceiros" financiados por comerciantes e pequenos empresários. As "meninas" são levadas à prostituição, desde os nove anos, "... ligadas aos donos de boates ou prostíbulos ... Nem a polícia e nem outras entidades têm informações sólidas ..." (FSP, 06/02/1992). Relatório da Food and Agriculture Association revela que cerca de 53 milhões de brasileiros são desnutridos ou subnutridos. "... a falta de alimentação atinge hoje cerca de 30% das crianças entre 0 e 5 anos ... Cerca de 61% da mortalidade infantil no país, em 1986, foi causada pela desnutrição." (FSP, 19/10/1990.) O Brasil tem uma população de 57,7 milhões de pessoas entre 0 e 17 anos, das quais 24 milhões vivem na miséria e 23 milhões vivem na pobreza. Uma dentre quatro crianças sofre de desnutrição; cerca de 400 mil morrem anualmente de doenças evitáveis e outras 100 mil de males infecciosos, para os quais existem vacinas preventivas. (Isto é/Senhor, 26/061989:30.) Revela a SEADE que, em 1989, em algumas regiões da Grande São Paulo, o índice da mortalidade infantil é de 98,9 por mil e que, apesar da média da mortalidade infantil ter caído na Grande São Paulo, esta cresce assustadoramente entre os adolescentes, devido à violência generalizada no trânsito e em homicídios, e que a população jovem esÿSM€€(% dade e do centro para a periferia, ligando-se os problemas de moradia e de terra à relidade de violência que a atinge. "Cinqüenta meninos com idade de 8 a 15 trabalham oito horas por dia ... Eles varrem as ruas da cidade com A situação brasileira não se explica pela falta ou insuficiência de recursos gastos na área social. O país investe nas políticas públicas 25% do PIB, mas de maneira equivocada e ineficiente, em razão do ranço populista, assistencialista, corporativista, de empreguismo e excessiva centralização dessas políticas, deixando, muitas vezes, o município desguarnecido de recursos. As políticas sociais devem ser planejadas de maneira menos burocratizada, facilitar a acesso aos necessitados e apresentar programas a serem desenvolvidos pelos municípios, com a participação e a vigilância dos munícipes, no que se refere à aplicação dos recursos e atendimento de prioridade, como preconiza o artigo 88 do ECA: "São diretrizes da política de atendimento: I - municipalização do atendimento; II - criação de conselhos municipais ... dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo as leis federais, estaduais e municipais." A municipalização das políticas sociais e, principalmente, da assistência, poderá assegurar a conquista e garantia dos direitos sociais, pois, nas últimas décadas, elas foram elaboradas para garantir o controle social, no "apagar do fogo, em meio do incêndio". Há analfabetos? Cria-se o MOBRAL. Há crianças morrendo de fome? Distribuem-se leite e alimentos. Há crianças na rua? Institucionaliza-se ... Esses procedimentos só escamoteavam os fracassos das políticas de desenvolvimento. Com a municipalização, os programas sociais poderão facilitar a trajetória do "menor" a cidadão criança e adolescente. O processo de lutas sociais em torno da conquista dos direitos das crianças e adolescentes tem ajudado a sociedade a se descobrir. Os "... meninos e meninas estão inventando outro país, e nós, mais velhos, temos que ajudar essas meninas e esses meninos a refazer o Brasil. ... Ajudemos estes meninos a reinventar o mundo ..." (Freire, 1989:9). Para "refazer o Brasil" e garantir as políticas sociais, a sociedade tem alguns desafios a enfrentar: 1º Rever o pagamento da dívida externa, uma das causas do crescimento do "Estado do Mal-Estar" social no Brasil. 2º Municipalizar as políticas sociais, especialmente a assistência, como "... estratégia fundamental, embora não exclusiva, para democratização da sociedade ... " (Silva et alii, 1991:14). 3º Participação de representantes da sociedade civil na formulação de políticas sociais. 4º Impregnar a cultura de valores éticos universais. 5º Formular políticas assistenciais na perspectiva do direito, a todos os brasileiros que dela necessitarem, possibilitando um novo caráter redistributivo da renda nacional. 3. O DESENVOLVIMENTISMO A teoria do desenvolvimento busca explicar a realidade brasileira pela ótica da autonomia nacional e da superação da pobreza, fome e mortalidade infantil, tendo como parâmetro ultrapassar ou igualar os países "modernos" ou desenvolvidos. A nosso juízo, esse eixo de análise não atinge seus objetivos. Não vemos, no Brasil, uma oposição entre moderno e atrasado, subdesenvolvido e desenvolvido, centro e periferia. O que existe é "... uma simbiose e uma organicidade, uma unidade de contrários, em que o chamado 'moderno' cresce e se alimenta da existência do atrasado ... O desenvolvimento ou crescimento é um problema que diz respeito à oposição entre classes sociais internas" (Oliveira, 1987:12). O conceito de subdesenvolvimento não alcança o conteúdo da formação histórica singular do capitalismo brasileiro, pois a análise em torno da oposição formal entre um setor "atrasado" e um setor "moderno" não se mantém enquanto oposição e sim no fato de que um sustenta o outro. A simbiose entre "atrasado" e "moderno", "subdesenvolvido" e "desenvolvido" busca garantir o processo de acumulação do capitalismo. Para que este princípio ocorra, é necessário velar tal realidade, deixando sobressair uma "aparência de distribuição e de igualdade". Se, de um lado, os trabalhadores querem viver, de outro, o empresário precisa deles vivos. Embora o acúmulo de capital gere a miséria e as crises sociais, a mesma desigualdade dele proveniente vai sendo __________________________________ os pés descalços, sem luvas e qualquer outra proteção. Não estudam e afirmam que no dia do pagamento são submetidos a abusos sexuais como forma de garantir os Cr$ 6 mil que recebem por semana (cerca de meio salário mínimo por mês, no final de 1991). Um deputado estadual é apontado pelos meninos e por seu ex-motorista particular, como responsável por esses abusos. (FSP, 18/11/1991.) amortecida, tão logo o conjunto da classe trabalhadora ou as necessidades do capitalismo coloquem limites à acumulação. Com base no pressuposto de que a maturação do capitalismo brasileiro arrasta o processo organizativo do conjunto da classe trabalhadora, admite-se que dessa maturação advêm as políticas sociais. Ainda que num primeiro momento beneficiem mais o capitalista, acabam trazendo, de forma "clandestina", a melhoria da qualidade de vida da população. Os chamados períodos "revolucionários" brasileiros foram momentos de rearticulação e reacomodação da economia internacional. No processo de maturação do capitalismo no Brasil, a classe trabalhadora não só é dizimada, pauperizada, "sucateada", explorada, como também acumula experiências e força política para conquistar o exercício da cidadania e se postular como sujeito de direitos, adquirir autonhecimento e possibilidades de luta. A