Após a grande crise dos anos 70, ocorrida com o chamado
"choque petrolífero", os ideólogos da economia
capitalista perspectivaram a ultrapassagem dessa crise pela
adopção de novos métodos de organização de produção, os
quais passavam pelo abandono numa escala mais ou menos alargada
do sistema "fordista" (ou "neo-taylorista")
da produção que, por sua vez, era caracterizado por uma grande
parcelarização e segmentação das tarefas, pela produção em
série e pela máxima automatização no cumprimento de cada uma
dessas tarefas "parcelarizadas", e ao qual correspondia
uma estrutura empresarial do tipo "piramidal" com
inúmeros degraus hierárquicos e assente, em larga medida, em
trabalhadores permanentes, a tempo completo e subordinados a um
único empregador.
Os preconizados "novos" métodos da organização da
produção, em contrapartida, passariam agora por uma
organização celular ou "modular" das empresas,
caracterizada por um grande "achatamento" da respectiva
estrutura - o chamado "downzizing"
- a
exteriorização de um considerável número de tarefas até aí
desempenhadas pelos serviços da própria empresa (o chamado
"outsourcing") e a grande precarização (mediante a
multiplicação dos contratos de prestação de serviço, do
trabalho no domicílio, do trabalho temporário e a prazo, da
subcontratação das relações de trabalho.
Em suma, tratava-se de transformar, o mais possível, os custos
fixos em custos variáveis, aí se incluindo também os custos
relativos do trabalho.
E é aqui precisamente que surgem as primeiras linhas de defesa
da "solução mágica" da flexibilidade, conceito,
aliás, creio que propositadamente bastante equívoco, porque
utilizado em vários sentidos, mas cuja ideia central é, porém,
sempre a mesma - com a flexibilidade, as empresa poderiam
tornar-se mais "competitivas", porquanto os
(inevitáveis) despedimentos de hoje serviriam para construir a
competitividade de amanhã, a qual por sua vez criaria os novos
empregos depois de amanhã. Porém, a realidade que nos cerca
demonstra a completa falência de semelhante teoria - em parte
alguma aplicação das teorias da "flexibilidade"
diminuiu o emprego.
Pode, pois, dizer-se que o presente processo de reestruturação
produtiva tem assim passado pela fragmentação e rarefação das
relações laborais e das figuras contratuais típicas, com a
multiplicação dos tipos de relações jurídicas estabelecidas,
a precarização das situações profissionais e a
diferenciação de dois mercados de trabalho - um cada vez mais
precário (de que o contrato de trabalho "clássico"
está cada vez mais ausente) e outro, em que se verifica uma
vocação expansiva do Direito do Trabalho, e abrangendo
categorias dos trabalhadores (designadamente altamente
qualificados e quadros dirigentes) até aqui relativamente imunes
à disciplina mais ou menos rígida do mesmo Direito do Trabalho.
António Garcia Pereira