consciência capitalista de que a destruição dos trabalhadores seria sua própria ruína abre caminho para a organização e as conquistas operárias. Frente à manutenção do capitalismo, o debate sobre as categorias igualdade e desigualdade social converge para o centro da sociedade brasileira, explicitando-se que o modo de produção capitalista elevou os trabalhadores a cidadãos, sujeitos de direitos e, por conseqüência, de sua história. Ressalte-se que as mudanças sociais não ocorreram somente na relação entre a infra e a superestrutra, mas igualmente nas reações e nas estratégias que os pobres encontram no cotidiano. Esse pressuposto possibilita deslindar o Estado intervencionista, que emergiu no Brasil em 1930, com desdobramentos em 1964. Ele evidenciou a contradição entre capital e trabalho num outro patamar, respondendo às exigências internas e externas do capitalismo. O projeto político de 1964 proporcionou à burguesia internacional poderes econômicos e políticos, ou seja, buscou solidificar o capitalismo monopolista no Brasil. Sua tese central era garantir, primeiramente, o desenvolvimento econômico e, em decorrência deste, os direitos sociais. A concretização dessa proposta exigia a importação de tecnologia, a renovação da opção cristã, segundo a doutrina norte-americana, e a produção para exportar e não para erradicação da pobreza. A teoria do desenvolvimento desigual e combinado nos possibilita compreender a formação social do Brasil, bem como dos usuários da assistência. Só existem ricos porque existem pobres, só existe a assistência porque existem aqueles que foram excluídos dos bens de consumo. A partir dessa compreensão, podemos afirmar que a criança e o adolescente são criança e adolescente; só são "menores" dentro das relações sociais estabelecidas e não por um ato de vontade pessoal. As políticas sociais existem porque as relações sociais se constituem de maneira desigual. O que garante sua existência é o fato dos trabalhadores necessitarem delas para sobreviver e mesmo os empresários, para controlar e garantir a reprodução do trabalhador e financiar o desenvolvimento do capitalismo, abrindo estradas, escolas especializadas, redes de água e energia . As conseqüências do modelo de desenvolvimento adotado no decorrer da história do Brasil acarretaram para os trabalhadores de baixa renda o "Estado do Mal-Estar" social e o "Estado do Superbem-Estar" social ficou para uma minoria. Essa realidade aparece nos indicadores sociais do Ipea e do Bird, que apontam que 20% da população mais rica detêm 63,3% da renda nacional, enquanto os 50% mais pobres ficam com somente 11,61% dela (FSP, 09/07/96). São 41,9 milhões de brasileiros pobres e indigentes (FSP, 08/03/95). Essa disparidade atinge o "menor": "Cerca de 3,5 milhões de menores de 14 anos trabalham no Brasil. Mais de 70% deles recebem em torno de meio salário-mínimo. Outros, semi-escravos, cumprem jornadas de até 12 horas e não recebem nada por isso. Arrebentam os pulmões nas carvoarias ou nas fábricas de calçados, inalando cola. Cortam até 2 toneladas de cana por dia ou carregam pesadas caixas de laranjas, ganhando lesões irreversíveis." (Revista Atenção, Jan./1996:8.) Segundo o IBGE, 11,6% da população economicamente ativa é de trabalhadores com menos de 17 anos, uma mão-de-obra barata e desorganizada. Quanto à violência, indicadores estatísticos da Polícia Federal revelam que são assassinadas, no Brasil, até quatro crianças por dia (FSP, 12/05/96). Em pesquisa do SOS Criança, 87% dos "menores" que perambulam pela Grande São Paulo, pedindo ou fazendo pequenos furtos, viciados em crack, cola, maconha e cocaína, têm vínculos familiares e alguns são arrimos de família, sendo que apenas 10% deles moram na rua. Para agravar essa realidade, no interior das próprias casas, a tortura por parte da família tem levado algumas crianças até a morte. "A cada hora, são 750 que sofrem violências em casa." (FSP, 21/02/94.) São os pais, na maioria dos casos, os responsáveis pela violência. (Passetti, 1995:65.) Esse quadro se torna mais grave pela ausência de políticas sociais, como a falta de abrigo para crianças abandonadas ou vítimas de violências. Informações das autoridades dão conta da necessidade de cerca de 900 vagas para acolhimento de "menores". (FSP, 09/07/96)8. Uma análise superficial desses dados poderia dar a entender que a classe subalterna não reage às formas abusivas com que é tratada e que chega a assumir e assimilar a culpa pela trágica situação nacional. Contudo, um exame mais meticuloso dos fenômenos sociais demonstraria que ela, historicamente, sempre provocou e forçou o diálogo com a classe dominante, por diferentes interesses e carências. Se há intelectuais e pessoas que crêem que a população pauperizada não reage, que vive somente da caridade ou da assistência pública, como os moradores de rua e as crianças e adolescentes abandonados, a vivência e observação de sua realidade permitem perceber, ao contrário, em seu dia-a-dia, um movimento propício à construção de um tecido social para granjear a cidadania, ainda que alheio à proposta explícita de derrubada das estruturas sociais, como tivemos a oportunidade de analisar em trabalho anterior (Souza Neto, 1997). Se os seus esforços, muitas vezes não qualificados nem quantificados, deixam entender que ela não responde à opressão e a provocações, a forma como sobrevive em confronto com a dramática realidade apresentada nos dados estatísticos demonstra que ela não responde a partir dos paradigmas predominantes, mas sim de acordo com a lógica da vida, e que essa reação vai estabelecendo as bases para a democracia. É no fazer cotidiano que a população empobrecida vai descobrindo as formas de organizar sua vida e de amenizar seu sofrimento. Nas margens que a realidade lhe reserva, ela faz sua história, assim como ergue seus barracos nos barrancos e ribanceiras, nas orlas dos córregos e rodovias. Nesses territórios, onde se constroem a objetividade e a subjetividade, gera-se a ética da sobrevivência. Os empobrecidos preferem não enfrentar o inelutável, mas antes descobrir o que nele é possível fazer e nele, ainda, transgredir algumas regras do jogo. Com o tempo, acabam constituindo uma nova existência social, em relações pessoais ou coletivas. Nas franjas do sistema, grupos ou indivíduos têm criado "fragmentos emancipatórios", como as conquistas da mulher, do negro e da criança, entre outros exemplos. Se não mudaram o sistema na perspectiva estrutural, essas lutas criaram um tecido social adequado à implantação de um projeto político "um pouco menos autoritário", com possibilidades do aflorar da criatividade. 4. MUTAÇÃO DA ESFERA PÚBLICA Para reverter essa realidade do "menor", a sociedade brasileira criou os Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCAs), prescritos pelo ECA. Como esfera pública e, portanto, circunscritos no bojo das relações sociais, os Conselhos não são apenas braços do Estado ou instrumentos de propaganda de políticas populistas, mas, para além das instituições formais, constituem produtos das lutas de classes, gêneros, raças e idade. As políticas sociais, desse ponto de vista, são concebidas como direitos do sujeito que constrói e assume os canais de participação, no que ultrapassam a visão do usuário da assistência social como objeto destituído de desejos ou aspirações, manipulado por relações de favoritismo e clientelismo. Um dos seus objetivos é o estabelecimento de vias comunicativas entre os segmentos sociais, em busca de caminhos e soluções propícias à qualidade de vida e à viabilidade de um conjunto de reformas, dentro da estrutura da ordem social vigente. Este processo é um instrumento de controle da atividade pública, é um treino político das massas. A esfera pública pode ser compreendida, sob esse aspecto, como sinônimo de democracia (Oliveira, 1988:21). O público, por sua vez, não se esgota no Estado, produto e instrumento da sociedade civil para coordenar as coisas públicas e prestar serviços públicos. Contudo, o Estado "... facilmente ... abandona a posição de res publica e passa à condição de apropriação privada por parte de grupos dominantes." (Demo,1989:327). Ao dar prioridade aos interesses privados, o Estado transfigura-se em instrumento desses interesses, perde a capacidade democrática e converte- __________________________________ 8 Essa situação pode ser assim quantificada: 4 milhões de crianças estão excluídas da escola (FSP, 08/03/95). Se essa tendência permanecer, a previsão é de que 26,4 milhões de brasileiros não terão qualquer instrução no ano 2000 (FSP, 12/07/95). Dos 62 milhões de trabalhadores no mercado, 72% são analfabetos ou com menos de um ano de escola, 50,1% não são registrados em carteira e somente 8,5% chegaram a concluir o segundo grau (FSP, 26/06/94). Mostram as pesquisas que o Brasil tem 2 milhões de subtrabalhadores (FSP, 11/03/94). Cresce o índice de meninas na prostituição, a partir dos oito anos, principalmente em regiões do Nordeste, e o tráfico de bebês ao Exterior. "A diarréia é responsável por 50 mil mortes de criança." (FSP, 1995.) Na Grande São Paulo, a Seade revela que 11% das famílias ... são miseráveis: "... a ... pobreza na região é multifacetada ... (FSP, 15/04/93). se num canteiro de corrupção e de "industrialização da miséria". Ao pressionar o Estado e a própria sociedade, ela os convoca à responsabilidade e à defesa dos interesses públicos, restringindo o uso indevido da miséria e do sofrimento social em proveito de particulares, qualifica a relação dos movimentos organizados, entidades e indivíduos com o poder público, no que tange às coisas públicas, e desloca as práticas e concepções assistencialistas e clientelistas através de canais de comunicação, participação e negociação. Podemos entender o princípio norteador da esfera pública como o que Habermas chama de soberania popular descentralizada e pluralizada (Telles, 1994:49). A perspectiva de que os demandatários das políticas sociais sejam tratados como sujeitos requer uma alteração no planejamento das políticas sociais na mentalidade de quem exercita as ações públicas. As políticas sociais e principalmente a da assistência não podem constituir uma responsabilidade exclusiva de um departamento, secretaria, ministério, entidade ou damas da caridade. Nesta ótica, elas ganharão visibilidade e poderão deixar de ser a expressão da vontade de damas da caridade, do interesse de políticos que se utilizam desse terreno pantanoso para montar currais eleitorais ou mesmo a ação de assistentes sociais e de entidades assistenciais que assumem o trabalho como uma missão pessoal. O enfrentamento da pobreza não se faz por ações isoladas, que acabam por atribuir a culpa das mazelas sociais ao indigente e a missão de reeducá-lo a abnegados filantropos, uma vez que a pobreza é socialmente produzida. A assistência pode ajudar os indivíduos na conquista da cidadania e atuar como ferramenta pedagógica (Souza Neto, 1997). Os CMDCAs são espaços de negociação a serem compreendidos e assimilados pela sociedade como instrumentos de conquista e implantação de novos programas sociais que respondam as suas necessidades reais. São canais jurídicos que conferem exigibilidade às organizações e à população para cobrar do poder público a implantação e o implemento das políticas de atendimento à criança e ao adolescente. Para isso, é preciso articular as forças econômicas, políticas e humanas, envolver secretarias, departamentos e chefias da prefeitura, do Estado, da Federação e ONGs, na perspectiva de criar condições para que os "menores" sejam tratados como sujeitos, de estilhaçar os estigmas e alcunhas de "criança de rua, criança-problema, menina prostituta, menor infrator e anti-social". É necessário ampliar os exíguos espaços destinados à população infanto-juvenil nos planos governamentais ou não, deixar de concebê-la como valor de uso e de troca, a mão-de-obra do futuro, e instituí-la como sujeito. A esfera pública permite fazer uma radiografia dos conflitos e abrir campo a sua manifestação, mas, principalmente, sobrepõe a coisa pública à privada, criando mecanismos de atendimento a várias necessidades da reprodução social. Como num jogo de xadrez, na comparação de Oliveira (1988:23), na esfera pública cada passo deve ser bem articulado, pois, ausentes as regras do jogo, há o perigo de se transformar a sociedade num jogo de damas, onde quem faz a dama arremata tudo. Isso significa que uma só necessidade seria satisfeita. Ela não está contra o Estado e nem as organizações sociais, mas aponta caminhos e exige dele respostas que se traduzam na formulação de políticas sociais. Castoriadis (citado por Genro, 1995:165), a respeito, observando uma assembléia em Porto Alegre, onde havia cerca de 1.300 pessoas, diz: "Eu sempre vi as organizações e as lideranças populares se mobilizarem contra o Estado. Nunca tinha visto elas se mobilizarem para orientá-lo. Foi a primeira vez que vi este fato." O processo de democratização abre uma senda para a mudança do imaginário no trato com as coisas públicas, encontrando fórmulas alternativas alterativas que respondam aos carecimentos da população. As organizações sociais desempenham papel preponderante na urdidura da cidadania, uma vez que o sujeito não só participa, mas constrói o espaço, o que produz uma metodologia pedagógica (Pontual, 1994:63). O estabelecimento de CMDCAs fundamenta-se em três premissas: a primeira é que o poder municipal não têm como equacionar sozinho todas as mazelas do município; a segunda é a não disponibilidade de recursos financeiros e físicos para atender a todas as demandas sociais; finalmente, as políticas sociais setorizadas não podem resolver os problemas sociais sem uma interface com as políticas econômicas.Nessa arena de debates, manifestam-se os diferentes interesses políticos e ideológicos da cidade. Apesar da lei defender o município como um todo, cada segmento dentro desse espaço luta por interesses particulares, como se percebe no depoimento de uma conselheira da cidade de Diadema, São Paulo: "No início, tivemos dificuldades ... Cada ONG ... representada defendia o próprio interesse. O pessoal ligado à creche só via creche e criança pequena. ... Quem trabalhava com criança abandonada ou maltratada só pensava nelas. .... As dos deficientes físicos, só pensavam nos deficientes. O poder público só pensava no setor deles, e alguns representantes da entidade juntavam-se com outras, para pedir recursos para pagar salários. Um órgão que foi criado para pensar a cidade e o bem-estar das crianças ..., ficamos um ano e meio resolvendo problemas e divergências ideológicas entre nós, se deveríamos priorizar o recurso da prefeitura e do fundo para as crianças de zero a seis anos, pois havia pessoas que não acreditavam que criança acima de seis anos podia ser recuperada. A prefeitura achava que criança acima de seis anos é problema do Estado, ... não acatava as decisões do Conselho. Em alguns momentos parece que o Conselho só ligava para o que a prefeitura queria. ... Muitos companheiros do Partido e da administração desconfiavam do Conselho e da assistência." (Cons. Márcia. 25/10/92.) Esse depoimento desperta interrogações sobre a formulação das políticas sociais. A primeira diz respeito à concepção da assistência, questionando sua atuação no sentido de promover a eqüidade ou de reproduzir a desigualdade social. Seriam os seus programas apenas curativos, sem medidas preventivas indispensáveis à emancipação do sujeito? Esta problemática retoma a discussão das crenças na univocidade das políticas sociais, em especial da assistência, e de que as ações desenvolvidas pelo Estado ou pela sociedade capitalista tenham por fim último fortalecer a subserviência, a dominação e a exploração, ou o contrário, a pluralidade. Ao nosso juízo, a assistência sedimenta-se nas lógicas do controle e da possibilidade de condições de acesso à cidadania. Paradoxalmente, não obstante os limites das entidades, pela prática da "assistência caritativa", elas subsidiam o "ser objeto" para transformar-se em sujeito que comanda sua história. Essas diferentes concepções corroboram um processo pedagógico favorável à construção do sujeito. Uma segunda questão é a da paridade: "Às vezes, o Conselho parecia fortalecer a prefeitura." Compreendê-la apenas numa relação entre poder público e organizações sociais na perspectiva de números ou de dados estatísticos não significa a democracia, pois sabe-se de antemão que o Estado brasileiro na sua tradição tem controlado a sociedade. Os representantes do poder público têm maior capacidade organizativa pelo acesso à máquina administrativa e experiência no trato das coisas públicas. Segundo Demo (1989:336), na prática, a paridade "... não vai além de tornar o processo decisório menos fechado, mas isto já é fundamental". Esta é a ambigüidade do conceito paridade. Se, de um lado, pode dar margem a que os governantes utilizem o CMDCA apenas como convalidação, por outro, este não pode reduzir-se a tiete do governo, o que seria menosprezar a capacidade de reação individual e social. Uma terceira tensão que se pode extrair da experiência do CMDCAD é a identificação do trabalho das entidades e de outros programas sociais com assistencialismo, por parte de alguns conselheiros do poder público. Esse procedimento subtrai aos empobrecidos a possibilidade de se organizarem e granjearem a cidadania, atuando, contraditoriamente, no sentido de fortalecer o processo de exclusão. De fato, quando analisada sob uma ótica funcionalista, à margem das relações sociais, a assistência perde a dimensão de facilitadora do acesso à cidadania, tornando-se mais excludente do que includente. (Pereira, 1996:53.) Municipalização não significa prefeiturização. Não nega, mas democratiza o poder; não acaba com as contradições e os antagonismos sociais, mas é o foro onde se podem buscar e localizar mecanismos de equacionamento ou redução da desigualdade social. Não significa uma partilha de poder entre as esferas municipais, estaduais e federal, mas uma articulação delas entre si e com a população, para quantificar e qualificar a prestação dos serviços públicos. Para garantir essa liberdade nos municípios, é necessária a participação das organizações sociais, que devem pensar a cidade como coisa pública e não numa perspectiva de interesses privados ou pessoais. "O caráter público do governo de um município é mais direto, e é mais direto exatamente porque é maior a visibilidade dos administradores e das suas decisões." (Bobbio, 1986:88.) Pesquisadores e estudiosos da municipalização têm acenado que essa é uma das estratégias para a democratização. Entretanto, cada local cria e inventa formas diferentes de construir e conquistar os direitos sociais. Tocqueville (1977:200) enfatiza a força dos povos livres na comuna. Ressalte-se que os homens deixam-se freqüentemente conduzir pela antiética e não são naturalmente tão virtuosos, a ponto de priorizarem o bem comum. Na esfera pública expressam-se as práticas de resistência. 5. AS ESTRATÉGIAS DO SUJEITO O sujeito se constrói na interação entre objetividade e subjetividade, de acordo com a análise de que "... a realidade interna e a realidade externa se compõem na experiência de viver" (Winnicott, 1994:3). Nesta se encontra a possibilidade do indivíduo alcançar a maturidade pessoal, através de estratégias, e de adquirir segurança em seu meio. A maturidade do sujeito é a capacidade de administrar os conflitos e de encontrar estratégias em prol de opções que beneficiem a qualidade de vida. No cotidiano, o indivíduo pode "beber do seu próprio poço" e apropriar-se da exterioridade a ser assimilada pelo processo mental (Winnicott, 1994:221), contribuindo com um jeito novo de apreciar as coisas. Neste sentido, as pulsões individuais são elementos de construção da história tanto quanto as mudanças da infra ou superestrutura. O desenvolvimento humano também se faz na segurança e na amizade, na crença em algo confiável e duradouro. Para que se possa aprender a lidar com desilusões, mágoas e lutos, e mesmo superá-los, destaca-se a importância do ambiente e da sociedade. (Winnicott, 1993:102.) A criança e o adolescente necessitam de proteção, orientação e respeito, paz, confiança, amor e partilha, para seu desenvolvimento: "Quando entrar nesta casa, entre com humildade. Traga a paz e a confiança, esta é a casa de ninguém. Aqui todos somos pobres, peregrinos e passageiros. Aqui ninguém tem dinheiro, mas aqui o rei é o amor. ... Traga a paz e a caridade, pois aqui mora ninguém. Já muito sofrido e esfolado, agora está consolado. Ele é gente também, pois aqui o rei é o amor. ... Traga a paz e a esperança, traga respeito também. Não olhe as aparências, pois todos somos irmãos. Ame todas as crianças, não olhe a idade nem cor. Não queira só seu interesse, reparta com seu rmão. Ajude o desamparado a viver humanamente. E dê-lhe o Reino do Amor." (Lázara Silveira Pacheco. Educadora. 11/04/1980.) Essas condições estimulam o desenvolvimento da pessoa. O ser humano, desde tenra idade, absorve e produz sua história num contexto próprio, ultrapassando a figura de expectador e reprodutor. Pode ser tolhido por desapontamentos e tragédias, mas pode aprender a usar deles para galgar a maturidade. Alterações das formas de pensamento e de apropriação dos objetos se processam nas várias faixas etárias, demonstrando que há conjuntos de agentes que interferem na identidade do homem. Como realidade entrelaçada de múltiplos componentes, o sujeito vive o acaso, a incerteza, a esperança, a alegria, o perigo, o prazer, a morte, miséria e riqueza, e faz suas escolhas. Concebemos o sujeito movido por sua história, desejos, pelos sentimentos que o atropelam, as marcas da infância. E é nessa moção que busca energias para renovar-se. Em contato com a exterioridade, as comportas de sua memória se abrem "... em sua mente, ... esquecidos sentimentos o atropelam ... e ele se vê engolfado pela intensidade de um mundo infantil que sua vida de adulto o tinha forçado a esquecer" (Berman, 1990:45). É a subjetividade que desperta ao contato com a exterioridade e com ela ganha vida. As ações ou decisões do sujeito estão subordinadas a uma "constelação" de fatores. Essa concepção permite inferir que o sujeito e o público se interdependem e que a esfera pública ganha visibilidade com a participação do sujeito, possibilitando a satisfação dos carecimentos radicais. As políticas sociais podem subsidiar o "menor" na aprendizagem e do encontro consigo mesmo e com o outro, elementos básicos para a formação do sujeito em direção a uma ética da liberdade. Dispor de condições para o desabrochar da vida significa viver e interagir com o outro, fazer história, transformar o dia-a-dia, dar significado aos objetos e deles extrair o sentido da vida, elaborar e reelaborar os sonhos. Nessa perspectiva, viver é caminhar na busca do "não-lugar", sem respostas claras e acabadas, é encontrar-se frente a novos desafios a cada relação ou descoberta, num eterno recomeçar. A consciência humana, sede do sujeito, não é produto do vazio. "Não é a consciência que determina a vida, mas ... a vida que determina a consciência. ... a história deixa de ser uma coleção de fatos sem vida, como apresentam os empiristas, e que são ... abstratos, ou a ação imaginária de sujeitos imaginários, como apresentam os idealistas." (Marx, 1980:26.) Neste sentido, as circunstâncias constroem os homens tanto quanto estes produzem a história. Dentro de uma realidade definida, os homens estabelecem relações com os objetos e vão formando sua consciência sobre si e o mundo. O conceito de sujeito, que estamos delineando, provém de nossa análise da história e do cotidiano dos usuários do Lar de Menores São José (LMSJ), uma entidade assistencial não-governamental da cidade de Diadema, São Paulo, na qual apreendemos o modo como se apropriam dos objetos externos e os organizam e transformam em prol da realização dos seus sonhos. Pesquisamos suas estratégias na busca de saídas e brechas para novas conquistas, porque, na vida diária, ninguém poderia ser inteiramente alienado, o que seria a inércia da rotina (Heller, 1982). A população empobrecida - não tão amorfa e alquebrada diante dos problemas sociais com que se defronta, como querem alguns - tece as bases do novo nos fragmentos do cotidiano. Na cotidianidade dos favelados, os barracos deslizando pelos barrancos, arrastados por enxurradas e tempestades ou consumidos pelo fogo, são sempre e novamente reconstruídos. Na vida da população empobrecida, a resistência deixou de ser uma virtude de "santos" ou uma prática individualista, para se transformar num fenômeno coletivo (Bobbio, 1988:252). Suas pelejas pela conquista dos direitos sociais tendem a reelaborar a ideologia dominante, de forma a responder às próprias necessidades. Mas a resistência que aparece aí coisificada é um instrumento de manobra de que se serve como tática de sobrevivência. Nesse sentido, a resistência dos "menores" é um instrumento de conquista dos direitos de cidadania. Entendemos as formas de solidariedade como estratégias de sobrevivência no cotidiano, em que sempre restam abas para o encontro do novo. Um exemplo dessas estratégias de sobrevivência encontra-se no modo como a "ala progressista da Igreja Católica" trabalha com os pobres e miseráveis, na pastoral da moradia, dos menores, dos migrantes e da terra, entre outras. São atividades sociais representativas daquilo que Certeau (1996:38) apresenta, ao comentar que o "... cotidiano se inventa com mil maneiras de caça não autorizada". Essas redes de solidariedade expressam o descontentamento com a injustiça social e emergem no cotidiano a partir dos próprios pobres ou de grupos e organizações que se sensibilizam com sua causa. Se a esfera do cotidiano contém essas táticas e estratégias como possibilidades ou caminhos para garantia da sobrevivência, nossa perspectiva é de nele localizar a esperança. As chamadas práticas anti-sociais, características dos "menores de rua e abrigados", devem ser compreendidas como um grito de socorro de quem teve destruída toda a esperança. Entendidas somente como um desvio, elas têm um caráter ideológico que acaba por rotular o indivíduo perante os responsáveis pela formulação das políticas sociais. Na cotidianidade dos "menores" estão sempre presentes as questões da agressividade, do furto, da sujeira, da destruição que podem ser compreendidas como maneiras de comunicação com o mundo exterior. Na perspectiva da confiança como condição para amadurecimento do homem e da sociedade, a agressão não tem apenas um aspecto "negativo", mas é ainda um exercício que pode levar o sujeito a entrar em contato com o mundo externo, para dele extrair a confiança. A agressão e o furto podem ser instrumentos de comunicação com a exterioridade e são, de certa forma, manifestações do sujeito. Os "menores", rejeitados e privados de direitos, acabam por apresentar comportamentos de agressão e furto, mais como estratégias-limite de sobrevivência do que mecanismos anti-sociais. " Normalmente, a reação destrutiva à esperança destruída é encontrada entre os que, por razões sociais ou econômicas, estão excluídos dos confortos da maioria e não têm para onde ir, social ou economicamente. Não é ... a frustração econômica que conduz ao ódio e à violência; é o desespero da situação ..." (Fromm, 1970:35.) As privações perpassam a vida dos "menores", como alimentadores de estratégias de sobrevivência, principalmente da agressividade e do furto. Não direcionados, estes hábitos acabam por fugir ao controle social e conduzir o "menor" a se voltar contra seu eu e o não-eu. Pode-se observar "... a sintomatologia da tendência anti-social, e aí aparece o furto como um sinal de esperança, ... temporária, ... mas positiva enquanto dura, e antes que se dê uma regressão para a desesperança ... desse processo ... a que se dá o nome de capacidade para o luto" (Winnicott, 1995:141). A perda pode auxiliar o indivíduo a desenvolver a capacidade criativa, a buscar novos espaços para construir a esperança, ou levá-lo à depressão e desesperança, ou seja, à incapacidade de sair de um objeto e ir ao encontro de outro. Esta dinâmica acaba por forçá-las a reproduzir sua história, em que as marcas da exterioridade internalizadas conduzem o seu destino. É ilusório, no dia-a-dia, pensar que as aflições serão finalmente dirimidas, pois, de diferentes modos, são continuamente recriadas ou novos sofrimentos aparecem. A identificação dos homens com sua história, seu cotidiano, é tão forte, que até poderíamos afirmar que a pessoa é o cotidiano. Existe a possibilidade de superação da desesperança e da perda da compaixão e da empatia, por fatores sociais ou psicológicos, através do "... encontro com uma pessoa em cuja preocupação ou interesse ... crêem, ... abrem-se novas dimensões de sentimentos. Se tiverem sorte, ... se degelam..., e as sementes da esperança, que pareciam ... destruídas, germinam" (Fromm, 1970:35). Na vida dos "menores" abandonados, é possível apreender algo da fúria avassaladora do desejo não satisfeito, das promessas não cumpridas e da omissão das políticas sociais. Seu cotidiano abre clareiras à percepção de que o processo subjetivo ajuda-os na apropriação do mundo real. Pela imaginação, buscam superar ou equacionar as contradições vividas, mas, apesar do sofrimento lhes ser, muitas vezes, ininteligível, não cessam de experimentá-lo cotidianamente. Para compreender a viabilidade de uma mudança das atitudes agressivas oriundas das frustrações e privações de que são vítimas os "menores", em diferentes faixas etárias, destacamos que o ser humano, a fim objetivar os elementos constitutivos da subjetividade ou de exteriorizar suas potencialidades internas, precisa de um objeto externo para si e de ser objeto de um terceiro, relação pela qual chega ao conhecimento próprio e do outro, embora não totalmente. A criança vive num mundo real e autocriado, saltando de um para o outro. O papel da mãe ou do responsável é conduzi-la à frustração e propiciar-lhe as condições para que aprenda a viver com a ilusão e a desilusão. Quando adquire capacidade para começar a suportar a frustração, torna-se apta a resistir a privações, pois o mundo nunca é inteiramente como o desejamos ou imaginamos. O máximo que poderia ocorrer, nesse sentido, seria uma coincidência de identificação entre o idealizado e o real. O binômio destruir e construir, presente nas brincadeiras infantis, reproduz o cotidiano dos "menores" que buscam encontrar táticas de emancipação, através da amizade e confiança que geram as brincadeiras, fazendo fluir a liberdade criativa do indivíduo. "No brincar, a criança manipula fenômenos externos a serviço do sonho e veste fenômenos externos escolhidos com significados e sentimentos oníricos. ... O brincar implica confiança ..." (Winnicott, 1995:76). A atitude de brincar permite ao sujeito aprender a usar sua autonomia dentro dos limites da brincadeira. Uma relação não firmada na confiança e amizade é entendida como um dos pontos de origem da esquizofrenia infantil. A brincadeira reproduz a dinâmica competitiva da sociedade, que estimula a criatividade tanto quanto a destruição do inimigo. É o sonho da liberdade, de ser dono da vida. Como no flutuar da "pipa" (papagaio), presa por um simples fio aos dedos da mão, a criança e o adolescente no alto, voando, livres da prisão do cotidiano e olhando, de cima, sua história. Este brinquedo, feito por eles mesmos, com elementos fragmentários que passam a constituir um todo, a vareta, a cola, a linha, o papel, a tesoura, também gera a amizade e a inimizade. As brincadeiras propiciam à criança e ao adolescente saírem do mundo real e nele se reintegrarem, sob uma nova perspectiva. Brincar com a "pipa" sintetiza a dinâmica da história da vida da criança e do adolescente. Ao fazê-la, eles tecem com as próprias mãos a possibilidade de sonhar, de voar, de serem livres das opressões. Mas descobrem que o sonho e a vida real estão vinculados, como "por um fio de linha". O sonho sobrevoa e o desafio é trazê-lo para junto de si. De vez em quando, na turbulência da vida, como nas disputas entre as "pipas" no ar, alguém lhes corta o fio da esperança, simbolizado pela linha. Quais maestros, eles têm que reger a música dos seus sonhos, que paira no ar, e escutá-la dentro e perto de si. Esse desafio de cada dia, feito na brincadeira, expressa o movimento da vida, embora, nem sempre de maneira transparente. "A criança ... começa sempre tudo de novo, desde o início. É da brincadeira que nasce o hábito, e mesmo em sua forma mais rígida o hábito conserva até o fim alguns resíduos da brincadeira. Os hábitos são formas petrificadas, ... de nossa primeira felicidade e de nosso primeiro terror. ... Um poeta contemporâneo disse que para cada homem existe uma imagem que faz o mundo inteiro desaparecer; para quantas pessoas essa imagem não surge de uma velha caixa de brinquedos?" (Benjamin, 1993:253.) A amizade possibilita o desenvolvimento ordenado do diálogo, pelo qual se pode granjear a liberdade e encontrar motivação para fazer a aproximação entre os sonhos e a realidade. Permite a passagem da visão trágica para a antitrágica, sem uma fuga da realidade, mas transformando-a. O amigo não é aquele que desvela ou esconde a realidade, é quem acolhe e ajuda a ver o caminho.. Contribui igualmente para a formação do sujeito o sonho, como uma força mobilizadora da vida. O próprio objeto que dá sentido à exteriorização da subjetividade pode, entretanto, sufocá-la e destruir a vida. Não basta ter sonhos, é preciso possuir condições para implantá-los. É necessário derrubar as barreiras que se interpõem entre eles e a realidade. A partir da premissa de que a constrição do indivíduo está dentro e fora dele mesmo, compreende-se que esta sujeição também usa os tentáculos de sua organização psíquica interior. O mesmo indivíduo que determina seu cotidiano é por este determinado. Assim, o espírito tirânico tem-se apoderado da cultura e das mentes humanas, numa dominação que se prolonga por gerações. As referências tolhedoras do passado, que anulam a construção do sujeito, precisam ser superadas no presente. O encontro com o passado só deverá ser assumido na linha da ressurreição dos sonhos perdidos e impedidos, para banir o que impede a felicidade. Benjamin (1991:43) reflete que "... cada época não apenas sonha a seguinte, mas, sonhando, se encaminha para o seu despertar. Carrega em si o seu próprio fim ..." Esta reflexão pode-se aplicar aos "menores" que, em cada etapa da vida, sonham com a seguinte. Na observação do cotidiano, podemos perceber a interferência ou simbiose entre a exterioridade e a subjetividade, em lógicas diferentes, mas complementares. Marx apresenta de que forma as utopias motivam os homens a transformar a realidade social e o cotidiano, antecipando o futuro. Nessa perspectiva, o cotidiano é "a vida equacionada", que possibilita construir o novo. Extrai-se dessas considerações que o homem inteiro é aquele que, mesmo nos flagelos diários, vivencia o cotidiano e mantém a capacidade de responder às diferentes situações exigidas pela vida. O sujeito é aquele que consegue sonhar e ter um olhar antitrágico, que se apropria de sua história como motivação para um projeto de vida e luta para transformar sua realidade de morte em vida. Cada sujeito inventa e cria sua história. Quem não consegue sonhar e esperar, mesmo com ajuda de outras pessoas, talvez não supere suas tragédias. Os sonhos e o olhar antitrágico alocados no sujeito necessitam, para concretizar-se, das formas de navegar e das variáveis de manobras da exterioridade. O "menor" é um feixe de pulsões e de imaginação, a ser sujeito, autônomo, capaz de agir e de "ser agido", de comandar e de ser comandado, de "... aprender a aprender, ... a descobrir, ... a inventar" (Castoriadis, 1992:156), a extrair energia das adversidades. Essa visão extravasa a simples interiorização das normas, regras e instituições. É transformá-las. Este é o papel do sujeito. 7. CONTRIBUIÇÃO DA ASSISTÊNCIA NA FORMAÇÃO DO SUJEITO A assistência social pode servir como ferramenta propícia ao despertar do sujeito, com tudo o que ele possui de autonomia, criatividade e capacidade para direcionar sua vida a partir dos próprios valores (Morin, 1996:57). A práxis de seus usuários confirma essa necessidade de se conjugarem a exterioridade e a interioridade do sujeito. Ao ajudá-los a canalizar suas pulsões, incluindo entre seus instrumentos pedagógicos relações de amizade e confiança, estimuladoras da busca do discernimento para a escolha e elaboração de estratégias de sobrevivência, a assistência contribui para a unidade entre esses dois pólos. Práticas dialógicas permitem autoconhecimento e visualização dos fatos sob uma ótica (Foerster, 1996:74) que descortina as janelas do ser e possibilita ao sujeito investigar questões básicas e tomar tento da própria vida. Respondidas a partir de experiências pessoais, perguntas como quem sou eu, o que quero e o que estou fazendo neste local necessitam ser explicitadas pela intersubjetividade. Pelas vivências do dia-a-dia, o ser humano dá significado às palavras geradoras de mudanças. Isto quer "... dizer que associamos parte do nosso mundo experiencial com uma palavra particular, mas essa palavra permanece como uma parte do nosso mundo experiencial" (Glaserfeld, 1996:90). A clarificação da experiência pede um olhar complementador, que produza dela melhor compreensão e abra perspectivas ao reassumir da própria história dentro dos condicionantes dados. A partilha de olhares e a convivência dos usuários transfiguram o eu e o não-eu, com reflexos no cotidiano. O sujeito é quem tem esperança e luta para concretizar seus sonhos, sem permanecer à espera de migalhas. Age livre da normatização do Estado, porque está para além do Estado. O processo de assistência, por sua vez, parte da trajetória dos usuários. Não escolhe em seu lugar, porque entende que devem ser responsáveis, que uma multiplicidade de fatores sociais, biológicos, culturais, psicológicos, entre outros, explicam sua construção. Sob esse enfoque, a noção de sujeito é complexa e polêmica. Os condicionadores não negam que o sujeito é livre, e o é porque extrai da realidade elementos para a vida e confere a seu objeto reordenamentos e sentidos sempre originais. Ele consegue subverter a realidade, sem rejeitá-la diretamente; por seu modo de apropriação e uso, determina seus fins e funções. As concepções de sujeito, cotidiano e assistência suscitam desafios e questionamentos. Assim como o sujeito constrói o mundo, é por este construído, numa relação que faz dele um ser capaz de produzir uma antiética destrutiva da vida e dos sistemas ecológicos. Daí a preferência pela concepção de sujeito em construção, depositário do bem e do mal. Somente um inacreditável progresso humano poderia trazer, talvez, maior clareza sobre a concepção do sujeito. Incluem-se nas visões de sujeito - como produto da disciplina, prisioneiro das estruturas ou resultado de uma escolha racional - as dimensões da incerteza e certeza, fraqueza e grandeza, amor, participação, comunhão, alegria, ódio e ética. A noção de sujeito constrói-se num processo dinâmico, recheado de espanto e perplexidades: "... tudo é inacreditável ... Estou cercado pelo mistério. Tenho o sentimento de caminhar nas trevas, rodeado por galáxias de pirilampos que me escondem e revelam a obscuridade da noite '... dela vem toda a origem, ainda que seja noite' " (Morin, 1995:227). O sujeito vive da luz, mas também das "noites", que tendem a se esclarecer à medida que ele se envolve nas relações sociais. É bom lembrar que os pobres não estão mortos, eles agem e reagem e, quem sabe se parte de suas forças não provém dessas "noites escuras" que lhes permite extrair da realidade material para implantar um projeto de vida, mesmo que de maneira limitada, porque a base da exterioridade é a desigualdade social. Outra questão diz respeito à metamorfose do sujeito através de sua interface com a realidade. À medida que esta se transforma, muda igualmente o sujeito. O inverso também acontece, quando suas mudanças alteram a realidade. Este jogo de reciprocidades alterativas é que tem feito a história, com tantas certezas e incertezas. Apesar de tê-la em suas mãos, o sujeito faz a história somente sob circunstâncias dadas. Entretanto, sem o homem não há história, como, sem os objetos externos, ele não teria como sobreviver e fazê-la. Em decorrência, encontramo-nos com o sujeito biológico e não-biológico, com ações estimuladas por necessidades que cumprem sua condição de animal e seus sonhos e fantasias, em relações que o ensinam a viver entre a ilusão e a desilusão. Aqui se coloca um outro desafio acerca de como ajudar o "menor" abandonado a viver a ilusão e a desilusão, prática essa que ultrapassa uma determinação jurídica. Não se compreende a assistência apenas como produto do bem ou do mal. Nela ambos se encontram, e isso lhe permite subsidiar o indivíduo no aflorar da autonomia. A relação da assistência com o sujeito segue uma via dupla, na perspectiva pela qual ele dela se apropria e transforma, e na concepção de quem a faz. Por esses aspectos, pode-se entendê-la como estratégia de sobrevivência e de conquista da cidadania. Se os indivíduos não reagissem ante a exterioridade, se fossem tolos ao ponto de reproduzirem a realidade que se lhe apresenta, ela não sofreria qualquer transformação. Independentemente de como a exterioridade esteja organizada, deve-se tratar o ser humano enquanto um feixe de pulsões. Não se defende uma credulidade simplista no continuísmo de uma sociedade dominada pela exploração e desigualdade, nem que todos os indivíduos gozem de iguais oportunidades e possibilidades. O que se entende é que a democracia traz ao sujeito melhores condições de realização. Os homens, conquanto livres, "... não escolhem livremente" (Marx, 1984:432) esta ou aquela forma de viver. Suas escolhas se fazem dentro de uma realidade individual ou social dada. O sujeito não é aqui produto da assistência, mas das relações sociais, das quais é igualmente produto a própria assistência. Pensá-lo na modernidade significa acreditar que ele assimila, reconstrói e cria as relações sociais, transforma a sociedade e é por esta transformado, num complexo de ações humanas que compreendem da ação do sujeito à participação. Um outro desafio está em repensar a importância do cotidiano, rico em possibilidades e estratégias de ação para a formação do sujeito. Como vida equacionada, ele possui inúmeros atalhos a serem localizados e utilizados. Da mesma forma, não se pode pensar a história sem o cotidiano, matéria-prima de que ela se faz. Buscar compreender a noção de sujeito é entendê-lo como uma constelação de fatores. Esses desafios não vêm negar as relações sociais geradoras de parte da barbárie em que vivem os homens. Apesar de definir-se pelo pragmatismo, é o cotidiano o espaço onde se aprende a lidar com o mundo e fazer história, onde estão as formas criativas de elaboração da realidade. Os próprios fatos ocorridos no processo de individuação, no cotidiano e na história produzem continuamente a necessidade de transformar a vida. A realidade experimentada no mundo moderno impulsiona para o futuro e provoca alterações comportamentais. Na vida diária, o homem coloca em ação suas capacidades e habilidades, vivencia sentimentos, inteligência, ódio e amor, para comunicar-se com a exterioridade, é um desfrutador dinâmico e ativo. No entanto, não tem possibilidade de absorver toda a heterogeneidade do cotidiano, com seu leque de alternativas. (Heller, 1982:30.) A história dos "menores" evidencia a insuficiência da subjetividade para a mudança. Há necessidade da objetividade. Privilegiar a subjetividade seria lançar o fracasso só no indivíduo. Prender-se à objetividade, seria responsabilizar apenas a exterioridade. Entende-se que a causa dos fracassos está na falta de uma correspondência entre o interior e a exterioridade. Marx (1978:9) exemplifica com a música o despertar da subjetividade pelo exterior. A mais bela melodia, para aquele que não tem ouvido musical, de nada vale. A subjetividade é a capacidade que temos de dar sentido e valor às coisas, não por sua utilidade, mas pelo seu sentido. A essência do homem não está na exterioridade como utilidade. Move-se no interior, onde estão alocados a esperança e os sonhos. Mais do que alimentar sonhos e esperanças, é preciso perceber a forma dos homens se organizam para satisfazer seus carecimentos. A assistência ou a esfera pública são fragmentos da realidade que se apresenta ao sujeito como estratégia de sobrevivência. Nelas, as práticas de resistência "... residem nas forças de cooperação, de comunicação, de compreensão, de amizade, de comunidade e de amor, na condição de serem acompanhadas pela perspicácia e pela inteligência, cuja ausência se arrisca a favorecer as forças da crueldade ... aquelas são sempre mais fracas, mas é graças a elas que existem sociedades onde é possível viver, famílias que amam, amizades, amores, dedicações, caridade, compaixão, impulsos do coração, e que por entre solavancos e desordens o mundo avança sem submergir total ou permanentemente na barbárie. Estas virtudes comportam em si mesmas a crueldade para com o que lhe é exterior, antagônico ou ... diferente, mas são elas que tornam a vida possível e a morte indesejável, são elas que ... fomentam o que há de mais precioso e que é ao mesmo tempo o mais ameaçado e mortal, em primeiro lugar o amor" (Morin, 1995:231). Emergem aí as fagulhas da esperança, amizade e confiança como força para se acreditar que é possível transformar "o fel no mel", através das ações cotidianas. Nossa convicção é de que a esfera pública estabelece uma base cultural que serve de tecido social à cidadania. O sujeito que participa é aquele que tem esperança, a qual "... não consiste em cruzar os braços e esperar. Na medida em que lute, estou amadurecido para a esperança. Se combato com a esperança, tenho o direito de confiar. O diálogo ... não pode praticar-se num clima carregado de desesperança. Se os que dialogam não esperam nada de seus esforços, se o encontro é vazio, estéril, burocrático e cansativo" (Freire, 1980:85). O sujeito age independentemente da normatização do Estado, porque está para além do Estado. Uma concepção presa a determinações legais ou disciplinares não circunscritas nas relações sociais leva, muitas vezes, o indivíduo a agir fora da ética da vida. Reelaborar uma síntese do sujeito sem negar a subjetividade, a exterioridade e sua influência no alargamento dos direitos sociais e no processo de transformação social é o desafio maior de nossa análise. Indicadores dessa nova síntese do sujeito podem estar nas pequeninas esperanças semeadas no cotidiano, sem excluir outras formas de luta, como a participação na esfera pública, que ajuda a ampliar essas pequeninas esperanças. O sujeito, cuja noção buscamos construir nesta reflexão, tem a propriedade de se servir de estratégias transformadoras, de conceber escolhas e de elaborar táticas para impor ou realizar seus sonhos. BIBLIOGRAFIA ALAYÓN, N. Assistência e Assistencialismo. São Paulo: Cortez, 1989. ALTOÉ, Sônia. Infâncias Perdidas. Rio de Janeiro: Xenon, 1990. ARIES, P. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981. ARRUDA, Reinaldo S.V. Pequeno Bandido. São Paulo: Globo, 1983. AZEVEDO, M. Amélia. (Org.) Crianças Vitimizadas. São Paulo: Iglu, 1989. 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SIGLAS E ABREVIATURAS UTILIZADAS NO TEXTO CBIA - Centro Brasileiro da Infância e Adolescência CEBs - Comunidades Eclesiais de Base Cedeca - Centro de Defesa da Criança e do Adolescente CMDCA - Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente CMDCAD - Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Diadema CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente FD - Folha do Dia Febem - Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor FSP - Folha de São Paulo IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICSSJ - Instituto Catequético Secular São José IEE-PUC - Instituto de Estudos Especiais


João Clemente de Souza Neto

 

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